A execução de Bin Laden: uma vitória de Pirro
A “guerra contra o terror” não possui um inimigo homogêneo representado na figura
de Bin Laden como quer fazer-nos acreditar os EUA. Existem diversos grupos que, por
compartilharem alguns interesses comuns, estabeleceram alianças estratégicas.
Como muitos já alertaram, não é possível carimbar como terror islâmico tudo aquilo
que contesta a ocupação militar dos EUA naquela região. Quem será o próximo
monstro a ser executado em nome da humanidade?
Reginaldo Nasser e Marina Mattar Nasser
Uma das grandes perguntas que se colocam agora, após a morte de Bin Laden, diz respeito ao
futuro da Al-Qaeda e da “guerra contra o terror” iniciada pelos Estados Unidos logo após os
atentados do 11 de Setembro. Com a morte de seu líder, a Al -Qaeda se enfraquecerá? Isso
representa a vitória dos EUA contra o terrorismo? Afinal, o que representa a morte de Bin Laden?
Em que muda a situação atual no Iraque, Afeganistão e em seus países vizinhos?
A imagem da Al-Qaeda construída pela política externa norte-americana e veiculada pela mídia
ocidental mostra-nos uma organização forte e homogênea com atuação global cujo principal objetivo
é o de combater a civilização ocidental e reestabelecer o regime de Califados no mundo islâmico. A
Al-Qaeda, entretanto, funciona mais como uma empresa de capital de risco, proporcionando
dinheiro, contatos e assessoria a numerosos grupos e indivíduos militantes de todo o mundo
islâmico. Ou seja, a organização tem como estratégia vincular aos grupos locais que não
necessariamente compartilham seus ideais e objetivos, mas que por interesses circunstanciais,
estabelecem uma aliança. Em muitos casos, a relação destes grupos com a Al-Qaeda é apenas
nominal.
Talvez por esta razão que os EUA e as informações da grande imprensa não tenham percebido – ou
revelado - que a Al-Qaeda está se enfraquecendo há anos. Em 2007, o atual número 1 da Al-Qaeda,
al-Zawahiri, percebendo a crescente impopularidade da organização, realizou um debate aberto em
um fórum de jihadistas, de perguntas e respostas, no qual foi amplamente questionado sobre a
morte de civis muçulmanos em atentados realizados pela a Al-Qaeda. Diversas pesquisas mostram a
crescente queda em popularidade da Al-Qaeda em diversas sociedades do mundo árabe e islâmico
após terem sofrido atentados terroristas da organização. Um bom exemplo disso é a Jordânia, onde
o índice de aprovação da Al-Qaeda entre a população teve uma queda brusca de 70%(quando?)
para 10% no ano de 2005 quando três explosões em hotéis da capital Amman mataram e feriram
centenas de pessoas, muitas delas estavam celebrando um casamento.
Em pesquisa desenvolvida pelo centro PEW sobre a confiança das populações muçulmanas de
diversos países do mundo árabe e islâmico em Bin Laden prova que os diversos atentados da AlQaeda que mataram civis muçulmanos afetou, em grande medida, sua popularidade entre as
sociedades. No Paquistão, sua popularidade caiu de 46%, em 2003, para 18% em 2010; na
Palestina, de 72% para 34%; e na Jordânia, caso de maior índice de queda, de 56% para 13%. “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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De acordo com relatório da RAND Corporation de 2008, houve uma mudança na estratégia do braço
da Al-Qaeda no Iraque, a partir de 2005, quando deixaram de atacar os oficiais dos EUA e de seus
aliados e passaram a atacar a própria sociedade iraquiana, o que não foi bem recebido pela
população. A onda de atentados entre 2005 e 2007 liderada pela Al-Qaeda iraquiana matou, em
média, 16 civis por dia. Durante todos os anos de guerra, de 2003 aos dias atuais, os anos de 2006
e 2007 foram os que mais civis morreram, superando, até mesmo, os bombardeios dos EUA em
2003.
Basta perceber que a Al-Qaeda não está presente na chamada primavera árabe. Estes movimentos
civis, por meio de protestos pacíficos, conseguiram derrubar governos que a Al-Qaeda se propõe a
combater, há mais de duas décadas, apresentando uma alternativa às sociedades árabes e
marginalizando, ainda mais, o grupo terrorista.
Assim, além das áreas tribais no norte do Paquistão, a Al-Qaeda está presente apenas em regiões
marginais do mundo árabe e islâmico por contatos, muitas vezes, superficiais como no nordeste do
Yemen, na Somália e no sul da Argélia. Por conta das diversas alianças realizadas, a Al-Qaeda não
conseguiu liderar uma única estratégia e seu principal objetivo de tornar-se um movimento
insurgente, caracterizado, sobretudo, pelo grande apoio da comunidade, acabou, portanto, por
falhar.
Prova disso foram os desentendimentos entre Bin Laden e Al-Zarqawi, que liderou o braço da AlQaeda iraquiano, quanto às formas de agir no país. A CIA interceptou cartas entre eles que
mostravam discordância de Bin Laden com a crescente onda de atentados no Iraque uma vez que
isto impossibilitaria a aproximação da Al-Qaeda da sociedade iraquiana. a Al-Qaeda já enfrentava,
portanto, um momento de crise e de possível mudança estratégica, anterior à morte de seu líder.
A “guerra contra o terror” não possui um inimigo homogêneo representado na figura de Bin Laden
como quer fazer-nos acreditar os EUA. Existem diversos grupos que, por compartilharem alguns
interesses comuns, estabeleceram alianças estratégicas. Como muitos já alertaram, não é possível
carimbar como terror islâmico tudo aquilo que contesta a ocupação militar dos EUA naquela região.
Quem será o próximo monstro a ser executado em nome da humanidade?
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