O México estréia novo presidente. Novo?
Enrique Peña Nieto, 46 anos, assume neste 1º de dezembro a presidência do México, segundo maior país e segunda maior economia da América Latina. Começa prometendo o que todo presidente estreante promete: uma nova era, uma etapa de renovação. Terá seis anos para mostrar a que veio. Herda um país com uma economia que cresce de maneira sólida. Um país com abismos sociais profundos e até agora instransponíveis. E, acima de tudo, um país sacudido por seis anos de violência crônica. O artigo é de Eric Nepomuceno.
Eric Nepomuceno
A partir de primeiro de dezembro Enrique Peña Nieto, 46 anos, assume a presidência do México, segundo maior país e segunda maior economia da América Latina. Começa prometendo o que todo presidente estreante promete: uma nova era, uma etapa de renovação. Terá seis anos para mostrar a que veio.
Herda um país com uma economia que cresce de maneira sólida. Um país com abismos sociais profundos e até agora instransponíveis. E, acima de tudo, um país sacudido por seis anos de violência crônica, num embate entre forças de segurança e cartéis de traficantes que deixa cerca de 60 mil mortes em seis anos. Há, por certo, outros problemas que se arrastam há décadas e décadas, a começar pela corrupção que se alastra por cada canto, e indo até a perene questão migratória com os Estados Unidos.
Existe, no entanto, uma palpável dose de boas com perspectivas, depois de doze anos de incompetência e profunda decepção dos dois governos do PAN, o direitista Partido de Ação Nacional. Em dezembro de 2000, quando Vicente Fox assumiu a presidência, terminaram sete décadas de domínio absoluto do PRI, o Partido Revolucionário Institucional. As expectativas eram as melhores possíveis. Deram, todas elas, em nada. Seis anos depois, o PAN ganhou de novo, com Felipe Calderón. E, de novo, mais frustração, agora com o acréscimo da violência desenfreada.
Nesse período, a economia melhorou bastante, apesar dos baques provocados pela crise que abalou os Estados Unidos. Já a vida dos mexicanos continuou mais ou menos na mesma, ou seja, os beneficiados de sempre continuaram se beneficiando, e os maltratados continuaram maltratados.
A Cidade do México, que vai pela terceira administração de esquerda, se modernizou, tornou-se ainda mais cosmopolita. As grandes cidades do interior, nem tanto. E pelo país afora, principalmente no norte fronteiriço com os Estados Unidos, espalhou-se a onda de violência que transtornou os mexicanos. A guerra aberta em duas frentes – forças de segurança contra cartéis de traficantes, e cartéis de traficantes entre si – deixou prensados, no meio do campo indefinido de batalha, milhares de habitantes que não têm nada ver com o assunto. A violência transbordou qualquer antecedente, com suas cenas de horror cotidiano. A sanha furibunda dos cartéis espalha tensão e pânico, principalmente em cidades pequenas, que tiveram de se acostumar a despertar com cadáveres pendurados em pontes e postes, com corpos decapitados empilhados em praças públicas, com bandos que passam disparando a esmo.
Nas vésperas da posse, Peña Nieto – um político provinciano, com o carisma de um tubérculo e a experiência de uma borboleta – resolveu dar mostras de atitude. Conseguiu, para começo de conversa, algo inédito: a promessa de um grande acordo nacional entre seu partido, o PRI, e as duas maiores forças de oposição, o PAN e o PRD, Partido da Revolução Democrática. O objetivo desse pacto será assegurar ao novo mandatário o espaço necessário para que o México tenha, em seu mandato, crescimento, governabilidade e desenvolvimento.
São palavras tão sonoras como vãs, e não há nada de concreto nesse anunciado acordo. Mas não deixa de ser um indicativo do que poderá acontecer.
Peña Nieto também quis demonstrar que pretende dar novos rumos à política externa e retomar um espaço que o México teve e perdeu na América Latina. E nesse ponto específico, seus primeiros movimentos não foram exatamente bem sucedidos. Perambulou pela América Central sem conseguir seduzir ninguém. Veio ao Brasil com propostas que, se tivesse uma assessoria minimamente competente, teriam sido melhor estudadas e elaboradas com pelo menos um pé na realidade.
Ainda no campo das relações externas, terminou seu périplo da maneira esperada: indo a Washington para se reunir com Barack Obama e os líderes dos partidos Democrata e Republicano no Congresso. Um protocolo que, no caso mexicano, tem peso específico.
