Um filme húngaro em cartaz há quatro meses no Rio de Janeiro. Benedek Fliegauf é o autor da proeza: Apenas o Vento trata da perseguição aos ciganos.
Léa Maria Aarão Reis
Léa Maria Aarão Reis
Por que um filme modesto, de diretor desconhecido para a maioria das plateias, cinéfilos e espectadores leigos, vindo de um país sem um marketing convincente da sua indústria cinematográfica, e apresentando um tema distante de nós – a perseguição aos ciganos no leste da Europa – se mantém em cartaz há nada menos que quatro meses, no Rio de Janeiro, embora em cinemas pequenos e horários restritos?
O húngaro Benedek Fliegauf é o autor da proeza. Dirigiu Apenas o vento e integra o grupo de cineastas do jovem cinema magiar que está rodando o mundo. Foi assistente do mitológico diretor Miklos Jancsó, de Os vermelhos e os brancos e Os sem esperança. Pouco tem a ver, do ponto de vista formal, com o cinema de outro compatriota de peso, Istvan Szabó, diretor de filmes clássicos, exibidos no Brasil: as obras primas Coronel Redl, Mefisto eTomando partido - O caso Furtwängler, que trata do interrogatório do genial maestro alemão Wilhelm Furtwängler por um oficial do exército de ocupação americano - Harvey Keitel faz o papel -, no imediato pós-guerra, em Berlim.
Seu cinema é quase experimental.
Bence, como Benedek é conhecido, tem 39 anos, vive e trabalha na Alemanha. Cancelou projetos em andamento para voltar a Budapeste onde fez este filme entre 2008 a 2009 depois de ler, na imprensa alemã, os casos de massacres de ciganos que ocorriam em zonas rurais da Hungria. Autor de um filme ambiente (como ele define), sem diálogos, chamado Via Láctea, que alcançou notoriedade na Europa, e de outro reconhecido no circuito dos melhores festivais, Dealer, agora, com Apenas o vento, ele levou o Premio Especial do Júri no Festival de Berlim e chegou a ser incluído na lista de pré-candidatos dos melhores estrangeiros do Oscar.
A história versa sobre a série de covardes ataques a famílias ciganas, pessoas desarmadas, adultos, velhos e crianças pequenas, abatidas a tiros de fuzil no meio da noite, nas casas de suas comunidades enquanto dormiam. Mais de cinquenta pessoas foram vítimas.
Baseado em documentação pública, Benedek criou essa história de uma família de ciganos vivendo em uma área afastada, na floresta. A mãe trabalha, a filha estuda, o menino - de cujo ponto de vista a trama é narrada - está envolvido em atividades escusas e o velho avô se mantém em casa. São vizinhos de uma das famílias massacradas. O pai, ausente, se encontra no Canadá, à espera de reunir dinheiro suficiente para retirar a família desta vida sórdida e paupérrima.
A narrativa de Fliegauf é naturalista, a câmera é ofegante e trêmula, e não deixa em qualquer momento de seguir e vigiar o pequeno grupo de personagens, atores amadores, alguns ciganos, durante os 86 minutos da produção que pode ser cansativa ao espectador. Ao contrário, no entanto, o ritmo ansioso pode, em alguns casos - e eles são muitos, visto o sucesso comercial do filme - garantir a atenção e segurar o interesse no suspense deste thriller sombrio - uma das marcas do cinema de jovens diretores e escritores escandinavos, do norte europeu, dos Bálcãs e da Europa oriental, estes, herdeiros da tradição artística da região na qual se misturam à depressão um travo de melancolia, de tédio, racismo e brutalidade.
Aos jornalistas que o entrevistaram no Festival de Berlim e indagaram se Fliegauf se reconhece nesta tradição específica, de Bela Tarr, dos russos, Kieslowski, Tarkowski, de Stieg Larsson (o autor da série Millenium), fazendo filmes obscuros e com certa melancolia, ele resumiu a sua linha de trabalho como resultado de pertencer a uma geração que, ao nascer, encontrou “este mundo de hoje, consumista e conformista.”
Para Fliegauf, o racismo e o empobrecimento da população húngara transformam os ciganos em bodes expiatórios da crise econômica do continente e oferecem um retrato explosivo da situação no seu país que não é bem visto pela União Europeia embora faça parte dela, mas não da zona do euro. Governado pela direita, por conservadores, ex-comunistas hoje liberais, o governo nacionalista sonha com uma nova “grande Hungria”, liderada por um inflexível Viktor Orbán.
Durante dois anos, o diretor entrevistou grupos de ciganos em diferentes regiões de seu país. A intenção era filmar exclusivamente com atores ciganos. Não foi possível e garante que há mais racismo entre eles próprios. “Os ciganos só queriam fazer o filme se fosse uma produção para a TV; queriam a celebridade fácil”.
