Mesmo que a margem de lucro esteja aumentando, a classe empresarial,
ao sentir que sua taxa de lucro futura está ameaçada, boicota a ordem econômica.
Há estudos que mostram que a taxa de lucro das montadoras instaladas no país
é três vezes maior que nos EUA: aqui é 10% e lá 3%. E isso seguramente afeta o
lucro global dessas multinacionais. Há indícios de que ela aqui esteja entre as
maiores do mundo.
De fato, é de senso comum que a opção investimento produtivo vs. aplicação
De fato, é de senso comum que a opção investimento produtivo vs. aplicação
financeira é condicionada pela comparação da taxa de lucro com a taxa de juros.
E dado que existem empresários que investem na produção, apesar de há muitos
anos termos aqui uma das maiores taxas de juros, é provável que a taxa de lucro
que auferem seja também uma das maiores.
Essa constatação, embora seja essencial para caracterizar a falsidade do
Essa constatação, embora seja essencial para caracterizar a falsidade do
argumento que embasa a oposição das elites frente às políticas públicas
implementadas na última década, não será aqui explorada.
Vou me ater a algo mais conjuntural. Vou tratar da “crise política” que as
Vou me ater a algo mais conjuntural. Vou tratar da “crise política” que as
elites vêm “fabricando” no último ano e pouco ao perceberem que essas
políticas serão mantidas gerando uma situação que as ameaça.
Inicio a abordagem, cujo caráter reducionista e “economicista” é evidente,
Inicio a abordagem, cujo caráter reducionista e “economicista” é evidente,
simplificando dois conceitos da Economia Convencional.
Margem de lucro (ou mais simplesmente, lucro): quantidade de dinheiro que
Margem de lucro (ou mais simplesmente, lucro): quantidade de dinheiro que
“sobra” para o empresário depois de vender seu produto (ou serviço) e pagar
o custo daquilo que necessita para produzir (matéria prima, energia, máquinas
que se desgastam, e força de trabalho).
A participação da força de trabalho no custo total - o salário -, embora varie
A participação da força de trabalho no custo total - o salário -, embora varie
entre os setores econômicos, é muito significativa quando avaliado para o
conjunto da economia. Todos os outros insumos que o empresário necessita
incorporam o trabalho humano (e o seu custo) na sua cadeia produtiva. E o que
é dito sobre o impacto do aumento no preço dos combustíveis no custo de
praticamente todas as mercadorias, é ainda mais notório no caso do salário.
A margem de lucro, que é tanto maior quanto mais o empresário puder produzir
A margem de lucro, que é tanto maior quanto mais o empresário puder produzir
e vender, é um elemento central para tomar decisões sobre seu comportamento
futuro.
Se sua expectativa individual acerca de sua margem de lucro é alta, o que ocorre
Se sua expectativa individual acerca de sua margem de lucro é alta, o que ocorre
quando sua demanda vem crescendo, ele prefere investir para ampliar sua
capacidade produtiva a aplicar no mercado financeiro.
Mas, como se sabe, essa decisão não depende só disso. Para explicá-la preciso
Mas, como se sabe, essa decisão não depende só disso. Para explicá-la preciso
do segundo conceito considerado no cálculo empresarial: a taxa de lucro.
Diferentemente da margem, que é uma quantidade de dinheiro, a taxa de lucro
Diferentemente da margem, que é uma quantidade de dinheiro, a taxa de lucro
é uma porcentagem. É um quociente entre duas quantidades de dinheiro: a
margem de lucro e a quantidade que o empresário precisou gastar para produzir
e vender.
Não por acaso, ela é muito semelhante à taxa de juros, que é também um quociente;
Não por acaso, ela é muito semelhante à taxa de juros, que é também um quociente;
entre o juro e a quantidade de dinheiro que ele aplica.
Quando o custo dos insumos para produzir aumenta, o denominador do quociente
Quando o custo dos insumos para produzir aumenta, o denominador do quociente
aumenta: a taxa de lucro cai. E se a expectativa do empresário sobre sua margem
de lucro futura não é boa, se ele prevê que ela não vá acompanhar o aumento de
custo, se considera que sua taxa de lucro pode diminuir, ele vai preferir a
aplicação financeira ao investimento produtivo.
Agora estamos prontos para “modelizar” a partir desses conceitos, a “crise
Agora estamos prontos para “modelizar” a partir desses conceitos, a “crise
política” fabricada pela elite empresarial.
O custo da força de trabalho vem crescendo sistematicamente ao longo da última
O custo da força de trabalho vem crescendo sistematicamente ao longo da última
década em consequência de políticas públicas que sobre ele incidem diretamente,
como a que regula o salário mínimo, ou indiretamente, como a da previdência
social, da educação, do Bolsa Família, etc. Isso levou a um aumento no custo
de produção de bens e serviços.
Mas, em função de um efeito tão de senso comum quanto o que eu disse acima
Mas, em função de um efeito tão de senso comum quanto o que eu disse acima
– o chamado multiplicador Keynesiano -, essas políticas, junto com outras que
ativaram setores como o da construção civil, ao aumentarem a massa salarial,
desencadearam o crescimento da demanda e da produção fazendo com que
aumentasse a margem de lucro; e que os empresários, respondendo
individualmente aos sinais do mercado, realizassem algum investimento.
