O fracasso do Iraque --a guerra que consumiu durante uma década os recursos econômicos dos EUA e toda a energia de sua política externa-- acabou definindo o papel desse país como guardião da segurança internacional. Com um presidente e um chefe do Pentágono que se encontram entre os mais reconhecidos críticos desse conflito, o governo americano renunciou, talvez por muito tempo, a grandes missões militares no exterior semelhantes à que naufragou nos campos de batalha iraquianos.
Antonio Caño
Iraquianos protestam contra demora na saída dos americanos do país após assinatura de acordo de desocupação militar, em 2008, que estabeleceu retirada das tropas até 2011
Dez anos depois do início da guerra, Barack Obama emitiu na terça-feira (19) um breve comunicado no qual se limitou a destacar o sacrifício dos cerca de 4.500 americanos que perderam a vida no Iraque e dos 30 mil que ficaram feridos, assim como o 1,5 milhão de civis e militares envolvidos naquelas operações e que hoje enfrentam uma difícil readaptação à vida nos EUA.
O sofrimento desses veteranos é o símbolo de uma nação que ainda tenta curar as feridas provocadas por essa guerra, tanto no que diz respeito à divisão aberta em sua sociedade como ao desprestígio da imagem do país e ao dano causado a seu sistema democrático.
Algumas dessas consequências foram reparadas. As torturas admitidas nesses anos e outras arbitrariedades jurídicas impostas pelo governo de George W. Bush e Dick Cheney, como as escutas ilegais, os sequestros ou as prisões secretas, foram expressamente proibidas. Mas Guantánamo continua aberta, o presidente mantém poderes especiais, justificados pela guerra contra o terrorismo, para matar suspeitos no estrangeiro sem controle judicial, e o país ainda debate os limites para garantir sua segurança sem violar seu quadro constitucional.
A guerra do Iraque também moveu o xadrez estratégico no Oriente Médio em um sentido contrário ao que pretendiam os ideólogos de direita que a promoveram com falsas razões: o Irã se fortaleceu, o Iraque se enfraqueceu, os aliados dos EUA se distanciaram de Washington e toda a região foi sacudida por movimentos populares completamente alheios ao controle americano. Apesar de Obama ter manifestado que "os EUA continuam trabalhando com seus parceiros iraquianos para promover nossos interesses comuns de segurança e paz", é óbvio que os acontecimentos nesse país se sucedem hoje quase sem atender à vontade americana.
O efeito mais notável da guerra do Iraque, entretanto, foi a mudança que provocou na concepção dos EUA sobre a maneira de exercer sua supremacia internacional. Apesar de Obama ter tentado no início de seu mandato diferenciar o Iraque, que chamou de "uma guerra de vontade", do Afeganistão, uma "guerra de necessidade", a verdade é que o desastre da primeira acentuou o pessimismo sobre a segunda e ambas levaram o governo a se convencer de que esse tipo de aventura, com centenas de milhares de soldados em campo, deixou de ter sentido hoje.
Obama transformou a guerra contra o terrorismo em uma batalha de drones (aviões teleguiados) dirigidos de escritórios e bases militares a milhares de quilômetros do cenário de combate, um método talvez reprovável do ponto de vista ético, mas sem dúvida de muito menor envolvimento militar e com menos riscos pessoais e políticos.
Na primeira vez em que Obama teve de decidir sobre um ataque em um país estrangeiro, a Líbia, optou por uma operação cirúrgica de poucos dias de bombardeios. E esse modelo é o que se contempla diante de possíveis intervenções futuras na Síria ou no Irã.
A política externa americana tornou-se mais prudente em consequência do Iraque. As forças armadas americanas são dirigidas hoje por Chuck Hagel, um veterano do Vietnã que teve sérias dificuldades para sua confirmação no Senado por causa de seu passado pacifista. Os governantes americanos desta época falam em diplomacia mais que em ameaças, e se insiste nas vias do diálogo até o limite da exasperação de alguns, como no caso de Irã e Israel.
Também como lição aprendida no Iraque, sem renunciar expressamente às ações unilaterais, a Casa Branca prefere agora o multilateralismo, como se demonstra na intensa negociação em curso com a Rússia sobre a Síria ou com a China a respeito da Coreia do Norte.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
|
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário