Em um documento de 21 páginas coordenado pelo deputado Jean-Christophe Camdabélis, vice-presidente do Partido Socialista Europeu (PSE), os socialistas denunciam o rombo atual da Europa sob a batuta da papisa do liberalismo do Velho Continente, Angela Merkel. O texto argumenta que “o projeto comunitário está ferido por uma aliança de circunstância entre os acentos thatcherianos do primeiro ministro britânico e a intransigência egoísta da chanceler Merkel. O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris
Eduardo Febbro
Paris - O Partido Socialista saiu de sua disciplina silenciosa para arremeter com uma veemência inédita contra a chanceler alemã Angela Merkel e estimular o presidente François Hollande a “enfrentar Merkel”. Em um documento de 21 páginas coordenado pelo deputado Jean-Christophe Camdabélis, vice-presidente do Partido Socialista Europeu (PSE), os socialistas denunciam o rombo atual da Europa sob a batuta da papisa do liberalismo do Velho Continente, Angela Merkel. O texto argumenta que “o projeto comunitário está ferido por uma aliança de circunstância entre os acentos thatcherianos do primeiro ministro britânico _ que só concebe a Europa como um menu e a baixo preço – e a intransigência egoísta da chanceler Merkel, que só pensa nos poupadores da Alemanha, na balança comercial de Berlim e em seu futuro eleitoral”.
O ataque frontal ocorre em pleno debate sobre a manutenção da linha de rigor adotada por François Hollande e imediatamente depois de uma intervenção pública muito dura do atual presidente da Assembleia Nacional, o socialista Claude Bartolone. Ele se pronunciou a favor de um “confronto” com a Alemanha para sair do círculo interminável do rigor. As baterias políticas da esquerda do PS foram acionadas no momento em que a França registrou o nível de desemprego mais alto da história, com 3.224.600 pessoas sem trabalho, um pico que superou a marca anterior de 1997. Toda a ala esquerda do PS vem levantando a voz há várias semanas contra a política de rigor e de controle orçamentário assumida por Hollande. “Se a seriedade orçamentária mata o crescimento então ela não é mais séria. É absurda e perigosa”, disse Arnaud Montebourg, atual ministro da Reativação Produtiva.
A chamada “keine alternativa” começa a esgotar a paciência até dos aliados mais próximos de Hollande. No entanto. O chefe de Estado repete que “não mudará” de política econômica: rigor, rigor e austeridade, matizados com expressões de suave inspiração social democrata. Mas a realidade não se move. As palavras vão por um lado, e os fatos por outro: cada vez há mais desempregados, mais pobres e também mais ricos. “O presidente avança direto contra o muro sem buzinar”, disse o deputado ecologista Jean-Vincent Placé. A maioria socialista está entre dois navios que navegam em um oceano muito agitado. Uma parte centrista respalda o mandatário, a outra não cessa de reclamar outra política. A esquerda que chegou ao poder com tantas ilusões parece desesperançada, enjoada pelo golpe e pela amplitude não prevista da crise.
O argumento de François Hollande consiste em dizer que o controle dos déficits e a política de rigor que o acompanham permitirão que a dívida da França (94% do PIB) baixe. Isso, somado ao retorno hipotético do crescimento, deixará à esquerda uma margem importante para distribuir. Paguem primeiro, distribuiremos depois. Daniel Cohn-Bendit, o líder do movimento estudantil que estourou na França em maio de 1968, diz que esse argumento é incongruente e que a social democracia está “desamparada frente à amplitude da crise”. Segundo o ex-eurodeputado ecologista, “a globalização da crise econômica, financeira e ecológica põe em questão a ideia tradicional da repartição dos lucros e do crescimento”.
A crise, as políticas de rigor e as incontáveis promessas eleitorais jamais cumpridas por François Hollande acabaram por formar um nó sem fim. O horizonte está habitado por um discurso único e, como expressa muito bem Daniel Cohn Bendit, “a esquerda está desmoralizada”. Benoît Hamon, ministro da Economia Solidária e representante da ala de esquerda moderada do PS, alega que “não se pode viver sob essa capa de chumbo mantida pela direita alemã. O ritmo imposto à manutenção de uma consolidação orçamentária que nos confina à austeridade pode nos conduzir a um caminho sem saída”. Mas é assim que se está vivendo, em uma situação de total impotência. Nenhuma linha se move. Cecile Duflot, ministra da Habitação, assegura: “devemos provar que a política pode agir sobre a realidade”. Por enquanto atua sem melhorá-la. Ou só melhora na Alemanha.
A esquerda francesa terminou brigando mais consigo mesma do que com seus adversários da direita. Entre as alas esquerdas do PS, de onde são oriundos vários ministros, a Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, que zomba do governo com uma ironia violenta, e a centro-direita que controla as funções essenciais do Executivo, a polifonia é discordante. E essa cacofonia é extensiva a outros atores políticos e econômicos. Há alguns dias, o presidente da Comissão Europeia, José Miguel Barroso, o guardião das políticas de redução de déficits, disse que “a austeridade havia chegado aos seus limites”.
