Maio de 68, nicho de mercado do atual capitalismo de massas?
É de se esperar que a trama de um filme ambientado em 1968 se espraie pela torrente revolucionária das palavras de ordem e dos coquetéis Molotov, não é mesmo? Eis que o diretor Bernardo Bertolucci subverte a revolução das ruas e volta sua câmera para as ações intimistas d’Os sonhadores (2003).
Flávio Ricardo Vassoler
1968. As ruas de Paris estão em polvorosa. Se “a revolução não será televisionada”, os jovens tomam de assalto as avenidas, ruas e bulevares da capital que o Barão Haussmann (1809-1891), braço arquitetônico de Napoleão III, havia projetado como um antídoto às redivivas barricadas. É de se esperar, então, que a trama de um filme ambientado em tal contexto se espraie pela torrente revolucionária das palavras de ordem e dos coquetéis Molotov, não é mesmo? Eis que o diretor Bernardo Bertolucci subverte a revolução das ruas e volta sua câmera para as ações intimistas d’Os sonhadores (2003).
Os irmãos gêmeos e edipianos Theo e Isabelle, frequentadores contumazes da Cinemateca Francesa, logo travam amizade com um cinéfilo ainda mais obcecado, o universitário americano Matthew. “Talvez a tela de projeção não fosse nada além de um anteparo que nos protegia do mundo. Mas houve uma tarde, na primavera de 68, em que o mundo finalmente ultrapassou a tela de projeção”. Matthew sente forte atração por Isabelle, que, à beira de adaptar Édipo, ama o irmão Theo, que, por sua vez, estimula o incesto fraterno e, ao mesmo tempo, não deixa de tentar a sorte junto a Matthew. O triângulo está formado e logo se instala no apartamento dos anfitriões franceses.
− Venha morar conosco, Matthew, nossos pais vão adorar você!
George, pai dos irmãos sonhadores, é um poeta de renome. Theo não aceita a omissão do pai nas efervescentes questões políticas de seu tempo.
− Por que você não assinou a petição contra a Guerra do Vietnã? Não foi você que escreveu que “Uma petição é um poema/ Um poema é uma petição”? Não são seus versos mais célebres?
Antes de calar o filho com a autoridade do pai (ausente e) provedor, George responde a Theo com uma máxima que bem pode servir como uma epígrafe para o filme:
− A negação do mundo implica também saber que se é parte dele.
George e sua esposa vão embora – não sem antes legar aos filhos o cheque semanal que os exime dos papéis de pai e mãe.
Maio de 68 trouxe à tona uma série de questionamentos sobre os valores tradicionais. Se “é proibido proibir”, qual o limite das negações revolucionárias que pretendem fazer tábula rasa da História? Se “a negação do mundo implica também saber que se é parte dele”, em que medida a atitude dos pseudopais de Theo e Isabelle não reproduz a indiferença e o individualismo burgueses sob o pretexto de rompimento com as práticas da família tradicional? E que dizer da revolução dos sonhadores edipianos que transforma o mundo oniricamente dentro do confortável apartamento custeado pelos cheques do pai artista – e burguês?
Theo, Isabelle e Matthew passam a entrelaçar a realidade à ficção. Os sonhadores caminham rente à fronteira da realidade ficcional, a bem dizer. Seus dias são embriagados por livros, discussões fílmicas, amor – e vinho. Garrafas e mais garrafas dos melhores vinhos franceses. Enquanto os estudantes revolucionários se engajam na contraposição efetiva da realidade que a eles resiste com gás lacrimogêneo, Theo, Isabelle e Matthew revolucionam a ficção de seu poliamor com cenas clássicas do cinema que tentam dar sentido à novidade de suas experiências. Maio de 68 veio para ressignificar uma série de práticas e valores ossificados. Nesse sentido, se o trio de sonhadores quer impedir Édipo de se cegar por conta do amor incestuoso, a quem eles podem recorrer senão à ficção? A realidade só lhes seria judiciosa e refratária. Matthew, cinéfilo erudito, cita a bíblia das imagens em movimento, os Cahiers du Cinéma (Cadernos do Cinema):
– O cineasta é como um voyeur. É como se a câmera fosse o buraco da fechadura do quarto de seus pais.
