terça-feira, 7 de maio de 2013

O caos na Síria pode durar por muitos anos


"Basta". O derramamento de sangue na Síria precisa parar, dizem cinco funcionários de alto escalão da ONU. Em um breve texto publicado no dia 16 de abril pelo "New York Times", eles observam: "Depois de 70 mil mortos, incluindo milhares de crianças, depois de 5 milhões de deslocados, sendo que um milhão deles foram obrigados a fugir para fora do país, depois que bairros inteiros foram arrasados, escolas, hospitais viraram ruínas, sistemas de água foram destruídos, depois de tudo isso, os governos ainda não se deram conta da urgência que há em cessar essa carnificina."

Alain Frachon
Prédio fica destruído após ataques realizados-- segundo ativistas--, por forças leais ao presidente sírio Bashar Assad, em Arbaeen, perto de Damasco, na Síria
Prédio fica destruído após ataques realizados - segundo ativistas -, por forças leais ao presidente sírio Bashar Assad, em Arbaeen, perto de Damasco, na Síria
É uma constatação amarga, mas correta. A maior parte dos líderes mundiais está assistindo ou acertando contas na Síria. Os chefes das cinco grandes agências humanitárias da ONU não podem declarar isso tão cruamente. No entanto, de forma subentendida é exatamente isso que estão dizendo.
Vista aérea mostra prédios destruídos em Aleppo, na Síria
Durante a Guerra Fria, afirmava-se que a ação coletiva ficava paralisada devido ao confronto entre EUA e URSS. Seguiram-se alguns anos de uma preponderância quase absoluta da hiperpotência americana, que logo foi encoberta pelos escombros do colapso iraquiano. Juntamente com outros, a França clamava então pelo advento de um mundo multipolar: o equilíbrio nasceria da coexistência de quatro ou cinco grandes polos de poder. E aqui estamos. Por enquanto, é um mundo de impotência ou de caos.
A guerra na Síria é prova disso. Ela pode ainda durar alguns meses, alguns anos. O regime de Bashar Assad controlaria hoje aproximadamente 40% do território. Mas ele tem o monopólio das armas pesadas, da artilharia, dos mísseis, da aviação e não hesita em usá-los contra seu povo, uma barbárie com prováveis poucos precedentes na História. Fiel aliada, a Rússia garante o abastecimento contínuo do regime em material militar. Outro cúmplice, o Irã também fornece armas e conselheiros, quando não combatentes.
Mesmo derrotado em Damasco, Bashar Assad tem conseguido se segurar com o apoio de sua comunidade. A queda do regime não marcará necessariamente o fim da guerra. Esta já ultrapassou muitos limites considerados intoleráveis pela "comunidade internacional". O exército israelense confirmou por diversas vezes esta semana o uso de armas químicas pelas forças de Assad. Presidente do CICV (Comitê Internacional da Cruz Vermelha), Peter Maurer acusa os dois lados de impedirem o envio de ajuda humanitária. Ele denuncia o uso de metralhadoras contra ambulâncias, comboios de enfermeiros e médicos. Mais tarde será feita a contagem dos crimes de guerra. Possivelmente serão encontrados muitos deles.
O que está em jogo com essa guerra vai bem além de uma mudança de direção política em Damasco. O fluxo de refugiados desestabiliza os vizinhos da Síria. A desintegração do país, segundo linhas comunitárias, exacerba também as divergências étnico-religiosas no Líbano e no Iraque – onde volta a despontar o fantasma da guerra civil. O destino das armas de destruição em massa acumuladas pelo regime – graças a seu fornecedor russo – desperta todo tipo de preocupação. Israel já bombardeou um comboio na fronteira com o Líbano: ele tentava encaminhar algumas dessas armas, ou alguns de seus componentes, para os extremistas xiitas do partido Hezbollah. A possibilidade de que essas armas, químicas ou biológicas, caiam nas mãos de jihadistas ativos na rebelião tem tirado o sono de muitos estados-maiores. Em uma hipótese mais sombria, a guerra daria à luz um Estado desmembrado, falido, sob influência islamita no coração do Oriente Médio. Nada animador.
Nenhuma das grandes potências quer esse desenlace, sejam os Estados Unidos, a Rússia, a China ou a União Europeia. Isso iria de encontro a seus objetivos estratégicos a longo prazo. Washington quer um Oriente Médio estabilizado, para se voltar para a Ásia. A Europa tem tudo para temer um foco islamita em sua periferia ao sul. Moscou teme perder junto com a Síria um de seus poucos pontos de apoio na região. Pequim também teria muito a perder: com o tempo, a economia chinesa será a maior dependente do petróleo do Oriente Médio e por isso a estabilidade da região é muito importante.
Todos deveriam trabalhar para uma solução negociada entre o regime e a oposição em seu componente (ainda majoritário?) mais moderado. Todos deveriam trabalhar por um cessar-fogo e apadrinhar uma transição política. Os chefes de agências da ONU citados acima exortam que os grandes líderes mundiais exerçam "uma influência coletiva" nesse sentido. Eles imaginam que os protagonistas não resistiriam por muito tempo a uma pressão conjunta da China, dos Estados Unidos e da Rússia. Mas ela não existe, e aqueles que ainda a esperam são taxados de ingênuos.
Ao final de alguns dias de confrontos árabe-israelenses, em 1967 e em 1973, em plena guerra fria, o Kremlin e a Casa Branca intervinham e anunciavam o fim dos combates após um vaivém intenso de seus diplomatas estrelados. Dessa vez não tem sido assim. No caso da Síria, "onde estão os telefonemas de chefe de Estado para chefe de Estado, as consultas entre Estados-maiores, onde estão os enviados especiais de emergência, com carta branca do presidente, para preparar uma cúpula de alto nível e organizar uma solução para a crise?", pergunta o analista Nader Mousavizadeh, ex-colaborador de Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU ("International Herald Tribune", 17 de abril).
Herdeiro de aventuras militares fracassadas, tanto no Afeganistão quanto no Iraque, Barack Obama se mantém cauteloso. Chineses e russos carregam a maior parte da responsabilidade: eles são contra tudo aquilo que lembre uma ingerência nos assuntos externos de um país fora da UE; ao apoiar Damasco, eles irritam o Ocidente, o que é sempre bom; por fim, por razões diplomáticas, chineses e russos temem a ascensão do islamismo sunita, que movimenta parte da rebelião síria.
A soma dos interesses conjunturais de todos os lados é o que se chama de mundo multipolar, que se mostra incapaz de dar um fim à tragédia síria, assim como de conter a ascensão do programa nuclear iraniano e a chantagem atômica da Coreia do Norte.

Um garoto para em frente a barreira de fogo acesa por moradores sunitas da cidade de al Abdeh com o objetivo de bloquear uma estrada após o funeral do xeique Ahmad Abdel Wahed. O religioso sunita foi morto por soldados libaneses neste domingo (20), depois de não parar num posto militar armado na estrada por causa dos conflitos da última semana na cidade de Trípoli, entre sunitas hostis ao regime da Síria e partidários alauitas do presidente sírio Bashar al Assad
Tradutor: Lana Lim

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