No início deste ano, Olivier Blanchard, o economista chefe do Fundo Monetário Internacional, reconheceu que tudo havia saído ao contrário do previsto: “nas economias desenvolvidas, a forte consolidação fiscal – redução de déficits – foi acompanhada de um crescimento mais débil do que o esperado”.
Os resultados são catastróficos, mas ninguém que está no poder se afasta dessa linha. Recém agora, depois de estar quase um ano no governo, o PS disparou sua primeira flecha: “enfrentar democraticamente a direita europeia” para combater politicamente a direita alemã. Em parte, em maio do ano passado, François Hollande havia sido eleito com essa ilusão. Mas Angela Merkel segue mandando no tabuleiro europeu.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
O ataque frontal ocorre em pleno debate sobre a manutenção da linha de rigor adotada por François Hollande e imediatamente depois de uma intervenção pública muito dura do atual presidente da Assembleia Nacional, o socialista Claude Bartolone. Ele se pronunciou a favor de um “confronto” com a Alemanha para sair do círculo interminável do rigor. As baterias políticas da esquerda do PS foram acionadas no momento em que a França registrou o nível de desemprego mais alto da história, com 3.224.600 pessoas sem trabalho, um pico que superou a marca anterior de 1997. Toda a ala esquerda do PS vem levantando a voz há várias semanas contra a política de rigor e de controle orçamentário assumida por Hollande. “Se a seriedade orçamentária mata o crescimento então ela não é mais séria. É absurda e perigosa”, disse Arnaud Montebourg, atual ministro da Reativação Produtiva.
A chamada “keine alternativa” começa a esgotar a paciência até dos aliados mais próximos de Hollande. No entanto. O chefe de Estado repete que “não mudará” de política econômica: rigor, rigor e austeridade, matizados com expressões de suave inspiração social democrata. Mas a realidade não se move. As palavras vão por um lado, e os fatos por outro: cada vez há mais desempregados, mais pobres e também mais ricos. “O presidente avança direto contra o muro sem buzinar”, disse o deputado ecologista Jean-Vincent Placé. A maioria socialista está entre dois navios que navegam em um oceano muito agitado. Uma parte centrista respalda o mandatário, a outra não cessa de reclamar outra política. A esquerda que chegou ao poder com tantas ilusões parece desesperançada, enjoada pelo golpe e pela amplitude não prevista da crise.
O argumento de François Hollande consiste em dizer que o controle dos déficits e a política de rigor que o acompanham permitirão que a dívida da França (94% do PIB) baixe. Isso, somado ao retorno hipotético do crescimento, deixará à esquerda uma margem importante para distribuir. Paguem primeiro, distribuiremos depois. Daniel Cohn-Bendit, o líder do movimento estudantil que estourou na França em maio de 1968, diz que esse argumento é incongruente e que a social democracia está “desamparada frente à amplitude da crise”. Segundo o ex-eurodeputado ecologista, “a globalização da crise econômica, financeira e ecológica põe em questão a ideia tradicional da repartição dos lucros e do crescimento”.
A crise, as políticas de rigor e as incontáveis promessas eleitorais jamais cumpridas por François Hollande acabaram por formar um nó sem fim. O horizonte está habitado por um discurso único e, como expressa muito bem Daniel Cohn Bendit, “a esquerda está desmoralizada”. Benoît Hamon, ministro da Economia Solidária e representante da ala de esquerda moderada do PS, alega que “não se pode viver sob essa capa de chumbo mantida pela direita alemã. O ritmo imposto à manutenção de uma consolidação orçamentária que nos confina à austeridade pode nos conduzir a um caminho sem saída”. Mas é assim que se está vivendo, em uma situação de total impotência. Nenhuma linha se move. Cecile Duflot, ministra da Habitação, assegura: “devemos provar que a política pode agir sobre a realidade”. Por enquanto atua sem melhorá-la. Ou só melhora na Alemanha.
A esquerda francesa terminou brigando mais consigo mesma do que com seus adversários da direita. Entre as alas esquerdas do PS, de onde são oriundos vários ministros, a Frente de Esquerda, de Jean-Luc Mélenchon, que zomba do governo com uma ironia violenta, e a centro-direita que controla as funções essenciais do Executivo, a polifonia é discordante. E essa cacofonia é extensiva a outros atores políticos e econômicos. Há alguns dias, o presidente da Comissão Europeia, José Miguel Barroso, o guardião das políticas de redução de déficits, disse que “a austeridade havia chegado aos seus limites”.
No início deste ano, Olivier Blanchard, o economista chefe do Fundo Monetário Internacional, reconheceu que tudo havia saído ao contrário do previsto: “nas economias desenvolvidas, a forte consolidação fiscal – redução de déficits – foi acompanhada de um crescimento mais débil do que o esperado”.
Os resultados são catastróficos, mas ninguém que está no poder se afasta dessa linha. Recém agora, depois de estar quase um ano no governo, o PS disparou sua primeira flecha: “enfrentar democraticamente a direita europeia” para combater politicamente a direita alemã. Em parte, em maio do ano passado, François Hollande havia sido eleito com essa ilusão. Mas Angela Merkel segue mandando no tabuleiro europeu.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
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