Theo, em um banho de espuma com Matthew, ouve atentamente. Súbito, o amante francês desponta com uma réplica inusitada:
– Meus pais sempre deixaram a porta aberta de par em par.
A resposta de Theo traz à tona uma revolução que o irmão de Isabelle viveu desde a infância. Em meio a uma família não familiar, será que o complexo de Édipo faz sentido como categoria de análise? Ora, a máxima do pai ausente mais uma vez se impõe:
– A negação do mundo implica também saber que se é parte dele.
Theo e Isabelle haviam vivido, no microcosmo de seu apartamento, uma (de)formação que pudera antecipar as transformações de maio de 68. A revolução há muito lhes era cotidiana, mas o ritmo de modificação do mundo circundante não caminhava com a mesma velocidade. Os combates preparavam o terreno para que o conservadorismo burguês fosse atacado sob a guarnição das barricadas. Para Theo e Isabelle, no entanto, o apartamento custeado pelos pais já descortinava o que as décadas pós-68 transformariam em práticas rotineiras. (Ou será que vivenciaríamos a liberdade – e a banalidade – sexual da contemporaneidade se maio de 68 não houvesse bradado em alto e bom som que nenhuma nudez deveria ser castigada?) Por esse prisma, Theo, Isabelle e Matthew não são alienados típicos. Por mais explosiva e revolucionária que a realidade das ruas se apresentasse, o poliamor que os três vivenciavam transformava o apartamento no logradouro da utopia. A utopia, o não-lugar (u-topos) – no limite, o lugar nenhum. Mesmo com o magnetismo de seios tão esculturais quanto os da Vênus de Milo, Isabelle começa a temer pelo poliamor idílico diante da falta de realidade efetiva fora da realidade ficcional que ocupa todo um andar do belo bairro de Saint Germain. Um beijo intenso de Matthew e Isabelle é interrompido pelas imagens televisivas de maio de 68 atrás da vitrine de uma loja. O capitalismo começa a mostrar aos manifestantes que a revolução será televisionada.
Theo: Matthew, por que você não está no Vietnã?
Matthew: Eu tenho sorte, estou na universidade. Mas eu tenho amigos que não estão na universidade. Eles são dispensáveis...
Bernardo Bertolucci desvela a origem dos soldados proletários que carregam os sonhadores sobre os ombros fatigados. Soldados que não vivenciam a utopia do poliamor, já que estão encenando seus papéis de protagonistas anônimos ou coadjuvantes principais em Apocalypse Now (1979), a trama distópica de Francis Ford Coppola em meio à Guerra do Vietnã. (Para os miseráveis que devem pregar a liberdade de mercado com bombas e napalm, o ópio será a única realidade ficcional, a única utopia.)
Theo: Matthew, por que você não pensa em Mao Tsé Tung como um grande diretor fazendo um filme com milhões de atores? Aqueles milhões de guardas vermelhos marchando juntos para o futuro com seu Livro Vermelho nas mãos! Livros, não armas. Cultura, não violência. Você não vê que filme épico e belo seria feito?
Matthew: É fácil falar de livros, e não de armas. Mas em seu filme não há livros. É só um livro. Um único livro. Os guardas vermelhos, aqueles de que você gosta, levam o mesmo livro, todos cantam a mesma canção, repetem a mesma ordem. Nesse grande filme épico, todos são coadjuvantes.