O alinhamento do México às políticas externas de Washington é parte do jogo das relações bilaterais há muitas décadas. Uma longa sucessão de governos mexicanos, mas principalmente após o período de febril devoção ao neoliberalismo, marcado sobretudo no governo de Carlos Salinas de Gortari, do PRI, veio corroendo o peso político do país na América Latina.
A dependência de Washington se reflete em vários aspectos. O mais evidente deles é o comércio: 80% das exportações mexicanas têm como destino o mercado dos Estados Unidos. É o terceiro maior sócio comercial dos norte-americanos, depois da China e do Canadá.
Além disso, os 3.100 quilômetros de fronteira contínua significam a fonte de um problema insolúvel: a imigração ilegal. Calcula-se que dos doze milhões de imigrantes ilegais vivendo hoje nos Estados Unidos, pelo menos a metade seja formada por mexicanos. Obama foi reeleito graças, em boa medida, ao voto dos latinos. Espera-se que responda priorizando a questão migratória.
Ao receber Peña Nieto, Obama não escapou da frase óbvia: “O que acontece no México tem impacto na nossa sociedade”. Peña Nieto não precisou rebater dizendo que o que acontece nos Estados Unidos tem tremendo impacto na sociedade mexicana. Além da rotineira e inócua troca de rapapés, os dois apenas roçaram temas fundamentais, como a questão da segurança nas fronteiras (vem do México mais de 80% da cocaína que abastece o maior mercado consumidor do mundo, os Estados Unidos). As relações econômicas foram deixadas de lado. A prioridade de Washington, no momento, é a questão da violência no México e de seus reflexos na zona fronteiriça entre ambos países.
Já a prioridade mexicana continua sendo a mesma de pelo menos dez anos atrás: legalizar os imigrantes ilegais, muitos deles chegados aos Estados Unidos quando criança e até hoje vivendo sem documentação alguma. As remessas de dinheiro dos imigrantes mexicanos estabelecidos em território norte-americano significam a terceira maior renda obtida pelo país no exterior, depois das exportações de petróleo e de automóveis. Não se trata apenas de uma questão social. É também econômica.
A última vez que um presidente mexicano pressionou forte os Estados Unidos buscando uma solução para o problema foi em 2001. No dia 6 de setembro daquele ano, Vicente Fox viajou até Washington para uma reunião conjunta com deputados e senadores. Mal tinha começado a conversar, e aconteceu o 11 de setembro. Com as torres gêmeas de Nova York desabaram as esperanças mexicanas.
Agora, até Barack Obama parece disposto a retomar o assunto. E Peña Nieto parece mais que disposto a pagar o preço correspondente. Ou seja: a mostrar que o México, tal qual aquela brincadeira de criança, continuará a fazer tudo – ou quase tudo – que seu mestre mandar.
Herda um país com uma economia que cresce de maneira sólida. Um país com abismos sociais profundos e até agora instransponíveis. E, acima de tudo, um país sacudido por seis anos de violência crônica, num embate entre forças de segurança e cartéis de traficantes que deixa cerca de 60 mil mortes em seis anos. Há, por certo, outros problemas que se arrastam há décadas e décadas, a começar pela corrupção que se alastra por cada canto, e indo até a perene questão migratória com os Estados Unidos.
Existe, no entanto, uma palpável dose de boas com perspectivas, depois de doze anos de incompetência e profunda decepção dos dois governos do PAN, o direitista Partido de Ação Nacional. Em dezembro de 2000, quando Vicente Fox assumiu a presidência, terminaram sete décadas de domínio absoluto do PRI, o Partido Revolucionário Institucional. As expectativas eram as melhores possíveis. Deram, todas elas, em nada. Seis anos depois, o PAN ganhou de novo, com Felipe Calderón. E, de novo, mais frustração, agora com o acréscimo da violência desenfreada.
Nesse período, a economia melhorou bastante, apesar dos baques provocados pela crise que abalou os Estados Unidos. Já a vida dos mexicanos continuou mais ou menos na mesma, ou seja, os beneficiados de sempre continuaram se beneficiando, e os maltratados continuaram maltratados.
A Cidade do México, que vai pela terceira administração de esquerda, se modernizou, tornou-se ainda mais cosmopolita. As grandes cidades do interior, nem tanto. E pelo país afora, principalmente no norte fronteiriço com os Estados Unidos, espalhou-se a onda de violência que transtornou os mexicanos. A guerra aberta em duas frentes – forças de segurança contra cartéis de traficantes, e cartéis de traficantes entre si – deixou prensados, no meio do campo indefinido de batalha, milhares de habitantes que não têm nada ver com o assunto. A violência transbordou qualquer antecedente, com suas cenas de horror cotidiano. A sanha furibunda dos cartéis espalha tensão e pânico, principalmente em cidades pequenas, que tiveram de se acostumar a despertar com cadáveres pendurados em pontes e postes, com corpos decapitados empilhados em praças públicas, com bandos que passam disparando a esmo.
