quarta-feira, 8 de maio de 2013

Advogado de sacerdote condenado por abuso diz que ele vive de caridade


Advogado de sacerdote condenado por abuso diz que ele vive de caridade

Em documento jurídico ao qual o Página/12 teve acesso, um advogado de Julio César Grassi, padre sentenciado a 15 anos de prisão em 2009, na Argentina, diz que réu se dedica “ao alimento, cuidado, educação e contenção de crianças”. Por Martín Granovsky

Buenos Aires - Em uma desesperada tentativa de melhorar sua imagem, o réu Julio César Grassi busca demonstrar que sua vida está marcada por uma austeridade monástica. Uma apresentação jurídica de seu advogado a qual tivemos acesso, diz sobre o sacerdote condenado: “Vive da caridade”.

Juan José Díaz afirmou em um documento ao Juizado Nacional de Primeira Instância no Contencioso Administrativo Federal N° 11, secretaria 21, que se propõe litigar sem gastos.

Em transcrição respeitosa da sintaxe original: “A presente ação se baseia na condição de pessoa humilde e de escassos recursos econômicos de seu representado, o que motiva que se encontre frente à impossibilidade de enfrentar os gastos inerentes ao processo judicial”.

O representante do réu acrescenta: “Não se celebrou convênio de quota litis nos termos da lei de honorários, e que o Sr. Julio César Grassi não é proprietário de nenhum bem imóvel e/ou móvel registrável, nem é titular de contas correntes, caderneta de poupança, investimentos bancários, títulos ou ações”.

“Outrossim”, continua o escrito, e afirma: “Vive da caridade, já que não tem salário nem remuneração alguma como sacerdote católico apostólico romano congregado na diocese de Morón, província de Buenos Aires, sendo a atividade que lhe demanda mais tempo – além da própria missão sacerdotal – a de administrar a Fundação Felices Los Niños, dedicada à alimentação, cuidado, educação e contenção de crianças carentes com problemas de família ou com falta dela”.

Em junho de 2009 Grassi foi condenado por abuso sexual reiterado contra um menino que o expediente judicial chama simplesmente de “Gabriel”, para protegê-lo. A Câmara de Cassação da província de Buenos Aires ratificou a sentença, mas os defensores de Grassi recorreram à Suprema Corte bonaerense. Enquanto isso, Grassi estava livre. Tal como informou o jornal Página/12 no último dia 22 de abril, a Sala Um da Câmara de Apelações de Morón estabeleceu que corresponde “revogar o regime alternativo à prisão preventiva” e “proceder à detenção do citado”. Os camaristas Fabián Cardozo e Elisabet Miriam Fernández entenderam que Grassi violou as condições de liberdade restrita que gozava. Segundo o tribunal, está “comprovado, sem hesitação alguma, o descumprimento, por parte de Julio César Grassi, de sua obrigação de não referir-se publicamente a nenhuma das vítimas nem a qualquer outra pessoa intimamente ligada às mesmas”, irregularidade que Grassi teria cometido em uma entrevista na televisão.

Quando comentou a decisão dos camaristas ao Página/12, o advogado Juan Pablo Gallego disse que “o que esperamos como denunciantes, e o que esperam as vítimas, não só ‘Gabriel’, mas também os outros dois meninos que denunciaram Grassi e não foram escutados pela Justiça, é que o padre seja preso, porque já foi condenado duas vezes por pedofilia, e é incrível que continue em liberdade”. Gallego opinou que “por um delito menos grave, está na cadeia o goleiro Pablo Migliore”.

Sem sentença como Grassi, o goleiro do San Lorenzo cumpre prisão preventiva desde 31 de março por suposto delito de encobrimento agravado em favor do torcedor do Boca Maximiliano Mazzaro.

Debate mundial
Em 2009 Grassi foi condenado há 15 anos pelo delito de corrupção de menores.

As atuações contra o réu argentino se produzem em meio a uma polêmica mundial sobre a pedofilia que recrudesceu depois da eleição do papa Francisco.

No dia 5 de abril, Francisco ordenou a Gerhard Ludwig Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que atue “com decisão contra os casos de abusos sexuais”. Também o instruiu para que atue em apoio daqueles que no passado padeceram “semelhantes violências” inclusive quando haja processos contra os culpáveis.

Os escândalos se tornaram mais conhecidos desde 2000 e chegaram ao ponto que no último conclave de eleição papal o cardeal escocês Keith O’Brien tomou a decisão de não participar porque disse haver tido “comportamentos impróprios” com relação a quatro sacerdotes.

Depois da inauguração de seu pontificado, Jorge Mario Bergoglio nomeou um conselho de oito cardeais para assessorá-lo no governo da Igreja Católica: o italiano Giuseppe Bertello, os latino-americanos Oscar Andrés Rodríguez Madariaga, arcebispo de Tegucigalpa, e Francisco Javier Errázuriz Ossa, emérito de Santiago; o alemão Reinhard Marx, arcebispo de Munique; o arcebispo de Bombaim, Índia, Oswald Gracias; George Pell, cardeal de Sydney, Austrália; Laurent Monsengwo Pasinya, cardeal de Kinshasha, República Democrática do Congo; e o arcebispo de Boston, Estados Unidos, Sean Patrick O’Malley. O sacerdote e vaticanólogo estadunidense Thomas Reese disse que ele “tem um histórico muito bom de limpar casos de abusos sexuais nas três dioceses nas quais trabalhou nos Estados Unidos” e que “aparece como um homem santo em sua túnica franciscana”. O cardeal usou o dinheiro da arquidiocese de Boston para compensar as vítimas de pedofilia abusadas por sacerdotes e para lançar uma campanha pública de advertência e prevenção.

O debate mundial é cada vez mais cru e menos canônico. No domingo 17 de março, Página/12 publicou que a diocese de Quilmes foi condenada a pagar 155 mil pesos mais juros de 10 anos a uma pessoa abusada quando tinha 15 anos pelo sacerdote Rubén Pardo, já falecido. O bispo era nesse momento Luis Stockle, que só advertiu Pardo por violação do Sexto Mandamento, o que proíbe cometer “atos impuros”, e o transferiu de diocese.

Castigo
Grassi não perdeu ainda a condição sacerdotal, ao menos por enquanto, mas em troca ganhou a de réu.

Segundo a Real Academia Espanhola, réu é “pessoa que, por haver cometido culpa, merece castigo”. Também “demandado em juízo civil ou criminal”. Como adjetivo tem as acepções de “acusado” ou “culpado”.

O advogado de Grassi e encarregado de demonstrar sua extrema pobreza apresentou o documento à juíza no contencioso administrativo María José Sarmiento, a mesma que saltou para a fama quando, em janeiro de 2010, decidiu contra os decretos presidenciais que autorizavam tomar reservas do Banco Central. Naquele momento o jornalista do La Nación Adrián Ventura publicou um retrato dela no qual descrevia seu ambiente: “Nascida de uma mãe saltenha (da província de Salta), seu pai cordobês (da província de Córdoba) foi um coronel que, após ir para a reserva em 1973, prestou serviços para a SIDE (Secretaria de Inteligência do Estado) no exterior, e seu irmão é um capitão da reserva. Por isso passou sua infância em diferentes destinos, foi catequista em varias paróquias e se graduou como advogada na Universidade Católica Argentina (UCA), onde também integrou o coral”.

Tradução: Liborio Júnior

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