Com programas sociais, população mais pobre conquista inserção formal no mundo do trabalho
"Ela é a garota propaganda da obra”, gritou um dos 8,3 mil operários da ampliação de uma das maiores fábricas de celulose do país, à beira do Lago Guaíba, no Rio Grande do Sul, quando viu a tímida Simone ser entrevistada. Simone Nunes Vieira, 30 anos, é ex-beneficiária do programa Bolsa Família e, hoje, um exemplo de que, com a ajuda de ações e programas sociais do governo federal e muita força de vontade, é possível crescer e ainda ter a expectativa de ir mais longe.
A gaúcha do pequeno município de Camaquã (RS), a 30 quilômetros de Porto Alegre, trabalhou na roça quando criança. A vida difícil no campo a impediu de terminar os estudos. Teve três filhos. A oportunidade de melhorar de vida surgiu quando foi incluída no Bolsa Família, em 2011.
O dinheiro complementava a renda do marido, que trabalha em uma loja de material de construção. Ajudava a comprar roupas e alimentos para os três filhos. Mas Simone era irrequieta. Queria aproveitar tudo o que ofereciam para melhorar sua vida e de sua família. Viu os panfletos para cursos gratuitos oferecidos pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) e logo se inscreveu para pedreira de alvenaria.
Parte desse contingente são hoje novos empreendedores. Brasileiros que buscaram qualificação profissional, se colocaram no mercado de trabalho ou se formalizaram como microempreendedores, com a ajuda de programas como o Pronatec ou o Programa Crescer, de crédito orientado para produção, entre outros.
Simone contou que, no primeiro dia de trabalho, o corpo todo tremia, numa mistura de nervoso com alegria. Quase morreu de vergonha quando pisou na obra, disse ela, porque grande parte dos trabalhadores eram homens. Com o tempo, foi se acostumando e em um ano comprou um bolo – de padaria, mesmo – para comemorar. Hoje tem vários amigos no local de trabalho. A garota propaganda da Celulose sonha com mais coisas, como fazer o supletivo e conquistar novos espaços no mercado.
A família também comprou um carro – um Corsa Sedan – e, em outubro deste ano, pagou a última prestação. Eles já tiveram outro carro “tão velho que nem funcionava”, contou a pedreira.
Quanto aos sonhos, Simone quer construir a própria casa e deixar de pagar o aluguel.
Simone Vieira fez dois cursos de qualificação e conseguiu
emprego em fábrica de celulose
emprego em fábrica de celulose
Desde 2011, o Pronatec para o público do Brasil Sem Miséria, com mais de 620 cursos orientados à população inscrita no Cadastro Único, registrou mais de 1,5 milhão de matrículas, de Norte a Sul do país.
Estratégia – O Plano Brasil Sem Miséria também promoveu o acesso de povos e comunidades tradicionais às políticas públicas, como o cigano Alex Soares da Costa. Com o primeiro benefício do Bolsa Família, recebido em março de 2014, ele comprou leite e fraldas para a primeira filha com a esposa Joagna Ferreira. O casal é muito jovem: ele tem 20 anos, ela, 19.
Os dois são ciganos da etnia Calon - primeiros a chegar ao Brasil no século XVI, de origem ibérica -, e vivem numa pequena comunidade próxima a Trindade, no estado de Goiás.
Assim que entrou no Cadastro Único como beneficiário do Bolsa Família, Alex descobriu um curso do Pronatec que, segundo ele, tinha tudo a ver com sua vocação profissional: a costura e o desenho de moda. Alex recebeu todo o apoio para realizar o sonho.
“Fiquei dois meses fazendo o curso. Aí comecei a trabalhar fora e peguei prática com cada costureiro que me aceitava como aprendiz”, explicou. “Mas as distâncias eram grandes, eu ia a pé e fui ficando cansado. Então conversei com o meu pai, que queria uma máquina para costurar em casa”.
Alex conseguiu R$ 3 mil no Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (Crescer) do Banco do Povo e comprou três máquinas de costura, hoje já pagas com o dinheiro do trabalho. Ele tem planos para o futuro. “Hoje trabalho por encomenda, mas tenho mesmo é vontade de costurar para mim mesmo, ter meus próprios produtos”, explica, planejando também, “lá na frente”, a contratação de uma costureira para ajudá-lo.
