A ala engraçada dos meus leitores vai dizer que isso é inveja de pé-rapado ou uma glutona sanha comunista devoradora de criancinhas. Mas o Brasil deveria, urgentemente, ressuscitar o debate sobre a introdução de um imposto decente sobre grandes heranças.
Leonardo Sakamoto
Leonardo Sakamoto
É justo que todos que suaram a camisa e conseguiram guardar algum queiram deixar uma vida mais confortável para seus filhos e netos. Contudo, a partir de uma determinada quantidade de riqueza, o que seria apenas garantir conforto transforma-se em transmissão hereditária da desigualdade social e de suas conseqüências.
Dessa forma, dentro de algumas gerações, conseguiríamos suavizar esse degrau brutal entre as diferentes castas brasileiras. Novamente, não estou sugerindo que todos usem uniforme caqui, morem em alojamentos coletivos e cozinhem ensopado de batata. Pois o ultrajante não é alguém morar em um apartamento de 400 metros quadrados enquanto outro vive em um de 40. O que me desconcerta é alguém desfrutar de um apê de 4 mil metros quadrados enquanto outro apanha da polícia para manter seu barraco em uma ocupação de terreno, seja em São José dos Campos, Eldorados dos Carajás, São Paulo, onde for.
Alguns vão dizer que estou louco, que isso vai contra a ideia de propriedade privada, pilar sobre o qual nossa civilização está (infelizmente) construída. E que, sem a possibilidade de herança, tudo vai desmoronar, ninguém vai querer investir no desenvolvimento do país, viveremos em cavernas plantando juta para roupas costuradas com espinho de peixe e faremos chá de capeba ou pariparoba para curar todas as doenças.
A força de um futuro imposto sobre heranças, que morda progressivamente, na proporção do tamanho da fortuna, não reside apenas nos recursos que ele é capaz de arrecadar, mas no simbolismo de um Estado que assume o papel de corrigir distorções históricas e de tratar desiguais de forma desigual.
Ele tem o mesmo DNA de projetos como a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, aumento da licença maternidade, taxação de grandes fortunas, correção dos índices de produtividade da terra, entre outros, que são tratados por muitos como o tabu de dormir com a mãe.
O então senador Fernando Henrique Cardoso, antes de pedir que esquecessem o que ele escreveu, defendeu a taxação de grandes fortunas no Congresso Nacional. Luiz Inácio Lula da Silva, antes de se tornar o queridão do mercado, também defendia abertamente a redução na jornada de trabalho. O poder muda as pessoas, é fato. O pior é ter que ouvir dos próprios que eles não mudaram, apenas ganharam uma consciência ampliada a partir da cadeira que ocuparam.
Já disse aqui e repito: isso me leva a crer que a culpa por tudo isso é da maldita cadeira do Palácio do Planalto. Ela tem um encosto e precisa de uma sessão de descarrego antes que faça novas vítimas. Urgentemente.
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