François Hollande, um ano de desencanto na França
François Hollande não consegue passar para o país a imagem de um homem que governa, de um homem que sabe onde vai com seu projeto. O presidente francês acredita na pedagogia e nas etapas progressivas. Mas o desencanto de seus eleitores e a crise lançam uma grande sombra sobre seu método. “As coisas não se acalmarão. O pior ainda está por vir”, disse Hollande a seus assessores mais próximos. O presidente francês parece um homem convencido de que, sem mudar grande coisa do sistema, tudo vai melhorar com o passar do tempo. Por Eduardo Febbro, de Paris.
Eduardo Febbro
Paris - A manchete de uma das últimas edições do vespertino Le Monde resume em sua dimensão mais negativa o cenário que se instalou no país um ano depois de o socialista François Hollande chegar à presidência da França: “Hollande, o ano terrível”, escreve o diário, resumindo a mescla de decepção, tibieza, crise, mau humor, sensação de indecisão, retrocessos e promessas não cumpridas que acompanharam este primeiro ano da presidência.
Ainda que em proporções maiores, François Hollande teve o mesmo destino de seu predecessor, o conservador Nicolas Sarkozy: no ano inaugural do seu mandato, Sarkozy caiu a níveis de impopularidade tão rápidos como profundos: Sarkozy passou de 64% para 40%. François Hollande superou essa marca: o presidente socialista chegou ao poder com uma popularidade de 53% e caiu agora para 27%.
Aqueles que votaram nele em 2012 com a esperança de uma mudança real não sabem se foram enganados, anestesiados ou se tudo isso é culpa de uma crise mal analisada pela oposição. As realidades internacionais, as nacionais e até as pessoais barraram com todos os sonhos que nasceram com a campanha eleitoral de 2011 e 2012. O desemprego chegou em maio aos seus níveis mais altos desde 1997. Além disso, o socialismo teve que administrar um destes escândalos que o imaginário popular e um bom trabalho de comunicação dos social-democratas atribuem unicamente à direita: o caso de um ministro que, entre tantas coisas, era encarregado da luta contra a fraude fiscal, e que, como se descobriu, tinha uma conta bancária na Suíça por meio da qual sonegava dinheiro do fisco. O mencionado ministro, Jerome Cahuzac, foi ao mesmo tempo o árbitro fiscalizador e o golpista.
A sua maneira contraditória, Sarkozy e Hollande atravessaram o mesmo inferno: Sarkozy pagou o tributo de uma presidência “anormal” atravessada pelos excessos, a velocidade, a híper presença, o ego desmedido e uma forma de manejar o poder onde ele aparecia no lugar de todos os ministros. François Hollande ganhou de Sarkozy com o argumento contrário: ele se propôs ser um presidente “normal” e fazer uma presidência “normal”. O argumento foi útil como narrativa de campanha, mas uma vez no poder essa normalidade se voltou contra ele.
No início do mandato, Hollande ainda passeava pelas ruas a pé, saudando as pessoas. Mas se livrar do protocolo de um chefe de Estado foi um erro. Acentuou-se ainda mais a imagem de um homem sem ascendência, indeciso, incapaz de assumir a função com todo o aparato que se requer.
A estratégia durou um trimestre e essa mudança também o prejudicou. As realidades muito mais concretas se somaram ao desencanto: o descumprimento ou cumprimento parcial, maquiado, de suas 60 promessas de campanha, o desemprego que cresce e a impossibilidade, até agora, de reorientar a política europeia numa direção onde não sejam as políticas de rigor, os ajustes e o controle dos déficits o que desenhe o presente e o futuro de milhões de pessoas e coloque uma camisa de força no crescimento.
François Hollande ganhou em maio passado não só por que se apresentou como o “anti Sarkozy”, mas, também, como o antídoto das receitas restritivas da chanceler alemã Angela Merkel. Nada mudou: Merkel segue no trono da austeridade e Hollande se instalou no da impopularidade. A crise não se atenuou e o chefe de Estado não pode mais do que constatar que, desde que chegou ao poder, 900 pessoas por dia se inscrevem na lista do desemprego.