Mas mesmo com este quadro étnico complexo em sua terra, o jovem cineasta húngaro oferece um retrato impressionista do que é uma comunidade marginalizada pelo racismo e pelo preconceito em um filme praticamente sem diálogos, com parca trilha musical e sons ambientes inquietantes.
A câmera de Benedek, com imagens insistentes beirando o abstrato, nos devolve uma Europa onde as diferenças, dentro de um cenário econômico difícil, estão sendo cada vez menos toleradas. E nos sugere refletir sobre o mundo de hoje onde os indivíduos são substituídos com desenvoltura e abatidos sem piedade ao sabor do vento.
Seu cinema é quase experimental.
Bence, como Benedek é conhecido, tem 39 anos, vive e trabalha na Alemanha. Cancelou projetos em andamento para voltar a Budapeste onde fez este filme entre 2008 a 2009 depois de ler, na imprensa alemã, os casos de massacres de ciganos que ocorriam em zonas rurais da Hungria. Autor de um filme ambiente (como ele define), sem diálogos, chamado Via Láctea, que alcançou notoriedade na Europa, e de outro reconhecido no circuito dos melhores festivais, Dealer, agora, com Apenas o vento, ele levou o Premio Especial do Júri no Festival de Berlim e chegou a ser incluído na lista de pré-candidatos dos melhores estrangeiros do Oscar.
A história versa sobre a série de covardes ataques a famílias ciganas, pessoas desarmadas, adultos, velhos e crianças pequenas, abatidas a tiros de fuzil no meio da noite, nas casas de suas comunidades enquanto dormiam. Mais de cinquenta pessoas foram vítimas.
Baseado em documentação pública, Benedek criou essa história de uma família de ciganos vivendo em uma área afastada, na floresta. A mãe trabalha, a filha estuda, o menino - de cujo ponto de vista a trama é narrada - está envolvido em atividades escusas e o velho avô se mantém em casa. São vizinhos de uma das famílias massacradas. O pai, ausente, se encontra no Canadá, à espera de reunir dinheiro suficiente para retirar a família desta vida sórdida e paupérrima.
A narrativa de Fliegauf é naturalista, a câmera é ofegante e trêmula, e não deixa em qualquer momento de seguir e vigiar o pequeno grupo de personagens, atores amadores, alguns ciganos, durante os 86 minutos da produção que pode ser cansativa ao espectador. Ao contrário, no entanto, o ritmo ansioso pode, em alguns casos - e eles são muitos, visto o sucesso comercial do filme - garantir a atenção e segurar o interesse no suspense deste thriller sombrio - uma das marcas do cinema de jovens diretores e escritores escandinavos, do norte europeu, dos Bálcãs e da Europa oriental, estes, herdeiros da tradição artística da região na qual se misturam à depressão um travo de melancolia, de tédio, racismo e brutalidade.
Aos jornalistas que o entrevistaram no Festival de Berlim e indagaram se Fliegauf se reconhece nesta tradição específica, de Bela Tarr, dos russos, Kieslowski, Tarkowski, de Stieg Larsson (o autor da série Millenium), fazendo filmes obscuros e com certa melancolia, ele resumiu a sua linha de trabalho como resultado de pertencer a uma geração que, ao nascer, encontrou “este mundo de hoje, consumista e conformista.”
Para Fliegauf, o racismo e o empobrecimento da população húngara transformam os ciganos em bodes expiatórios da crise econômica do continente e oferecem um retrato explosivo da situação no seu país que não é bem visto pela União Europeia embora faça parte dela, mas não da zona do euro. Governado pela direita, por conservadores, ex-comunistas hoje liberais, o governo nacionalista sonha com uma nova “grande Hungria”, liderada por um inflexível Viktor Orbán.
Durante dois anos, o diretor entrevistou grupos de ciganos em diferentes regiões de seu país. A intenção era filmar exclusivamente com atores ciganos. Não foi possível e garante que há mais racismo entre eles próprios. “Os ciganos só queriam fazer o filme se fosse uma produção para a TV; queriam a celebridade fácil”.
Mas mesmo com este quadro étnico complexo em sua terra, o jovem cineasta húngaro oferece um retrato impressionista do que é uma comunidade marginalizada pelo racismo e pelo preconceito em um filme praticamente sem diálogos, com parca trilha musical e sons ambientes inquietantes.
A câmera de Benedek, com imagens insistentes beirando o abstrato, nos devolve uma Europa onde as diferenças, dentro de um cenário econômico difícil, estão sendo cada vez menos toleradas. E nos sugere refletir sobre o mundo de hoje onde os indivíduos são substituídos com desenvoltura e abatidos sem piedade ao sabor do vento.
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