Matthew sintetiza a cruzada que impulsionou maio de 68 na mesma medida em que as reivindicações revolucionárias foram sendo absorvidas pelo capitalismo cada vez mais metamórfico. As contestações deram vazão à criação de novos nichos de mercado. Senão, vejamos: a crítica devida que Matthew faz à ditadura chinesa também pode ser aplicada ao capitalismo de massas. A pluralidade de opções mascara sob os diferentes rótulos a mesmice da mercadoria. Tese de maio de 68: Sejamos realistas, peçamos o impossível. Antítese da Adidas: Impossible is nothing. (Nada é impossível.) Tese do movimento punk: Do it yourself! (Faça você mesmo!) Antítese da Nike: Just do it! (Apenas faça!) O capitalismo soube se transformar e transformar os valores tradicionais a reboque das contestações de 68. “Tudo o que é sagrado é profanado, tudo o que é sólido desmancha no ar”. Assim Marx procurou apreender o movimento perpétuo, contraditório e autofágico do capitalismo. Imbuídos do espírito de que “é proibido proibir”, os publicitários de uma famosa rede brasileira de fast food árabe criaram uma inusitada promoção. A propaganda mostra um discurso inflamado de Fidel Castro. Em meio à multidão ouvinte, desponta uma esfiha de carne vestida com a boina de ninguém mais que Ernesto Che Guevara. Fidel é inusitadamente interrompido para que a esfiha anuncie a “revolução nos preços”, a mais nova promoção da rede.
Quando Isabelle se dá conta de que a utopia está fadada a terminar, a bela amante de Theo e Matthew constrói uma cabana de lençóis para resguardar o poliamor. Para continuar a sonhar de olhos abertos, é preciso estancar a realidade ficcional. Enquanto Matthew e Theo dormem, Isabelle tem uma ideia: o gás do fogão lhes trará a asfixia indolor e transformará o ménage à trois em uma bela foto cinematográfica. A morte dos atores não lhes deixará viver a dor da separação. O gás começava a confundir o sono com o desmaio letal quando, de repente, a realidade volta a invadir as frestas mal vedadas da ficção: uma pedra revolucionária estilhaça a janela.
Isabelle: A rua veio voando para o quarto! Este cheiro é de gás lacrimogêneo!
A tomada final apresenta a imersão de Matthew, Theo e Isabelle na multidão que até então lhes fora alheia. Maio de 68 sentencia aos brados:
− A barricada fecha a rua, mas abre o caminho!
O capitalismo de massas compreende a demanda de mercado e lança mão de seus agentes publicitários e fardados para que a revolta se transforme em espetáculo:
– A barricada fecha a rua, mas a polícia abre o caminho.
*Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo.
Os irmãos gêmeos e edipianos Theo e Isabelle, frequentadores contumazes da Cinemateca Francesa, logo travam amizade com um cinéfilo ainda mais obcecado, o universitário americano Matthew. “Talvez a tela de projeção não fosse nada além de um anteparo que nos protegia do mundo. Mas houve uma tarde, na primavera de 68, em que o mundo finalmente ultrapassou a tela de projeção”. Matthew sente forte atração por Isabelle, que, à beira de adaptar Édipo, ama o irmão Theo, que, por sua vez, estimula o incesto fraterno e, ao mesmo tempo, não deixa de tentar a sorte junto a Matthew. O triângulo está formado e logo se instala no apartamento dos anfitriões franceses.
− Venha morar conosco, Matthew, nossos pais vão adorar você!
George, pai dos irmãos sonhadores, é um poeta de renome. Theo não aceita a omissão do pai nas efervescentes questões políticas de seu tempo.
− Por que você não assinou a petição contra a Guerra do Vietnã? Não foi você que escreveu que “Uma petição é um poema/ Um poema é uma petição”? Não são seus versos mais célebres?
Antes de calar o filho com a autoridade do pai (ausente e) provedor, George responde a Theo com uma máxima que bem pode servir como uma epígrafe para o filme:
− A negação do mundo implica também saber que se é parte dele.
George e sua esposa vão embora – não sem antes legar aos filhos o cheque semanal que os exime dos papéis de pai e mãe.