A socialdemocracia francesa havia prometido um mundo melhor, um país apaziguado, uma gestão mais humana, uma dimensão profundamente social da ação política. O liberalismo parlamentar tem os dentes muito sólidos para ser vencido apenas com palavras. A frase com a qual, em janeiro de 2012, Hollande lançou sua campanha soa hoje como uma canção de infância que se entoa para não esquecer que, alguma vez, a realidade foi melhor: “meu inimigo não tem nome, não tem rosto nem partido, nunca apresentará sua candidatura e jamais será eleito; no entanto, esse inimigo governa. Esse adversário é o mundo das finanças”. E esse adversário segue governando com um eixo diretor que vem da Europa e de cuja disciplina os socialistas nunca se afastaram. Os eleitores da esquerda vem o socialismo governante como uma equipe sem os atributos necessários para confrontar os impérios das finanças, os mercados sem regulação, a especulação financeira e os governos de direita liberal que pululam na Europa.
Aí está, para muitos analistas franceses, a possível tábua de salvação capaz de tirar Hollande do buraco em que se meteu. Desviar o rumo das políticas orçamentárias restritivas implementadas na Europa. Esse foi um dos grandes argumentos de sua campanha: colocar fim à austeridade e ao sacrifício para impulsionar políticas de crescimento na Europa. Até os economistas do Fundo Monetário Internacional deram razão a ele: essas políticas restritivas vigentes no Velho Continente impedem o crescimento. A França fechará 2013 com um crescimento nulo pelo segundo ano consecutivo. Hoje se enxerga uma tímida alternativa. O PS francês fez circular um texto de 21 páginas que será debatido em meados de junho em um congresso sobre a Europa, no qual interpela Hollande a “enfrentar” a direita europeia e a chanceler alemã. Angela Merkel é tratada neste texto como “egoísta” e “intransigente”.
Alguns observadores vem nesse texto a premissa de uma ruptura com as políticas atuais. O PS precisa de mudanças urgentes: as eleições municipais e europeias de 2014 podem traduzir em derrotas eleitorais o descontentamento e a decepção. No entanto, as medidas que são aguardadas vão contra essas ilusões. O Executivo socialista se prepara para cortar os subsídios familiares, para reformar outra vez o sistema de pensões para poupar dinheiro e para mudar também o seguro-desemprego.
François Hollande permanece imperturbável, fiel ao seu lema: “um mandato se julga no início e se sanciona no final”. No entanto, mesmo com medidas defensáveis e novas, Hollande não consegue passar para o país a imagem de um homem que governa, de um homem que sabe onde vai com seu projeto. O presidente acredita na pedagogia e nas etapas progressivas. O desencanto de seus eleitores e a crise lançam uma grande sombra sobre seu método. “As coisas não se acalmarão”, disse Hollande a seus assessores mais próximos. O pior ainda está por vir. A sanção se antecipou em vários anos a um homem convencido de que, sem mudar grande coisa do sistema, tudo vai melhorar com o passar do tempo.
Tradução: Katarina Peixoto
Ainda que em proporções maiores, François Hollande teve o mesmo destino de seu predecessor, o conservador Nicolas Sarkozy: no ano inaugural do seu mandato, Sarkozy caiu a níveis de impopularidade tão rápidos como profundos: Sarkozy passou de 64% para 40%. François Hollande superou essa marca: o presidente socialista chegou ao poder com uma popularidade de 53% e caiu agora para 27%.
Aqueles que votaram nele em 2012 com a esperança de uma mudança real não sabem se foram enganados, anestesiados ou se tudo isso é culpa de uma crise mal analisada pela oposição. As realidades internacionais, as nacionais e até as pessoais barraram com todos os sonhos que nasceram com a campanha eleitoral de 2011 e 2012. O desemprego chegou em maio aos seus níveis mais altos desde 1997. Além disso, o socialismo teve que administrar um destes escândalos que o imaginário popular e um bom trabalho de comunicação dos social-democratas atribuem unicamente à direita: o caso de um ministro que, entre tantas coisas, era encarregado da luta contra a fraude fiscal, e que, como se descobriu, tinha uma conta bancária na Suíça por meio da qual sonegava dinheiro do fisco. O mencionado ministro, Jerome Cahuzac, foi ao mesmo tempo o árbitro fiscalizador e o golpista.
A sua maneira contraditória, Sarkozy e Hollande atravessaram o mesmo inferno: Sarkozy pagou o tributo de uma presidência “anormal” atravessada pelos excessos, a velocidade, a híper presença, o ego desmedido e uma forma de manejar o poder onde ele aparecia no lugar de todos os ministros. François Hollande ganhou de Sarkozy com o argumento contrário: ele se propôs ser um presidente “normal” e fazer uma presidência “normal”. O argumento foi útil como narrativa de campanha, mas uma vez no poder essa normalidade se voltou contra ele.