Como em muitos setores havia capacidade produtiva ociosa, uma vez que a
Como em muitos setores havia capacidade produtiva ociosa, uma vez que a
demanda ficou muito tempo estagnada, os empresários não tiveram que
investir pesadamente em máquinas e instalações caras, o que levou a um
aumento ainda maior da sua taxa de lucro.
Esse aumento foi além do setor industrial; abarcou outros, como o financeiro
Esse aumento foi além do setor industrial; abarcou outros, como o financeiro
e o agronegócio. E foi potencializado por políticas defensivas em relação à
crise global que incluíram redução de impostos, não fiscalização da sonegação
(que atinge 10% do PIB) e por uma conjuntura favorável no mercado de
commodities.
A bonança infiltrou-se, inclusive, na “máquina pública”. Mas o impacto
A bonança infiltrou-se, inclusive, na “máquina pública”. Mas o impacto
econômico positivo sobre o empresariado foi sendo diluído à medida que se
incorporaram entrantes – desde multinacionais até “empreendedores” que
saíram da informalidade -, que aumentou a entrada de importações, que as
políticas defensivas frente a uma crise global em agravamento cobraram seu
preço forçando ao aumento de tarifas, e que arrefeceu a demanda
internacional de commodities.
Situações como essa costumam fazer com que, antes mesmo que caia a margem
Situações como essa costumam fazer com que, antes mesmo que caia a margem
de lucro ou até independentemente das expectativas individuais dos empresários,
piore a avaliação que, corporativamente, possuem acerca sua taxa de lucro futura.
Pelo menos três trajetórias - não excludentes - são historicamente verificáveis:
Pelo menos três trajetórias - não excludentes - são historicamente verificáveis:
(a) se se mantiverem os salários, diminui o investimento, o emprego e a demanda
e aumenta a sujeição nacional frente à cobiça globalizada e a instabilidade social:
a cena será a de um empate de “tragédia grega”; (b) se os empresários contarem
com poder de coerção ideológica ou física suficientes para a reduzir o salário,
se eles (e o Estado) investirem, e se for tecnologicamente possível gerar emprego,
um cover do malfadado general Médici irá repetir que “a economia vai bem mas
o povo vai mal”; (c) se for mantida ou aumentada a remuneração do capital
financeiro (que não se limita aos juros) o resultado será uma tragédia grega
encenada numa república de bananas com sério risco de “apodrecimento”.
Até aqui, supondo que existam limites, estaríamos no terreno dos conceitos e
Até aqui, supondo que existam limites, estaríamos no terreno dos conceitos e
tendências da Economia. Adentrando ao da política (ou da Psicologia, como
preferem alguns), é esperável que quando os empresários, e não estou falando
dos que escutam a mídia e sim daqueles que a “constroem”, se deparam com
a vitória de uma coalizão cuja promessa eleitoral implica um aumento do
salário, ocorra uma “greve dos investidores”.
Ocorre o que os marxólogos chamam de uma “resposta de classe”. O
Ocorre o que os marxólogos chamam de uma “resposta de classe”. O
comportamento do empresariado (da classe empresarial, ou o que eles chamam
de “classe capitalista”) deixa de ser um agregado de reações individuais aos sinais
de mercado. Passa a ser resultante de uma intenção da elite de inviabilizar pelos
meios alcançáveis o cumprimento de promessas que a prejudica. Dizem eles, que
numa “crise de realização do capital” (e elas seriam normais e periódicas no
capitalismo), o empresariado ultrapassa aqueles limites. Deixa de responder ao
mercado (mesmo quando seus sinais sejam positivos) e substitui seu horizonte
de curto prazo - da economia -, pelo de longo prazo - da política. Deixa de se
preocupar com movimentos táticos adequados para as batalhas individuais em
busca de lucros extraordinários que ocorrem em seu seio e concentra-se nos
movimentos estratégicos necessários para vencer a guerra contra o que
marxólogos consideram ser o seu “inimigo principal”, a “classe trabalhadora”.
Voltando a conceituação que estamos usando: o empresariado passa a se
Voltando a conceituação que estamos usando: o empresariado passa a se
preocupar muito mais com sua taxa de lucro do que com sua margem de lucro.
Mesmo que esta esteja aumentando e tenda a crescer, a classe empresarial, ao
sentir que sua taxa de lucro futura está ameaçada, boicota, às vezes até de uma
forma suicida que vai além de “deixar os bois no pasto”, a ordem econômica
que criou para atender seus interesses.
O que interessa à elite golpista implica, num estilo “ovo e galinha”, a fabricação
O que interessa à elite golpista implica, num estilo “ovo e galinha”, a fabricação
econômica e potencialização - midiática e política - da crise, é a desestabilização
do País e do seu governo. Mas ela não irá contar com a conjuntura – nacional
e internacional - que possibilitou o “milagre econômico” que o golpe cívico-milita
r engendrou à custa da repressão e do arrocho salarial. O resultado tenderá a
ser uma cena que combina as piores características das outras três e que nem
para o empresariado é desejável.
A resposta que brasileiros e brasileiras têm dado aos repórteres que perguntam
A resposta que brasileiros e brasileiras têm dado aos repórteres que perguntam
sobre sua expectativa para 2016 – um país melhor para todos – deixa claro que
há quem esteja desejando e parindo trajetórias e cenas alternativas.
Se o leitor quiser entre em contato (rdagnino@ige.unicamp.br), que envio uma
Se o leitor quiser entre em contato (rdagnino@ige.unicamp.br), que envio uma
avaliação sobre elas que tenho preparada.
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