domingo, 30 de março de 2014

Franklin Martins: "todas as concessões são reguladas. Só rádio e televisão não"


"O rádio e a TV têm que ter

 mecanismos de proteção à criança,

 tem que ter regras que impeçam a 

defesa do racismo",

 observou o ex-ministro de Lula.


Paulo Vasconcellos
Arquivo
Um erro estratégico pode ter comprometido a Lei da Mídia – o projeto de Lei Geral da Comunicação Social, que, apesar de ter sido elaborado em 2010 propondo a criação da Agência Nacional de Comunicação (ANC) para dispor sobre as possíveis irregularidades nas transmissões de rádio e televisão e proibindo que políticos em posse de mandatos detenham concessões públicas de rádio e TV, como estabelece a Constituição, não chegou a ser apresentado pelo governo Dilma Rousseff. A revelação foi feita por Franklin Martins, ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, em um debate realizado quarta-feira à noite no Teatro Casa Grande na zona sul do Rio. 
 
Ao ser apresentado como uma forma de controle social da mídia, o projeto deu aos opositores o discurso ideológico de que por trás da ideia haveria o controle ou a censura dos meios de comunicação. "Nunca gostei da expressão controle social da mídia porque muita gente lê como controle da mídia quando a intenção é apenas cumprir a constituição", disse o jornalista a uma plateia mais preocupada com comunicação do que com a reforma eleitoral, tema central da palestra.
 
"Todas as concessões são reguladas. Energia elétrica tem regulação, telefonia também. Só rádio e televisão não. Desde 1962, ainda no governo Jango, é o mesmo discurso. É preciso uma lei para regular o setor porque a Constituição só estabelece princípios. A comunicação não pode ter monopólio nem oligopólio. Nossa comunicação é uma das mais monopolizadas do mundo. O rádio e a TV têm que ter mecanismos de proteção à criança, tem que ter regras que impeçam a defesa do racismo. Essa é uma questão central da democracia. Existe regulação nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França. O Uruguai está aprovando a regulação do setor agora", afirmou.
 
Franklin Martins foi um dos debatedores da mesa "Comunicação, Democracia e Reforma Política", promovida pelo Instituto Casa Grande na abertura do ciclo "Território Livre da Democracia – Debates no Teatro Casa Grande". Também participaram Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, e Ricardo Gebrin, coordenador da Consulta Popular, uma organização criada em 1997 no rastro dos movimentos sociais, especialmente do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
 
O encontro foi mediado pelo ex-senador Roberto Saturnino Braga, presidente do Instituto Teatro Casa Grande. Durante oito meses, a casa de espetáculos do Leblon, na zona sul do Rio, abrirá as portas para a realização de mesas redondas com figuras de relevo da política e da cultura, das mais diversas tendências de opinião que compõem o matiz progressista. O Teatro Casa Grande, que comemora quatro décadas, tenta retomar a sua vocação de espaço comprometido com o florescimento das artes, mas também empenhado na consolidação da democracia e da justiça social.
 
O ex-ministro da Secom defendeu a mídia técnica – mecanismo criado pelo decreto 6.555/2008, que desde 2009 estabeleceu "a apresentação de critérios de distribuição dos investimentos por meio, considerados os objetivos da ação; indicação dos períodos de veiculação; defesa da programação de veículos e respectiva distribuição de peças, de acordo com os objetivos de alcance e audiência".
 
Segundo a própria Secom, os gastos com a propaganda oficial, em 2012, chegaram a R$ 1.797.848.405,13. A Rede Globo ficou com R$ 496 milhões, ou 42,98% da verba destinada à propaganda do governo federal na televisão, de acordo com a sua audiência de 43,70%. Depois vieram Record com R$ 174 milhões, ou 15,49% da verba para uma audiência de 14,30%, SBT, com R$ 153 milhões, correspondentes a 13,64% para uma audiência de 12,20%, Band, com R$ 100 milhões, ou 8,93% do total e uma audiência de 5,40%, e Rede TV, com R$ 39 milhões, ou 3,53% e 1,70%, respectivamente. "Antes, a Globo tinha 50% de audiência, mas ficava com 70% da verba. Com a mídia técnica, R$ 470 milhões da Globo foram para outras emissoras", afirmou Franklin Martins.
 
O ex-ministro propôs no debate do tema central da noite a necessidade de uma maioria política no Congresso Nacional para que se consiga aprovar uma reforma política. Todas as tentativas feitas até agora, lembrou, como o projeto encaminhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou a ideia de um plebiscito para convocar uma constituinte exclusiva para tratar das mudanças no sistema eleitoral, como propôs a presidente Dilma Rousseff depois das manifestações de rua do ano passado, esbarram na resistência dos próprios políticos da Câmara dos Deputados. "Uma vez, no cafezinho, um jornalista comentou com o deputado Ulysses Guimarães: 'Esta Câmara está bem ruinzinha, hein?' E ele respondeu. 'Espere, porque ainda vai piorar'", recordou Franklin Martins. "Sem uma reforma política nossa democracia estará sempre em cheque."
 
"Nosso sistema eleitoral é que leva à corrosão da legitimidade parlamentar e à criminalização da política", reforçou Wadih Damous, presidente da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Ele também defendeu a eleição em dois turnos para os cargos proporcionais e o fim do financiamento privado das campanhas. "O custo da campanha com lista fechada cairia 75%. O financiamento privado é um absurdo porque o eleitor é uma pessoa, não uma empresa. Defendemos um sistema misto, com financiamento público e privado limitado a R$ 700 por pessoa física, para substituir o que existe hoje."
 
Já Ricardo Gebrin, coordenador da Consulta Popular, que agora está empenhado na campanha por um plebiscito popular em defesa de uma constituinte exclusiva e soberana para dar um novo sistema político ao país, disse que o Brasil ainda trava uma luta contra a herança da ditadura militar. "Estamos aprisionados dentro de um sistema político que impede qualquer avanço. O elemento forte nas manifestações de junho do ano passado era a insatisfação contra o sistema político. A juventude que foi para as ruas votará e é preciso dialogar com ela para traduzir a sensação difusa que tem da política", afirmou.

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