Em 3 de janeiro, o economista-chefe do FMI reconheceu que um “erro” conduziu a instituição a subestimar o impacto negativo das medidas de austeridade que ela propõe. Assim, ele traçou uma ligação inesperada com a análise que apresenta a seguir Alexis Tsipras, porta-voz da Syriza, a principal força da esquerda grega
Alexis Tsipras
Alexis Tsipras
Nessas condições, a ideia levantada pela Syriza de uma conferência europeia sobre a dívida, no modelo da conferência de Londres sobre o passivo alemão em 1953, representa, para nós, a única solução realista e benéfica para todos: uma resposta global à crise do crédito e à constatação do fracasso das políticas em curso na Europa.
Isso é o que pedimos para a Grécia:
Uma redução significativa do valor nominativo de sua dívida pública acumulada.
Uma moratória sobre o serviço da dívida, a fim de que as somas conservadas sejam alocadas na reconstrução da economia.
A instauração de uma "cláusula de desenvolvimento", para que o reembolso da dívida não destrua na origem a reconstrução econômica.
A recapitalização dos bancos, sem que as somas em questão sejam contabilizadas na dívida pública do país.
Essas medidas deverão se unir a reformas visando a uma repartição mais justa das riquezas. Acabar com a crise implica romper com o passado que permitiu engendrá-la: trabalhar pela justiça social, pela igualdade de direitos, pela transparência política e fiscal, enfim, pela democracia. Tal projeto só poderá ser colocado em ação por um partido independente da oligarquia financeira, esse bando de donos de empresas que tomaram o Estado como refém, armadores solidários entre si e isentos de impostos, chefes da imprensa e banqueiros intrometidos (e falidos) que carregam a responsabilidade da crise e se esforçam para manter o status quo. O relatório anual de 2012 da ONG Transparency International designou a Grécia como o país mais corrupto da Europa.
Essa proposta constitui a nossos olhos a única solução, a menos que se aceite o inchaço exponencial da dívida pública na Europa, onde ela já ultrapassa, em média, 90% do PIB. É o que nos torna otimistas: nosso projeto não poderá ser rejeitado, pois a crise já ronda o núcleo da zona do euro. O adiamento só tem como consequência provocar o aumento do custo econômico e social da situação atual não apenas para a Grécia, mas também para a Alemanha e para o resto dos países que adotaram a moeda única.
Durante doze anos, a zona do euro - inspirada pelos dogmas liberais - funcionou como uma simples união monetária, sem equivalente político e social. Os déficits comerciais dos países do sul constituíam a imagem oposta dos excedentes registrados no norte. A moeda única inclusive serviu à Alemanha, ao "esfriar" sua economia depois da custosa reunificação de 1990.
Mas a crise da dívida balançou esse equilíbrio. Berlim reagiu exportando sua receita de austeridade, o que agravou a polarização social no seio dos Estados do sul e as tensões econômicas no coração da zona do euro. Surge agora um eixo norte-credor/sul-devedor, nova divisão do trabalho orquestrada pelos países mais ricos. O sul vai se especializar nos produtos e serviços de grande demanda de mão de obra com salários baixos; o norte, em uma corrida pela qualidade e pela inovação, com, para alguns, salários mais altos.
A proposta de Hans Peter Keitel, presidente da Federação Alemã da Indústria, em uma entrevista ao site do Spiegel, visando transformar a Grécia em uma "zona econômica especial",1 revela o verdadeiro objetivo do memorando.2 As medidas previstas por esse texto, cujo alcance se estende ao menos até 2020, se revelam um fracasso retumbante, que agora o FMI reconhece. Mas, para seus criadores, o acordo tem a vantagem de impor uma tutela econômica à Grécia, que a leva para a categoria de colônia financeira da zona do euro.
Sua anulação constitui, então, o primeiro passo para qualquer saída da crise: é o remédio que é mortal, e não a dose.
Será preciso também se perguntar sobre as outras causas da crise financeira na Grécia. As que conduzem ao desperdício do dinheiro público não mudaram: o custo por quilômetro de construções de estradas mais elevado da Europa, por exemplo; ou ainda a privatização das rodovias como modo de "pré-pagamento" de novos eixos... cuja construção foi interrompida.
A extensão das desigualdades não poderia ser reduzida a um efeito secundário da crise financeira. O sistema fiscal grego reflete a relação clientelista que une as elites do país. Assim como uma peneira, ele está cheio de exceções e de passes livres feitos sob medida para o cartel oligárquico. O pacto informal que, depois da ditadura, une o patronato e a hidra de duas cabeças do bipartidarismo - Nova Democracia e o Movimento Socialista Pan-Helênico (Pasok) - sela sua manutenção. É uma das razões pelas quais o Estado renuncia hoje a obter os recursos dos quais necessita pelos impostos, preferindo manter a redução contínua dos salários e das aposentadorias.
Mas o establishment- que sobreviveu apertado às eleições de 17 de junho,3 semeando o medo de uma eventual saída da Grécia da zona do euro - vive sob a assistência respiratória de um segundo pulmão artificial: a corrupção. A difícil missão que consiste em quebrar a coalizão entre meios políticos e econômicos - uma questão que não diz respeito apenas à Grécia - vai constituir uma das prioridades de um governo popular conduzido pela Syriza.
Nós reclamamos então uma moratória sobre o serviço da dívida para mudar a Grécia - sem a qual qualquer nova tentativa de saneamento financeiro fará de nós Sísifos condenados ao fracasso. Mas, desta vez, o drama não diz respeito apenas à antiga cidade de Corinto, mas a toda a Europa.
1 "BDI-Chef will Griechenland zur Sonderwirtschaftszone machen" [Chefe da Federação Alemã da indústria quer fazer da Grécia uma zona econômica especial], Der Spiegel Online, 10 set. 2012. Disponível em: .
2 Acordo assinado em maio de 2010 impondo a austeridade a Atenas em troca de sua "salvação" financeira.
3 Com 29,66% dos votos, o partido Nova Democracia (direita) foi obrigado a formar uma coalizão com o Pasok (12,28% dos votos) e a Esquerda Democrática (6,26%). Tendo chegado em segundo lugar, a Syriza registrou um índice de 26,89% (dez pontos a mais do que durante as eleições legislativas de maio de 2012), e o partido de extrema direita Aurora Dourada, 6,92% (um recuo de 0,8% em relação a maio de 2012).
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