Um erro comum do PT e do PSDB é acreditar que o jogo político só se desenrola pelas vias da cooptação de setores atrasados do País
Vladimir Safatle
Vladimir Safatle
Desde o advento da Nova República, o Brasil conheceu dois ciclos estruturados de governo. O primeiro começou com os oito anos da Presidência de Fernando Henrique Cardoso, o segundo começou com Lula e termina agora.
Antes de Fernando Henrique, o Brasil tentara, sem sucesso, implantar um desastrado choque liberal com Fernando Collor, depois de um curto prazo de políticas heterodoxas feitas no governo José Sarney ao ritmo de oportunismos eleitorais do momento.
Fernando Henrique e os seus tiveram, durante certo tempo, o desejo de se constituírem como polo avançado de um pensamento social-democrata no Brasil, mas acabaram por subir à cena política no exato momento em que a social-democracia saía de cena no mundo.
cherismo, ternos bem cortados e promessas de modernização social.
Quando o ciclo fernandista terminou por inanição própria, outro ciclo estava em gestação. Durante toda a década de 90, o PT crescera organicamente e de maneira contínua, consolidando-se como uma alternativa de poder. Da mesma forma, como Fernando Henrique soubera fornecer a pauta do debate nacional de ideias, abrindo seu partido para uma seção dos intelectuais universitários, o PT crescera por meio de uma articulação em que intelectuais e o setor progressista da Igreja forneciam uma pauta alternativa de debates, legitimada, entre outras coisas, por um forte lastro nos sindicatos e em outros movimentos sociais.
No poder, o PT inaugurou um novo ciclo, muito bem caracterizado por André Singer como “lulismo”. No momento em que o Brasil implementava seu novo ciclo político, o mundo descobria o fracasso do choque liberal dos anos 90. Durante certo tempo, esse modelo brasileiro, baseado na reconstrução de um capitalismo de Estado e na criação de políticas capazes de minorar a desigualdade, pareceu a única coisa a ficar de pé depois da crise de 2008.
Não foram poucos aqueles que, na Europa, insistiam na necessidade de voltar os olhos para as experiências políticas latino-americanas, em especial a brasileira.
Hoje fica claro, porém, que o ciclo do “lulismo” acabou por não ter tido condição de aprofundar suas políticas. A história conhece, no entanto, vários ciclos que acabam, mas que, apesar disso, permanecem por não ter nada que a eles se contraponha. Muitas vezes abre-se um tempo no qual nada ocorre e o que está arruinado perpetua-se em uma degradação nostálgica. Há um risco, digamos, de isso ocorrer nos próximos anos.
De fato, pela primeira vez desde a redemocratização, assistimos ao fim de um ciclo político sem, no entanto, existir um novo ciclo em gestação, com novos atores e novas forças de organização do debate de ideias. Os dois grandes eixos da política nacional oriundos do combate à ditadura, o PT e a ala mais ideologicamente organizada do MDB que foi dar no PSDB, foram testados e deram o que eram capazes de dar.
Os dois incorreram em erros semelhantes, como acreditar que o jogo político brasileiro só pode dar-se pelas vias da cooptação e gestão de setores do atraso. Os dois acabaram reféns dos mesmos personagens, haja vista, por exemplo, o fato de Renan Calheiros ter sido nos tempos de FHC e ser atualmente peça fundamental no consórcio de poder.
Nesse quadro de vazio, duas possibilidades se apresentam. A primeira, talvez o melhor cenário, é o deslocamento do embate político para os extremos. É possível que tenhamos em curto espaço de tempo uma radicalização política no cenário brasileiro. Ao menos seria melhor do que o clima de bola parada que parece querer se impor.
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