Produção em larga ecala – No Norte do país, um grupo de mulheres faz planos parecidos com o do cigano Alex. “Vamos formar um polo de confecção e realizar o sonho de vender para o exterior”, diz Maria Benício de Oliveira, 54 anos, professora de corte e costura do Pronatec. De onde vem o sonho? Da cooperativa Verde Moda Juruá, que reúne 64 mulheres formadas pelo programa em Cruzeiro do Sul, no estado do Acre. O certificado do Pronatec é requisito para integrar o grupo, coordenado desde o início deste ano pela professora, a idealizadora da cooperativa.
Quem vê o sorriso no rosto das cooperadas não imagina o que passaram até que encontrassem alguém que “estendesse a mão”. A maioria das cooperadas não tinha renda. Muitas foram vítimas da violência. Algumas trabalhavam na roça para a subsistência. O acesso ao Cadastro Único e à oportunidade de qualificação profissional mudou a vida delas.
Mas, de acordo com Maria Benício, são coisas do passado. O negócio está indo bem. A Secretaria de Pequenos Negócios de Rio Branco doou máquinas industriais para as costureiras da cooperativa. Hoje, as mulheres confeccionam uniformes, atendendo escolas públicas em Cruzeiro do Sul e igrejas da cidade. Há demandas até de outros municípios. A média de produção é de pelo menos 1,2 mil peças por mês, incluindo as feitas em casa. “A produção está a todo vapor e, cada vez mais, chegam novas encomendas”, comemora a coordenadora.
O olhar é para o futuro. O plano de Maria Benício é formar, em um ano, um polo de confecção em Cruzeiro do Sul para abastecer o mercado interno. Em setembro, a cooperativa passou pela primeira grande prova no mercado competitivo, ao participar da Expo Juruá. “Foi um sucesso”, orgulha-se Maria Benício. As costureiras venderam 150 peças, entre vestidos, saias, blusas, colchas e almofadas, e arrecadaram R$ 2,6 mil. “O interesse pelos nossos produtos foi tamanho que recebemos inúmeros pedidos para pronta entrega”, comemora ela, já se preparando para o novo desafio.
Beneficiária do Bolsa Família, Maria de Nazaré da Silva, 51 anos, é hoje uma das costureiras da cooperativa. Conta que finalmente está trabalhando com o que gosta.
“Sempre trabalhei no seringal”, diz ela, que é mãe de sete filhos. Para ela, o Pronatec foi a chance de mudar sua realidade. No Senac do município, ela cursou corte e costura e modelagem.
“Não acreditava que conseguiria mudar de vida”, revela Maria de Nazaré, enquanto conta que aprendeu a fazer os uniformes dos filhos, além de muitas outras peças. “Não quero parar mais. Agora minha vida é outra e eu só espero melhorar daqui pra frente.” Para ela, fazer parte da cooperativa é motivo de orgulho e confiança no futuro. “Estamos só começando, mas tenho certeza que vai melhorar muito nossas vidas e aumentar nossas rendas também”.
Alex Costa se qualificou, conseguiu crédito do Programa Crescer e comprou três máquinas de costura
Pão, pizza e orgulho – Adenilson Dutra de Souza, 27 anos, também é de Cruzeiro do Sul, no Acre, e também é ex-aluno do Pronatec. Ele foi atraído pelo curso de padeiro, onde aprendeu a fazer pão e pizza. Assim que concluiu o curso, recebeu uma oferta de emprego no próprio Senai. “Deixei de ser aluno e passei a ser professor, com muito orgulho”, conta. Ele atribui a contratação ao seu bom desempenho e força de vontade.
“Hoje, tenho renda e posso sustentar a minha família”, diz ele. “E ainda tenho a sorte de trabalhar no que gosto”. Como professor, discorre sobre a importância do certificado do Pronatec. “Sempre procuro indicar alunos quando surgem vagas. É importante para esses jovens, que precisam de uma oportunidade para entrar no mercado de trabalho”.
Para ele, a vida melhorou muito, em todos os aspectos. Os planos para o futuro incluem fazer uma faculdade de gastronomia e ter sua própria confeitaria. Mais do que tudo, sabe a importância da dedicação e da confiança. É o que observa nos alunos, naqueles que também têm o “algo mais” no momento de, literalmente, meter a mão na massa.
Texto: Francisco MarquesReportagem: Cristiane Hidaka, Isadora Lionço e Rejane Gomes
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