“Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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Carta Maior – 10/05/2011
Go, America, Go!
Se buscamos as respostas pelas quais o terrorismo ainda persiste no Oriente Médio,
na Ásia Central e na África, basta olhar para as tropas norte-americanas presentes
nas regiões: os EUA ocupam, hoje, o Afeganistão e o Iraque; possuem bases militares
ou tropas no Egito, na Arábia Saudita, em Omã, Qatar, Israel, Jordânia, Kuwait,
Paquistão, Afeganistão, entre outros. Se os norte-americanos desejam compreender
por que muitos os odeiam ou por que não podem vencer a guerra contra o terror,
precisam escutar as ruas do mundo árabe e islâmico.
Reginaldo Nasser e Marina Mattar Nasser
Se a Al-Qaeda, como muitos estudos indicam, não constitui uma organização extensa e nem mesmo
possui vínculos diretos com grupos islâmicos ao redor do mundo; se a Al-Qaeda, ao que tudo indica,
está mesmo enfraquecida, por que a morte de Bin Laden ainda reverbera, fazendo com que grupos,
como o Talibã, possuam ainda mais motivações em sua luta? O caso do Talibã é fundamental para
compreendermos isto.
As origens do Talibã, ao contrário do que muitos podem imaginar, não estão relacionada a AlQaeda; pelo contrário, os objetivos, propostas e ideais que influenciaram a criação do Talibã
explicitam suas diferenças com a organização de Bin Laden. O Talibã surgiu no início dos anos 1990
como reação à crise econômica, política e social que envolvia o Afeganistão há mais de décadas e
que não foram solucionadas pelo governo pós-soviético do partido Jamaad Islami,
predominantemente dominado pela etnia dos tarjiques. O sentimento de injustiça foi combinado
com uma motivação étnica e tribal do Talibã de retomar o poder para sua etnia, os pashtuns.
Os talibãs, assim como Bin Laden, compartilham a crença salafista de que por meio da aplicação da
“shariah” será possível chegar a um mundo justo e perfeito. No entanto, o grupo, ao contrário da AlQaeda, não possui caráter internacionalista de modo que não pretende expandir isso para além das
fronteiras dos pashtun. O Talibã é um grupo tribal e provinciano que nem mesmo evoca sentimento
nacionalista pelo Afeganistão tanto que seu líder, o mulá Omar, nos sete anos de governo talibã, foi
a Cabul apenas duas vezes.
A luta talibã pela conquista do poder no Afeganistão teve início em 1994 e dois anos depois, o grupo
já se estabelecia no governo após a tomada de Cabul. Neste mesmo ano, Bin Laden se refugiou no
país, mas, até então, nunca tinha tido contato com o Talibã. Bin Laden encontrou no Afeganistão a
oportunidade de desenvolver campos de treinamento para ativistas islâmicos de todo o mundo,
captar recursos e desenvolver sua propaganda, inclusive dando entrevistas à mídia ocidental. Mas
seus planos atrapalhavam os do governo talibã que buscava reconhecimento internacional e nem
mesmo coincidiam com as ambições do grupo pashtun. Mula Omar expressou seu descontentamento
com Bin Laden diversas vezes. “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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O encontro do Talibã com a Al-Qaeda, que hoje observamos, foi muito mais uma decorrência das
ações dos EUA e da ONU. Após os atentados às embaixadas na África Oriental, atribuído a Al-Qaeda,
em 1998, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, ordenou que o Afeganistão fosse bombardeado
numa tentativa de pressionar o governo a entregar Bin Laden. Três semanas após o ataque dos
EUA, Mula Omar se encontrou com o príncipe saudita para desfazer o acordo que tinham realizado,
no qual o Talibã tinha prometido entregar Bin Laden à Arábia Saudita.
O Afeganistão sofreu sanções militares e financeiras pela ONU por se recusar a entregar o terrorista
saudita em 1999. Neste mesmo ano, o grupo havia proibido toda a produção de ópio do
Afeganistão, maior renda do país, para obter o reconhecimento da comunidade internacional.
Apenas a Arábia Saudita, o Paquistão e os Emirados Árabes Unidos reconheciam seu governo. O que
os EUA e a ONU pareciam não compreender era que se o Talibã expulsasse Bin Laden após suas
coerções, pareceria um fantoche dos norte-americanos, como todos os governos que criticavam.
As ações dos EUA e da ONU não só afastaram o Talibã de sua promessa de entregar-lhes Bin Laden,
mas fizeram com que a única aliança possível aos talibãs fosse a Al-Qaeda. O grupo afegão se
aproximou do líder saudita, pois todas as portas lhe foram fechadas. A invasão do Afeganistão em
2001 fez com que a aliança estratégica entre os dois grupos se concretizasse: agora, o Talibã
compartilhava os mesmos inimigos e objetivos que a Al-Qaeda, expulsar os EUA e seus aliados de
suas terras.
Em 2003, Bin Laden explicou sua luta: “Um fato fundamental e realista é que a terra (dos dois
lugares sagrados, isto é, a Arábia Saudita) está ocupada – e se está ocupada (pelos militares norteamericanos), o maior mandamento depois da própria fé é repelir o inimigo agressivo”. Em carta
endereçada ao povo americano, o saudita lhes aconselha “a fazer as malas e saírem das nossas
terras”. A Al-Qaeda nunca realizou atentados contra Israel e apenas uma vez atentou contra
objetivos judeus (Istambul, novembro de 2002); seus atentados contra os EUA tiveram início depois
de 1990, quando os norte-americanos enviaram tropas a Arábia Saudita, Qatar e Bahrein e não
décadas anteriores, quando os Estados Unidos começou a exportar valores culturais que
repugnavam o fundamentalismo islâmico.
Se buscamos as respostas pelas quais o terrorismo ainda persiste no Oriente Médio, na Ásia Central
e na África, basta olhar para as tropas norte-americanas presentes nas regiões: os EUA ocupam,
hoje, o Afeganistão e o Iraque; possuem bases militares ou tropas no Egito, na Arábia Saudita, em
Omã, Qatar, Israel, Jordânia, Kuwait, Paquistão, Afeganistão, entre outros. Se os norte-americanos
desejam compreender por que muitos o odeiam ou por que não podem vencer a guerra contra o
terror, precisam escutar as ruas do mundo árabe e islâmico.
No Líbano, um clérigo islâmico sintetizou a indignação de muitos muçulmanos quanto ao modo pelo
qual Osama foi enterrado: “essa é uma forma dos EUA humilharem os muçulmanos”. Em Jacarta, os
posters afirmam: Obama é um terrorista. E, nas ruas do Paquistão, em manifestações contra a
morte de Bin Laden, lemos o claro recado: Go, America, Go!
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