sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os limites das redes sociais, a aversão à teoria na política e uma velha lição de Rosa Luxemburgovotar

Para a revolucionária alemã, aversão à teoria era o principal combustível do oportunismo político.

Marco Weissheimer

Para a revolucionária alemã, aversão à teoria era o principal combustível do oportunismo político.

O pragmatismo rebaixado que caracteriza boa parte do debate e da luta política hoje no Brasil apresenta alguns elementos em comum com as discussões diárias nas redes sociais sobre o atual momento político que vive o país: o império do curto prazo e do adventismo, a ausência de perspectiva história, a valorização de um empirismo radical e uma consequente aversão à teoria e à reflexão.
Há uma proliferação desenfreada de opiniões sobre tudo e todos. Uma proliferação  cercada de barulho e urgências discutíveis. Há um sistema de comunicação e de entretenimento em expansão ininterrupta que trabalha diariamente contra o silêncio, a reflexão e o sentido, oferecendo velocidade, euforia, instantaneidade, celebridade ou, simplesmente, alguma distração. Somos convocados a emitir opiniões rápidas sobre os “fatos do dia”, quer sejam ele fatos reais ou meros boatos ou especulações. E, de um modo geral, essa convocação vem sendo atendida com entusiasmo, alimentando um exército de opinadores e opinadoras, comentadores e comentadoras.
Exércitos de um homem (ou mulher) só também proliferam, lançando campanhas, abaixo-assinados, cartas dirigidas a autoridades, divulgando frases e fatos (nem sempre reais). A fauna é variada e crescentemente diversificada. Essa nova realidade não é resultado de nenhuma propriedade maligna das redes sociais ou de outras inovações tecnológicas na área da comunicação. Como ferramentas tecnológicas, elas podem servir para distintas finalidades.
Não somos mais apenas convidados e convocados a consumir, mas também a compartilhar, a curtir, a enviar torpedos, a participar de campanhas interativas, a dizer o que estamos pensando a cada instante, o que estamos fazendo, não importa se é lendo um livro de Platão ou escovando os dentes. E, por trás desses convites, cada vez mais, há uma iniciativa destinada a ganhar dinheiro. Por trás de toda essa poluiçãosemântica há uma dimensão de acumulação econômica. Uma nova fronteira de acumulação monetária e de esvaziamento semântico.
O fascínio por novas tecnologias, com o consequente anúncio de admiráveis mundos novos, não é, de fato, novo. O que também não é novidade é a combinação de um empirismo radical com a aversão à teoria na política. Sobre esse ponto, vale a pena lembrar uma polêmica travada no início do século passado entre a esquerda alemã. Uma polêmica datada, sem dúvida, em vários aspectos, mas que ainda parece dialogar com o nosso presente.
Uma lição de Rosa Luxemburgo
Rosa Luxemburgo era uma adversária ferrenha de todo e qualquer empirismo em matéria de convicção e de ação políticas. Ela só concebia a atividade política como expressão de um conjunto articulado e coerente de convicções teóricas, orientadas por um certo método. No seu caso, o método marxista. Apoiada em Marx, Rosa Luxemburgo via na história um processo no qual as forças de classe lutam pela defesa de interesses originários da evolução de relações econômicas objetivas. A tarefa da esquerda, assumido esse método, consistiria em reexaminar, a cada etapa desta evolução, o rumo apontado pelas transformações econômicas e suas consequências sobre os interesses, as concepções e a atividade política dos diferentes grupos sociais. Essa reflexão permanente deveria orientar cada passo da atividade política.
A revolucionária alemã travou uma dura polêmica com Eduard Bernstein, líder e teórico da social-democracia alemã no início do século XX. Rosa Luxemburgo criticou o que considerava ser oportunismo teórico e prático do mesmo. É interessante relembrar alguns pontos desta polêmica, pois ela tem elementos que permanecem atuais, em especial aqueles relacionados ao conceito de oportunismo na política. Ao atacar as posições de Bernstein, Rosa Luxemburgo apontou as principais características daquilo que definiu como oportunismo:
“Qual a sua principal característica, exteriormente? A hostilidade à teoria. E é muito natural, pois nossa teoria impõe à atividade prática limites muito precisos, tanto no que diz respeito às finalidades que se têm em mira como aos meios a empregar para atingi-las, como também ao próprio método de luta. Daí o esforço natural dos que buscam somente resultados práticos imediatos para libertar-se, isto é, separar nossa prática da “teoria”, tornar uma independente da outra.” (“Reforma ou Revolução”, São Paulo: Ed. Expressão Popular, 1999; tradução de Lívio Xavier; página 114)
Não é preciso ser um marxista para extrair, destas passagens, algumas ideias importantes para refletir sobre a situação política brasileira. A aversão à teoria é uma realidade da nossa atividade política cotidiana. Os interesses eleitorais imediatos e a disputa por cargos na estrutura do Estado e dos governos continuam dando o tom dos acontecimentos políticos, pelo menos na superfície.
Jogando fora o bebê com a água do banho
A derrota das experiências socialistas no século XX fez com que muitos militantes e intelectuais de esquerda jogassem fora o bebê com a água do banho. Há elementos desta tradição que, talvez, não devessem ser sacrificados ao altar do empirismo. O respeito pela teoria e pela reflexão sobre a evolução das relações econômicas objetivas, tendo em vista a formulação da estratégia de ação política, é um deles.
A crítica que Rosa Luxemburgo dirige ao fenômeno da aversão à teoria na ação política, de certo modo, transpõe, para o terreno da política, uma máxima epistemológica kantiana: a intuição sem o conceito é cega, o conceito sem a intuição é vazio. De um lado, termos um empirismo cego, desprovido de conceito e embalado apenas pelo nosso contato imediato com a experiência. De outro, um doutrinarismo vazio, abstrato e descolado da experiência. A distância entre a política e a epistemologia é grande, mas essa transposição talvez possa servir como uma metáfora de advertência sobre os perigos que acompanham a sedução do empirismo na política.

A capitulação ao pragmatismo, aos interesses particulares mais imediatos e à lógica de curto prazo que os acompanha tem um alto preço: as concessões programáticas, a flacidez dos princípios, o abandono gradativo dos conceitos que estruturam um projeto coletivo, a degradação progressiva da qualidade da ação política. Neste sentido, talvez não seja um bom caminho para a esquerda abandonar completamente algumas ferramentas metodológicas e alguns conceitos de sua melhor tradição. Ferramentas e conceitos que não se compram no Facebook ou em qualquer outra rede social, mas sim na valorização da memória, do estudo e da perspectiva histórica.

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