No início do mandato, Hollande ainda passeava pelas ruas a pé, saudando as pessoas. Mas se livrar do protocolo de um chefe de Estado foi um erro. Acentuou-se ainda mais a imagem de um homem sem ascendência, indeciso, incapaz de assumir a função com todo o aparato que se requer.
A estratégia durou um trimestre e essa mudança também o prejudicou. As realidades muito mais concretas se somaram ao desencanto: o descumprimento ou cumprimento parcial, maquiado, de suas 60 promessas de campanha, o desemprego que cresce e a impossibilidade, até agora, de reorientar a política europeia numa direção onde não sejam as políticas de rigor, os ajustes e o controle dos déficits o que desenhe o presente e o futuro de milhões de pessoas e coloque uma camisa de força no crescimento.
François Hollande ganhou em maio passado não só por que se apresentou como o “anti Sarkozy”, mas, também, como o antídoto das receitas restritivas da chanceler alemã Angela Merkel. Nada mudou: Merkel segue no trono da austeridade e Hollande se instalou no da impopularidade. A crise não se atenuou e o chefe de Estado não pode mais do que constatar que, desde que chegou ao poder, 900 pessoas por dia se inscrevem na lista do desemprego.
A socialdemocracia francesa havia prometido um mundo melhor, um país apaziguado, uma gestão mais humana, uma dimensão profundamente social da ação política. O liberalismo parlamentar tem os dentes muito sólidos para ser vencido apenas com palavras. A frase com a qual, em janeiro de 2012, Hollande lançou sua campanha soa hoje como uma canção de infância que se entoa para não esquecer que, alguma vez, a realidade foi melhor: “meu inimigo não tem nome, não tem rosto nem partido, nunca apresentará sua candidatura e jamais será eleito; no entanto, esse inimigo governa. Esse adversário é o mundo das finanças”. E esse adversário segue governando com um eixo diretor que vem da Europa e de cuja disciplina os socialistas nunca se afastaram. Os eleitores da esquerda vem o socialismo governante como uma equipe sem os atributos necessários para confrontar os impérios das finanças, os mercados sem regulação, a especulação financeira e os governos de direita liberal que pululam na Europa.
Aí está, para muitos analistas franceses, a possível tábua de salvação capaz de tirar Hollande do buraco em que se meteu. Desviar o rumo das políticas orçamentárias restritivas implementadas na Europa. Esse foi um dos grandes argumentos de sua campanha: colocar fim à austeridade e ao sacrifício para impulsionar políticas de crescimento na Europa. Até os economistas do Fundo Monetário Internacional deram razão a ele: essas políticas restritivas vigentes no Velho Continente impedem o crescimento. A França fechará 2013 com um crescimento nulo pelo segundo ano consecutivo. Hoje se enxerga uma tímida alternativa. O PS francês fez circular um texto de 21 páginas que será debatido em meados de junho em um congresso sobre a Europa, no qual interpela Hollande a “enfrentar” a direita europeia e a chanceler alemã. Angela Merkel é tratada neste texto como “egoísta” e “intransigente”.
Alguns observadores vem nesse texto a premissa de uma ruptura com as políticas atuais. O PS precisa de mudanças urgentes: as eleições municipais e europeias de 2014 podem traduzir em derrotas eleitorais o descontentamento e a decepção. No entanto, as medidas que são aguardadas vão contra essas ilusões. O Executivo socialista se prepara para cortar os subsídios familiares, para reformar outra vez o sistema de pensões para poupar dinheiro e para mudar também o seguro-desemprego.
François Hollande permanece imperturbável, fiel ao seu lema: “um mandato se julga no início e se sanciona no final”. No entanto, mesmo com medidas defensáveis e novas, Hollande não consegue passar para o país a imagem de um homem que governa, de um homem que sabe onde vai com seu projeto. O presidente acredita na pedagogia e nas etapas progressivas. O desencanto de seus eleitores e a crise lançam uma grande sombra sobre seu método. “As coisas não se acalmarão”, disse Hollande a seus assessores mais próximos. O pior ainda está por vir. A sanção se antecipou em vários anos a um homem convencido de que, sem mudar grande coisa do sistema, tudo vai melhorar com o passar do tempo.
Tradução: Katarina Peixoto
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