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Embarquei num navio, com passagem de terceira classe, no porto de Tripoli. Enjoei a bordo e, no dia seguinte, mareado, não tive ânimo para saltar em Beirute. Além de enjoado, sentia-me triste e sozinho. Arrasava-me o penoso sentimento de haver deixado o convívio com meus pais e irmãos. Encontrava-me neste estado quando, erguendo os olhos para o tombadilho, surpreendeu-me o aceno de um jovem casal estrangeiro, convidando-me a subir. Junto ao casal, um rapaizinho, aparentando ter a minha idade, observa-me curioso. Subi. Eram turistas americanos. Falaram-me em inglês e, como não lhe respondesse, perguntaram-me, em Frances, para onde ia e porque deixara tão criança o lar paterno. Mais confortado, relatei-lhes meus projetos de viver no Brasil e disse-lhes quanto custara convencer meus paise obter deles o necessário para a viagem. De tal maneira ficaram tocados por minha coragem que não mais me deixaram voltar de terceira classe. Passei a fazer as refeições ao seu lado e a partilhar da cabina do menino. Residiam em Washington e insistiram em levar-me para os Estados Unidos, prometendo encaminhar-me para o ramo de atividades que escolhesse. Eram extremamente afáveis e simpáticos comigo, davam-me todas as provas de estima. Quanto a mim, teria aceito o convite se não receasse que meus pais, depois de haver-me recomendado a conterrâneos seus, já fixados no Brasil, reprovassem essa alteração nos meus planos e essa mudança de destino.
O navio aportou em Marselha. Não posso me esquecer do que então me aconteceu, da sorte que tive. Despedi-me dos novos amigos que acabara de fazer, combinando reencontrá-los quando regressassem de sua rápida visita a Paris. Ao desembarcar em Marselhha deparei, casualmente, com um velho conhecido da minha família, homem de negócios próspero e pessoa influente. Ao ver-me surpreendeu-se. Depois de trocarmos conhecimentos, narrei-lhe os motivos por que ali me encontrava e falei-lhe do casal americano que conhecera a bordo. Quando soube que eu teria de voltar à terceira classe, levou-me às “Méssagéries”, de cujo agente era amigo pessoal, e conseguiu que viajasse até o Rio de Janeiro na segunda classe, pagando apenas meia passagem, o que muito me valeu. Caminhando pela cidade, deparamos casualmente com a família americana, que logo veio a nosso encontro. Diante do amigo, o casal reiterou seu oferecimento e acabou deixando comigo seu endereço em Washington para que lhe escrevesse, caso não fosse feliz no Brasil. Dias depois, quando nos despedimos definitivamente, após seu regresso de Paris, era como se fôssemos parentes. O rapaizinho, seus pais e eu abraçamo-nos chorando.
Nos primeiros dez anos de vida em minha nova pátria mantive correspondência com essa distinta família. Entretanto, depois desse tempo, a despeito da grata recordação que deles sempre guardei, os negócios e, sobretudo, as lutas políticas em que me empenhei não mais de deixaram lazer para cultivar essa amizade. Essa história virá a seu tempo e, por hora, voltemos à Marseille onde em abril de 1889, mais uma vez bafejado pela sorte, iniciei meus passos de comerciante. Compatriotas, sabendo que eu falava francês, pediram-me servisse-lhes de intérprete nos ‘’magasins’’ onde desejavam fazer compras. Prestando-lhes este serviço, prazerosamente, minha satisfação não teve limites quando o gerente me surpreendeu com a comissão de dois mil francos, de praxe oferecida aos intérpretes. De posse dessa pequena, mas inesperada fortuna, preferi recebê-la em mercadorias e, assim, não saltei de mãos vazias na capital brasileira.
Até o Rio de Janeiro a viagem foi para meu espírito fonte de ensinamentos proveitosos. Para um jovem inexperiente, nada melhor que uma travessia longa e demorada de um continente a outro, espécie de banho lustral propício ao contato do mundo, adverso quase sempre. Nenhum incidente a anotar. Mas, ao entrar na Guanabara, ordens severas haviam sido para que não desembarcassem os estrangeiros e o navio levantou ferros. Essa notícia levou ao desespero os viajantes tendo mesmo se atirado ao mar alguns italianos, libaneses e sírios. Esse gesto extremo levou o comandante a deter a marcha do navio, enviando escaleres à terra, o que veio alterar as ordens e assim pudemos desembarcar. A cidade estava assolada pela febre amarela e, que desolação para o recém chegado o aspecto pouco cuidado da metrópole brasileira...
Dia 20 de maio de 1889! Saltando no cais Pharoux deparei com duas pessoas de uma aldeia próxima à minha cidade natal as quais mais de uma vez eu vira tratando de negócios com meu Pai. Ali estavam como curiosos, pois sabiam que no vapor “Orenoco” viajavam libaneses. Causou-lhes espanto, como é natural, o fato de serem chamados pelos nomes. Apresentei-me. Levaram-se para a sua casa, onde permaneci cerca de dois meses, fazendo pequenas incursões no interior de Minas e do Estado do Rio de Janeiro, visitando Juiz de Fora, Valença e outras cidades. Meus amigos estavam estabelecidos no antigo Campo de Santana, hoje praça da República, onde muitas vezes fui carpir sozinho a dilacerante saudade de casa, de meus queridos pais e irmãos.
O fantasma da febre amarela, permanentemente no Rio, levou-me a escrever a um conterrâneo, residente em Vitória, sobre a possibilidade de ali me estabelecer. A resposta veio pronta para que seguisse imediatamente.
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