Nas vésperas da posse, Peña Nieto – um político provinciano, com o carisma de um tubérculo e a experiência de uma borboleta – resolveu dar mostras de atitude. Conseguiu, para começo de conversa, algo inédito: a promessa de um grande acordo nacional entre seu partido, o PRI, e as duas maiores forças de oposição, o PAN e o PRD, Partido da Revolução Democrática. O objetivo desse pacto será assegurar ao novo mandatário o espaço necessário para que o México tenha, em seu mandato, crescimento, governabilidade e desenvolvimento.
São palavras tão sonoras como vãs, e não há nada de concreto nesse anunciado acordo. Mas não deixa de ser um indicativo do que poderá acontecer.
Peña Nieto também quis demonstrar que pretende dar novos rumos à política externa e retomar um espaço que o México teve e perdeu na América Latina. E nesse ponto específico, seus primeiros movimentos não foram exatamente bem sucedidos. Perambulou pela América Central sem conseguir seduzir ninguém. Veio ao Brasil com propostas que, se tivesse uma assessoria minimamente competente, teriam sido melhor estudadas e elaboradas com pelo menos um pé na realidade.
Ainda no campo das relações externas, terminou seu périplo da maneira esperada: indo a Washington para se reunir com Barack Obama e os líderes dos partidos Democrata e Republicano no Congresso. Um protocolo que, no caso mexicano, tem peso específico.
O alinhamento do México às políticas externas de Washington é parte do jogo das relações bilaterais há muitas décadas. Uma longa sucessão de governos mexicanos, mas principalmente após o período de febril devoção ao neoliberalismo, marcado sobretudo no governo de Carlos Salinas de Gortari, do PRI, veio corroendo o peso político do país na América Latina.
A dependência de Washington se reflete em vários aspectos. O mais evidente deles é o comércio: 80% das exportações mexicanas têm como destino o mercado dos Estados Unidos. É o terceiro maior sócio comercial dos norte-americanos, depois da China e do Canadá.
Além disso, os 3.100 quilômetros de fronteira contínua significam a fonte de um problema insolúvel: a imigração ilegal. Calcula-se que dos doze milhões de imigrantes ilegais vivendo hoje nos Estados Unidos, pelo menos a metade seja formada por mexicanos. Obama foi reeleito graças, em boa medida, ao voto dos latinos. Espera-se que responda priorizando a questão migratória.
Ao receber Peña Nieto, Obama não escapou da frase óbvia: “O que acontece no México tem impacto na nossa sociedade”. Peña Nieto não precisou rebater dizendo que o que acontece nos Estados Unidos tem tremendo impacto na sociedade mexicana. Além da rotineira e inócua troca de rapapés, os dois apenas roçaram temas fundamentais, como a questão da segurança nas fronteiras (vem do México mais de 80% da cocaína que abastece o maior mercado consumidor do mundo, os Estados Unidos). As relações econômicas foram deixadas de lado. A prioridade de Washington, no momento, é a questão da violência no México e de seus reflexos na zona fronteiriça entre ambos países.
Já a prioridade mexicana continua sendo a mesma de pelo menos dez anos atrás: legalizar os imigrantes ilegais, muitos deles chegados aos Estados Unidos quando criança e até hoje vivendo sem documentação alguma. As remessas de dinheiro dos imigrantes mexicanos estabelecidos em território norte-americano significam a terceira maior renda obtida pelo país no exterior, depois das exportações de petróleo e de automóveis. Não se trata apenas de uma questão social. É também econômica.
A última vez que um presidente mexicano pressionou forte os Estados Unidos buscando uma solução para o problema foi em 2001. No dia 6 de setembro daquele ano, Vicente Fox viajou até Washington para uma reunião conjunta com deputados e senadores. Mal tinha começado a conversar, e aconteceu o 11 de setembro. Com as torres gêmeas de Nova York desabaram as esperanças mexicanas.
Agora, até Barack Obama parece disposto a retomar o assunto. E Peña Nieto parece mais que disposto a pagar o preço correspondente. Ou seja: a mostrar que o México, tal qual aquela brincadeira de criança, continuará a fazer tudo – ou quase tudo – que seu mestre mandar.
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