sábado, 4 de fevereiro de 2012

CORONEL PEDRO JOSÉ ABOUDIB (1873 – 1947) - 1


Depoimento prestado a INDÁ SOARES CASNOVA. Apontamentos para uma desejada biografia. Estas anotações foram redigidas, frente ao entrevistado e interrompidas em 2.5.1945.
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“Nasci em Zgharta, no Líbano, de uma família de pequenos proprietários de terras. Meu pai vivia do cultivo do trigo, batata, milho, possuía um campo de uvas, plantações de azeitonas e criava, em pequena escola, bicho-da-seda. Por ser o mais velho dos irmãos, desde muito jovem fui encarregado de cuidar da irrigação das plantações, que exigia assistência a horas determinadas. Embora com este encargo, aos oito anos de idade comecei a freqüentar a escola.
Minha cidade natal fica na planície, ao pé da montanha. Durante parte do ano a temperatura em Zgharta é bastante elevada e, o calor, sufocante. Mas, quase todos os seus habitantes possuem residências em Ehdn, localidade situada a 1.450 metros de altitude. Basta-lhes, pois, subir a serra para passar o verão em clima mais ameno. Deste modo, nas estações extremas do ano uma das duas localidades permanece quase que desabitada, a população concentrando-se na outra. Lembro-me que contava com doze anos de idade quando, aproveitando a companhia de um velho amigo, que ia visitar a sua propriedade em Ehdn, meu pai mandou-me olhar também a nossa, para verificar se tudo se achava em ordem e tomar determinadas providências. Fomos os dois a cavalo. Estávamos no auge do inverno e nevava bastante naquela manhã. A estrada subia serpenteando as encostas da cordilheira. Ao aproximar-nos da cidadezinha, escondida num desvão da montanha, vi, de súbito, nosso velho amigo estremecer sobre o cavalo. Corri a ampará-lo. A muito custo, consegui apeá-lo. Sacudi-o, chamei-o, tentei reanimá-lo. Estava morto. Acomodei-o no chão, amarrei seu cavalo e, montando outra vez no meu, galopei até Ehdn. Residiam ali, permanentemente, umas vinte famílias, que não desciam para Zgharta no inverno. Mas, como encontrá-las àquela hora da manhã? A neve caia e as ruas estavam desertas. Não vislumbrei viv’alma. De repente uma idéia me ocorreu. Dirige-me a igreja de São Jorge, subi ao topo da torre e fiz repicar o sino. Em poucos minutos a pequena população, alarmada, atendia ao meu apelo, ocorrendo à pracinha da igreja. Relatei o ocorrido e, logo, um grupo de pessoas saiu em socorro do meu idoso companheiro de jornada, cujo coração não resistira ao frio e à brusca mudança de altitude.
Contava eu, então, não mais de doze anos de idade. Desde os dez, porém, seduzia-me a idéia de imitar numerosos conterrâneos que partiam rumo à Argentina e ao Brasil em busca de fortuna. Várias vezes comunicara a meus pais esse desejo de emigrar. Eles o reprovavam, porém, alegando, principalmente, minha pouca idade. Além disso, eu era o mais velho dos filhos, quatro rapazes e quatro meninas. Duas de minhas irmãs, Manthura e Catharina, estudavam em Beirute. Ao terminarem os estudos, só Catharina retornou ao lar. Manthura resolvera abraçar a vida monástica e ingressara na ordem de São Vicente de Paula. Por essa época, acendendo a convite de um frade amigo e parente de meu pai, deixei Zgharta e me transferi para uma pequena cidade afim de aprimorar meus conhecimentos de Árabe e Francês. Durante os dois anos que ali permaneci, visitava minha família com freqüência. Ajudava o frade a oficiar a missa e, na longa convivência diária que tivemos, pude observar a bondade e as virtudes desse verdadeiro discípulo de Cristo. As esmolas arrecadadas a cada dia durante o ofício eram, invariavelmente, distribuídas aos pobres dos arredores, no dia seguinte. Graças a sua cultura e à sua probidade, esse frade foi mais tarde elevado ao cargo de superior do convento Ehdn. Dele recebi o maior apoio, material e moral, tanto nos estudos quanto no desejo de emigrar, pois meus pais ouviam com todo acatamento e consideração as suas palavras e seus conselhos. Também o reverendo Padre Saad, primo de minha mãe muito contribuiu para convencer a minha família a consentir que eu tentasse a sorte sozinho, longe de minha terra. E assim, num belo dia, com assentimento de todos e aproveitando a companhia de pessoas de nossas relações, deixei a casa paterna, tão cheio de tristeza quanto de esperança. Tinha dezesseis anos de idade.

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