quarta-feira, 4 de julho de 2012

Israel na encruzilhada


Israel na encruzilhada
No mesmo momento em que o mundo árabe se une em um amplo movimento para a
democracia, em Israel as instituições democráticas estão em crise. Enquanto os árabes
cobram responsabilidade de seus líderes, os líderes de Israel estão, frequentemente,
enfrentando investigações e acusações de corrupção. Os manifestantes invadiram as praças
das grandes cidades árabes, mas a Praça Rabin, em Tel Aviv, permanece silenciosa. Onde
estão os que exigem mudanças que tragam a paz e a prosperidade para todos os israelenses?
Reginaldo Nasser (*)
Tal como seus antecessores, Binyamin Netanyahu sempre ponderou que Israel não poderia
estabelecer acordos diplomáticos confiáveis com os Estados Árabes a não ser que estes passassem
por um efetivo processo de democratização. No entanto, desde o primeiro momento em que a
revolução democrática no mundo árabe emitiu seus primeiros sinais na Praça Tahrir, no Cairo, o
mesmo Netanyahu usou todos os esforços diplomáticos para manter Mubarak no poder, alegando
que sua queda ocasionaria conseqüências desastrosas para toda a região. A democracia que os
líderes israelenses sempre apregoaram aos seus vizinhos é agora vista como uma séria ameaça. O
silêncio dos lideres Palestinos não foi menos revelador. A Autoridade Palestina, do presidente
Mahmoud Abbas, perdeu o seu principal apoiador, Mubarak, em sua luta política contra o Hamas.
Apesar das nações com os quais Israel deveria fazer a paz (Líbano, Síria e Palestina) não estarem
sendo atingidas pelas revoluções que hoje varrem a região, a situação agora é diferente, pois o
tratado de paz com o Egito é crucial para seus cálculos de segurança. Provavelmente os novos
governos formados no Egito e em outros países, vão refletir o descontentamento interno e, mais
cedo ou mais tarde, promoverão ajustes nas questões de política externa. Acostumados a olhar
apenas para os problemas de Israel em suas relações exteriores (Palestinos, Irã, Hezbolah ou Síria),
a opinião pública internacional deverá observar com atenção, a partir de agora, as movimentações
que poderão acontecer na sociedade civil israelense e que definirão, em grande medida, a
orientação que o Estado deverá adotar nos próximos anos.
Alon Ben-Meir alerta para o fato de que, no mesmo momento em que o mundo árabe se une em um
amplo movimento para a democracia, em Israel as instituições democráticas estão em crise.
Enquanto os árabes cobram responsabilidade de seus líderes, os líderes de Israel estão,
frequentemente, enfrentando investigações e acusações de corrupção. Os manifestantes invadiram
as praças das grandes cidades árabes, mas a Praça Rabin, em Tel Aviv, permanece silenciosa. Onde
estão os que exigem mudanças que tragam a paz e a prosperidade para todos os israelenses?
pergunta Ben-Meir (Israel, Where Are You? Jerusalem Post, 25/02/11. ver também do mesmo autor
And if Not Now, When? , The Huffington Post.com, 7/03/2011)
O fato é que a tão alardeada democracia israelense vaza água por todos os lados. O poderoso
movimento dos colonos está em franca expansão, ocupando terras palestinas e construindo cidades.
Segundo a organização israelense de direitos humanos B’tselem, são 500.000 colonos (cerca de
130.000 são militantes armados) que controlam 42% do território da Cisjordânia.     “Revoluções no Mundo Árabe e Islâmico: Regimes Políticos, Síria e Irã - 2012
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A nova imigração russa tem sido fator fundamental nas eleições. Em 2009, a grande maioria dos
russos que imigraram para Israel, depois de 1989, votaram no partido da ultra-direita, Yisrael
Beitenu (Israel é o Nosso Lar) liderado pelo atual ministro de relações Exteriores, Lieberman, que
sempre faz questão de dizer que nunca existirá um Estado Palestino. Os árabes-israelenses são uma
comunidade marginalizada nas estruturas políticas, econômicas e educacionais de Israel. Formam
20% da população, mas contribuem com apenas 8% do PIB e 60% de seus membros vivem abaixo
da linha da pobreza.
Oficiais israelenses e unidades de combate estão ficando cada vez mais ideológicos e religiosos. Em
1990, 2,5% dos oficiais de infantaria eram religiosos. Esse número saltou, em 2007, para 31,0%.
Pesquisa conduzida pelo instituto israelense Maagar Mochot indicou que quase 50% dos estudantes
do ensino médio de Israel não acreditam que os árabes devam ter os mesmos direitos que os judeus
do Estado de Israel.
No que se referem à economia israelense os dados não são tão animadores, apesar do crescimento
de 5,4% em 2010. De acordo com o mais recente relatório do Instituto Nacional do Seguro Social,
23% da população vivem abaixo da linha da pobreza. Em 1988, a classe média representava 33%
da população de Israel. Em 2009 caiu para 26,6% e Israel já é considerado um dos paises mais
desiguais do mundo.
Em contundente artigo escrito no Haaretz (When did it become illegal to be a Leftist in Israel?
06/01/2011) Gideon Levy denuncia que “não é mais legítimo ser de esquerda em Israel”. O Knesset
( parlamento israelense) resolveu criar uma comissão de inquérito sobre as atividades dos grupos de
esquerda sob a acusação de “ações de deslegitimação” contra o Estado de Israel". Fazer campanha
pelos direitos humanos, se opor à ocupação ou investigar crimes de guerra tornou-se ilegítimo.
Mas, é justamente em momentos de instabilidade e incertezas como esse que o governo de Israel
precisará do apoio da comunidade internacional e de seus cidadãos. Entretanto, Netanyahu prefere
virar as costas para essa nova ordem regional em formação. E se a turbulência chegar aos
territórios palestinos, qual será a resposta de Israel? Mesmo com todas as limitações e obstáculos
que apontamos acima, Israel será obrigado a passar por mudanças profundas sob pena de ficar
ainda mais isolado devido às campanhas internacionais. Os atuais governantes não terão mais a
desenvoltura diplomática anterior quando era possível fazer acordos diplomáticos com os ditadores
árabes corruptos.
Gideon Levy advertiu apropriadamente que se os lideres políticos israelenses não mudarem sua
forma de agir levando em consideração a complexidade de sua sociedade “eles vão acordar um dia,
seja em 10 ou 20 anos, como os líderes da Líbia, Egito e Tunísia, no meio de um pesadelo”. Resta
acreditar e torcer para que a rua judaica dê seu recado no devido momento.
(*) Professor de Relações Internacionais da PUC (SP) e Programa de Pós-Graduação San Tiago
Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP)

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