quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Margem de lucro, taxa de lucro e 'crise política'


Mesmo que a margem de lucro esteja aumentando, a classe empresarial,

 ao sentir que sua taxa de lucro futura está ameaçada, boicota a ordem econômica.


Renato Dagnino
Comunicação Volkswagen do Brasil
Há estudos que mostram que a taxa de lucro das montadoras instaladas no país 
é três vezes maior que nos EUA: aqui é 10% e lá 3%. E isso seguramente afeta o 
lucro global dessas multinacionais. Há indícios de que ela aqui esteja entre as 
maiores do mundo.
 
De fato, é de senso comum que a opção investimento produtivo vs. aplicação
 financeira é condicionada pela comparação da taxa de lucro com a taxa de juros.
 E dado que existem empresários que investem na produção, apesar de há muitos 
anos termos aqui uma das maiores taxas de juros, é provável que a taxa de lucro 
que auferem seja também uma das maiores.
 
Essa constatação, embora seja essencial para caracterizar a falsidade do 
argumento que embasa a oposição das elites frente às políticas públicas 
implementadas na última década, não será aqui explorada.
 
Vou me ater a algo mais conjuntural. Vou tratar da “crise política” que as
 elites vêm “fabricando” no último ano e pouco ao perceberem que essas 
políticas serão mantidas gerando uma situação que as ameaça.
Inicio a abordagem, cujo caráter reducionista e “economicista” é evidente,
simplificando dois conceitos da Economia Convencional.
 
Margem de lucro (ou mais simplesmente, lucro): quantidade de dinheiro que 
“sobra” para o empresário depois de vender seu produto (ou serviço) e pagar 
o custo daquilo que necessita para produzir (matéria prima, energia, máquinas
 que se desgastam, e força de trabalho).
 
A participação da força de trabalho no custo total - o salário -, embora varie 
entre os setores econômicos, é muito significativa quando avaliado para o 
conjunto da economia. Todos os outros insumos que o empresário necessita
 incorporam o trabalho humano (e o seu custo) na sua cadeia produtiva. E o que 
é dito sobre o impacto do aumento no preço dos combustíveis no custo de 
praticamente todas as mercadorias, é ainda mais notório no caso do salário.
 
A margem de lucro, que é tanto maior quanto mais o empresário puder produzir
 e vender, é um elemento central para tomar decisões sobre seu comportamento 
futuro.
 
Se sua expectativa individual acerca de sua margem de lucro é alta, o que ocorre
quando sua demanda vem crescendo, ele prefere investir para ampliar sua
 capacidade produtiva a aplicar no mercado financeiro.
 
Mas, como se sabe, essa decisão não depende só disso. Para explicá-la preciso 
do segundo conceito considerado no cálculo empresarial: a taxa de lucro.
 
Diferentemente da margem, que é uma quantidade de dinheiro, a taxa de lucro 
é uma porcentagem. É um quociente entre duas quantidades de dinheiro: a 
margem de lucro e a quantidade que o empresário precisou gastar para produzir 
e vender.
 
Não por acaso, ela é muito semelhante à taxa de juros, que é também um quociente;
entre o juro e a quantidade de dinheiro que ele aplica.
 
Quando o custo dos insumos para produzir aumenta, o denominador do quociente 
aumenta: a taxa de lucro cai. E se a expectativa do empresário sobre sua margem 
de lucro futura não é boa, se ele prevê que ela não vá acompanhar o aumento de
 custo, se considera que sua taxa de lucro pode diminuir, ele vai preferir a 
aplicação financeira ao investimento produtivo.
 
Agora estamos prontos para “modelizar” a partir desses conceitos, a “crise
 política” fabricada pela elite empresarial.
 
O custo da força de trabalho vem crescendo sistematicamente ao longo da última
 década em consequência de políticas públicas que sobre ele incidem diretamente,
 como a que regula o salário mínimo, ou indiretamente, como a da previdência
 social, da educação, do Bolsa Família, etc. Isso levou a um aumento no custo 
de produção de bens e serviços.
 
Mas, em função de um efeito tão de senso comum quanto o que eu disse acima 
– o chamado multiplicador Keynesiano -, essas políticas, junto com outras que 
ativaram setores como o da construção civil, ao aumentarem a massa salarial, 
desencadearam o crescimento da demanda e da produção fazendo com que 
aumentasse a margem de lucro; e que os empresários, respondendo 
individualmente aos sinais do mercado, realizassem algum investimento.
 
Como em muitos setores havia capacidade produtiva ociosa, uma vez que a 
demanda ficou muito tempo estagnada, os empresários não tiveram que 
investir pesadamente em máquinas e instalações caras, o que levou a um 
aumento ainda maior da sua taxa de lucro.
 
