sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O presente de Natal de William Waack

Neste natal, o âncora do Jornal da Globo recebeu um presente de fim de ano: discutir a direita e a esquerda com seus amigos Reinaldo Azevedo e Pondé


Caio Sarack
arquivo
 
Neste natal, o âncora do Jornal da Globo e dono do programa Painel do canal GloboNews recebeu um presente de fim de ano: discutir a direita e a esquerda com seus amigos Reinaldo Azevedo, Luis Felipe Pondé (que dispensam apresentações) e Bolivar Lamounier, sociólogo e analista político.
 
A questão sobre a cisão entre esquerda e direita pode assumir diversos matizes, da completa negação dessa oposição até a simplificação em esteriótipos e certas práticas (quem é de esquerda pensa e faz isto, direita pensa e faz aquilo outro). O programa Painel desse final de semana resolveu “escolher” o debate cômico.
 
Se a esquerda tem problemas em se fazer entender mesmo entre seus pares, a direita parece não cair no mesmo problema: esta vive de ideologia, até quando teima em dizer que ela não existe. O programa é risível, de fato, mas dizer algo sobre este problema entre esquerda e direita tem sido tarefa dos dois lados. Esta Carta entrou no debate também, o modo, no entanto, foi completamente outro. 
 
O resumo da prosa é que não há mais pensamento possível na direita. O diagnóstico que assusta é o apreço à instituição e liberdade, ambos em sua mera formalidade, que também reconhecemos por vezes na esquerda. Por outro lado, a tradição de esquerda se moldou justamente na observação do movimento: apreender as categorias que constantemente são coisificadas pelo capitalismo, categorias que foram esvaziadas pelo tecnicismo utilitarista. A tensão que a esquerda pressupõe é a da contradição. Como, por exemplo, proteger a mera categoria das instituições sem vê-las em aplicação, sujando-as de história?
 
A discussão fica mais interessante quando vemos as reais dimensões do nosso deserto. Avanço pressupõe retrocesso, medida pressupõe desmedida, a diferença pressupõe a identidade, e o embate entre estes mais diversos contraditórios reproduzem trágica e falsamente a mesma ordem.
 
O que é ser de esquerda? Certamente a tradição marxista quando revisitada em seu método não permite mais que façamos simplificações: o Estado Democrático de Direito visto de cima é uma bela ideia, mas é essa ideia que toma forma na história, provando serem muito mais complexas suas relações: é este Estado que é responsável pelas mortes “institucionais” nas periferias, é o mesmo estado que se atrela de tal maneira a ordem do mercado financeiro que, ao mesmo tempo que confunde a direita dizendo que isto é “intervenção estatal”, expressa seus maiores vícios: “maior lucro, menor custo”.
 
Todo este debate aberto esconde em si um diagnóstico muito mais aterrador à esquerda do que nos damos conta: tudo é possível. É possível ter justiça social, com o acordo de que essa justiça seja feita sob a forma do consumo. É possível ser tolerante, se a diferença pode ser lucrativa. É possível ser democrático, com a condição de que a relação-mercadoria seja elevada ao posto de base inequívoca das relações sociais. Legamos, como esquerda, o mesmo mundo caduco que a direita, usamos as mesmas palavras, a rua que andamos é a mesma, no entanto nos movemos.
 
O capitalismo ainda precisa de lastro no real, o financismo teima com seus derivativos, mas é ainda a exploração que faz a roda girar. A esquerda tem como horizonte livrar-nos todos dessa exploração, mas aí está o desafio desta mesma esquerda: saber a que ponto, ou melhor, quão profunda está a raíz do utilitarismo capitalista dentro do seu próprio discurso e militância, fazendo da análise histórica crítica navalha para que o horizonte não turve a nossa frente.
 
Absurdos como este último programa Painel do ano devem causar mais riso que embate conceitual sério, mas é na possibilidade e ainda mais no espaço que tomam este e outros discursos que se evidenciam a que ponto os conceitos são atomizados e esvaziados para serem postos logo em seguida numa prateleira de produtos.

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