Maio de 68 trouxe à tona uma série de questionamentos sobre os valores tradicionais. Se “é proibido proibir”, qual o limite das negações revolucionárias que pretendem fazer tábula rasa da História? Se “a negação do mundo implica também saber que se é parte dele”, em que medida a atitude dos pseudopais de Theo e Isabelle não reproduz a indiferença e o individualismo burgueses sob o pretexto de rompimento com as práticas da família tradicional? E que dizer da revolução dos sonhadores edipianos que transforma o mundo oniricamente dentro do confortável apartamento custeado pelos cheques do pai artista – e burguês?
Theo, Isabelle e Matthew passam a entrelaçar a realidade à ficção. Os sonhadores caminham rente à fronteira da realidade ficcional, a bem dizer. Seus dias são embriagados por livros, discussões fílmicas, amor – e vinho. Garrafas e mais garrafas dos melhores vinhos franceses. Enquanto os estudantes revolucionários se engajam na contraposição efetiva da realidade que a eles resiste com gás lacrimogêneo, Theo, Isabelle e Matthew revolucionam a ficção de seu poliamor com cenas clássicas do cinema que tentam dar sentido à novidade de suas experiências. Maio de 68 veio para ressignificar uma série de práticas e valores ossificados. Nesse sentido, se o trio de sonhadores quer impedir Édipo de se cegar por conta do amor incestuoso, a quem eles podem recorrer senão à ficção? A realidade só lhes seria judiciosa e refratária. Matthew, cinéfilo erudito, cita a bíblia das imagens em movimento, os Cahiers du Cinéma (Cadernos do Cinema):
– O cineasta é como um voyeur. É como se a câmera fosse o buraco da fechadura do quarto de seus pais.
Theo, em um banho de espuma com Matthew, ouve atentamente. Súbito, o amante francês desponta com uma réplica inusitada:
– Meus pais sempre deixaram a porta aberta de par em par.
A resposta de Theo traz à tona uma revolução que o irmão de Isabelle viveu desde a infância. Em meio a uma família não familiar, será que o complexo de Édipo faz sentido como categoria de análise? Ora, a máxima do pai ausente mais uma vez se impõe:
– A negação do mundo implica também saber que se é parte dele.
Theo e Isabelle haviam vivido, no microcosmo de seu apartamento, uma (de)formação que pudera antecipar as transformações de maio de 68. A revolução há muito lhes era cotidiana, mas o ritmo de modificação do mundo circundante não caminhava com a mesma velocidade. Os combates preparavam o terreno para que o conservadorismo burguês fosse atacado sob a guarnição das barricadas. Para Theo e Isabelle, no entanto, o apartamento custeado pelos pais já descortinava o que as décadas pós-68 transformariam em práticas rotineiras. (Ou será que vivenciaríamos a liberdade – e a banalidade – sexual da contemporaneidade se maio de 68 não houvesse bradado em alto e bom som que nenhuma nudez deveria ser castigada?) Por esse prisma, Theo, Isabelle e Matthew não são alienados típicos. Por mais explosiva e revolucionária que a realidade das ruas se apresentasse, o poliamor que os três vivenciavam transformava o apartamento no logradouro da utopia. A utopia, o não-lugar (u-topos) – no limite, o lugar nenhum. Mesmo com o magnetismo de seios tão esculturais quanto os da Vênus de Milo, Isabelle começa a temer pelo poliamor idílico diante da falta de realidade efetiva fora da realidade ficcional que ocupa todo um andar do belo bairro de Saint Germain. Um beijo intenso de Matthew e Isabelle é interrompido pelas imagens televisivas de maio de 68 atrás da vitrine de uma loja. O capitalismo começa a mostrar aos manifestantes que a revolução será televisionada.
Theo: Matthew, por que você não está no Vietnã?
Matthew: Eu tenho sorte, estou na universidade. Mas eu tenho amigos que não estão na universidade. Eles são dispensáveis...