Esse aumento foi além do setor industrial; abarcou outros, como o financeiro 
e o agronegócio. E foi potencializado por políticas defensivas em relação à 
crise global que incluíram redução de impostos, não fiscalização da sonegação 
(que atinge 10% do PIB) e por uma conjuntura favorável no mercado de
commodities.
 
A bonança infiltrou-se, inclusive, na “máquina pública”. Mas o impacto 
econômico positivo sobre o empresariado foi sendo diluído à medida que se
 incorporaram entrantes – desde multinacionais até “empreendedores” que 
saíram da informalidade -, que aumentou a entrada de importações, que as 
políticas defensivas frente a uma crise global em agravamento cobraram seu 
preço forçando ao aumento de tarifas, e que arrefeceu a demanda 
internacional de commodities.
 
Situações como essa costumam fazer com que, antes mesmo que caia a margem 
de lucro ou até independentemente das expectativas individuais dos empresários,
 piore a avaliação que, corporativamente, possuem acerca sua taxa de lucro futura.
 
Pelo menos três trajetórias - não excludentes - são historicamente verificáveis: 
(a) se se mantiverem os salários, diminui o investimento, o emprego e a demanda
 e aumenta a sujeição nacional frente à cobiça globalizada e a instabilidade social: 
a cena será a de um empate de “tragédia grega”; (b) se os empresários contarem 
com poder de coerção ideológica ou física suficientes para a reduzir o salário, 
se eles (e o Estado) investirem, e se for tecnologicamente possível gerar emprego, 
um cover do malfadado general Médici irá repetir que “a economia vai bem mas 
o povo vai mal”; (c) se for mantida ou aumentada a remuneração do capital 
financeiro (que não se limita aos juros) o resultado será uma tragédia grega 
encenada numa república de bananas com sério risco de “apodrecimento”.
 
Até aqui, supondo que existam limites, estaríamos no terreno dos conceitos e 
tendências da Economia. Adentrando ao da política (ou da Psicologia, como 
preferem alguns), é esperável que quando os empresários, e não estou falando 
dos que escutam a mídia e sim daqueles que a “constroem”, se deparam com 
a vitória de uma coalizão cuja promessa eleitoral implica um aumento do 
salário, ocorra uma “greve dos investidores”.
 
Ocorre o que os marxólogos chamam de uma “resposta de classe”. O 
comportamento do empresariado (da classe empresarial, ou o que eles chamam 
de “classe capitalista”) deixa de ser um agregado de reações individuais aos sinais 
de mercado. Passa a ser resultante de uma intenção da elite de inviabilizar pelos 
meios alcançáveis o cumprimento de promessas que a prejudica. Dizem eles, que 
numa “crise de realização do capital” (e elas seriam normais e periódicas no 
capitalismo), o empresariado ultrapassa aqueles limites. Deixa de responder ao
 mercado (mesmo quando seus sinais sejam positivos) e substitui seu horizonte
 de curto prazo - da economia -, pelo de longo prazo - da política. Deixa de se 
preocupar com movimentos táticos adequados para as batalhas individuais em
 busca de lucros extraordinários que ocorrem em seu seio e concentra-se nos 
movimentos estratégicos necessários para vencer a guerra contra o que 
marxólogos consideram ser o seu “inimigo principal”, a “classe trabalhadora”.
 
Voltando a conceituação que estamos usando: o empresariado passa a se
preocupar muito mais com sua taxa de lucro do que com sua margem de lucro. 
Mesmo que esta esteja aumentando e tenda a crescer, a classe empresarial, ao
 sentir que sua taxa de lucro futura está ameaçada, boicota, às vezes até de uma 
forma suicida que vai além de “deixar os bois no pasto”, a ordem econômica 
que criou para atender seus interesses.
 
O que interessa à elite golpista implica, num estilo “ovo e galinha”, a fabricação 
econômica e potencialização - midiática e política - da crise, é a desestabilização 
do País e do seu governo. Mas ela não irá contar com a conjuntura – nacional 
e internacional - que possibilitou o “milagre econômico” que o golpe cívico-milita
r engendrou à custa da repressão e do arrocho salarial. O resultado tenderá a 
ser uma cena que combina as piores características das outras três e que nem
para o empresariado é desejável.
 
A resposta que brasileiros e brasileiras têm dado aos repórteres que perguntam 
sobre sua expectativa para 2016 – um país melhor para todos – deixa claro que 
há quem esteja desejando e parindo trajetórias e cenas alternativas.
 
Se o leitor quiser entre em contato (rdagnino@ige.unicamp.br), que envio uma 
avaliação sobre elas que tenho preparada.

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