Bernardo Bertolucci desvela a origem dos soldados proletários que carregam os sonhadores sobre os ombros fatigados. Soldados que não vivenciam a utopia do poliamor, já que estão encenando seus papéis de protagonistas anônimos ou coadjuvantes principais em Apocalypse Now (1979), a trama distópica de Francis Ford Coppola em meio à Guerra do Vietnã. (Para os miseráveis que devem pregar a liberdade de mercado com bombas e napalm, o ópio será a única realidade ficcional, a única utopia.)
Theo: Matthew, por que você não pensa em Mao Tsé Tung como um grande diretor fazendo um filme com milhões de atores? Aqueles milhões de guardas vermelhos marchando juntos para o futuro com seu Livro Vermelho nas mãos! Livros, não armas. Cultura, não violência. Você não vê que filme épico e belo seria feito?
Matthew: É fácil falar de livros, e não de armas. Mas em seu filme não há livros. É só um livro. Um único livro. Os guardas vermelhos, aqueles de que você gosta, levam o mesmo livro, todos cantam a mesma canção, repetem a mesma ordem. Nesse grande filme épico, todos são coadjuvantes.
Matthew sintetiza a cruzada que impulsionou maio de 68 na mesma medida em que as reivindicações revolucionárias foram sendo absorvidas pelo capitalismo cada vez mais metamórfico. As contestações deram vazão à criação de novos nichos de mercado. Senão, vejamos: a crítica devida que Matthew faz à ditadura chinesa também pode ser aplicada ao capitalismo de massas. A pluralidade de opções mascara sob os diferentes rótulos a mesmice da mercadoria. Tese de maio de 68: Sejamos realistas, peçamos o impossível. Antítese da Adidas: Impossible is nothing. (Nada é impossível.) Tese do movimento punk: Do it yourself! (Faça você mesmo!) Antítese da Nike: Just do it! (Apenas faça!) O capitalismo soube se transformar e transformar os valores tradicionais a reboque das contestações de 68. “Tudo o que é sagrado é profanado, tudo o que é sólido desmancha no ar”. Assim Marx procurou apreender o movimento perpétuo, contraditório e autofágico do capitalismo. Imbuídos do espírito de que “é proibido proibir”, os publicitários de uma famosa rede brasileira de fast food árabe criaram uma inusitada promoção. A propaganda mostra um discurso inflamado de Fidel Castro. Em meio à multidão ouvinte, desponta uma esfiha de carne vestida com a boina de ninguém mais que Ernesto Che Guevara. Fidel é inusitadamente interrompido para que a esfiha anuncie a “revolução nos preços”, a mais nova promoção da rede.
Quando Isabelle se dá conta de que a utopia está fadada a terminar, a bela amante de Theo e Matthew constrói uma cabana de lençóis para resguardar o poliamor. Para continuar a sonhar de olhos abertos, é preciso estancar a realidade ficcional. Enquanto Matthew e Theo dormem, Isabelle tem uma ideia: o gás do fogão lhes trará a asfixia indolor e transformará o ménage à trois em uma bela foto cinematográfica. A morte dos atores não lhes deixará viver a dor da separação. O gás começava a confundir o sono com o desmaio letal quando, de repente, a realidade volta a invadir as frestas mal vedadas da ficção: uma pedra revolucionária estilhaça a janela.
Isabelle: A rua veio voando para o quarto! Este cheiro é de gás lacrimogêneo!
A tomada final apresenta a imersão de Matthew, Theo e Isabelle na multidão que até então lhes fora alheia. Maio de 68 sentencia aos brados:
− A barricada fecha a rua, mas abre o caminho!
O capitalismo de massas compreende a demanda de mercado e lança mão de seus agentes publicitários e fardados para que a revolta se transforme em espetáculo:
– A barricada fecha a rua, mas a polícia abre o caminho.
*Flávio Ricardo Vassoler é escritor e professor universitário. Mestre e doutorando em Teoria Literária e Literatura Comparada pela FFLCH-USP, é autor de O Evangelho segundo Talião (Editora nVersos) e organizador de Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade (Editora Intermeios). Periodicamente, atualiza o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, página em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo.
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