sexta-feira, 1 de março de 2013

Novos desafios são mais exigentes



Por Diego Viana | De São Paulo
Leo Caldas/Valor / Leo Caldas/Valor
Programa de construção de cisternas é bem-sucedido, mas regiões interioranas precisam diversificar atividade econômica para não depender de transferências
Omodelo de transferências de renda adotado no Brasil, que explica grande parte da redução dos índices de pobreza no Nordeste, pode ter chegado a seu ponto de esgotamento. Segundo o economista Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC (UFABC) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), os desafios que envolvem a inserção econômica de populações excluídas, rurais e urbanas vão exigir, daqui por diante, um esforço muito maior para dar resultados satisfatórios. "À medida que se avança na transferência dos valores mínimos, outros problemas vão surgindo. A agenda precisa acompanhar essa evolução", diz.
Favareto analisou a economia da microrregião do Cariri paraibano, cujo maior município, Monteiro, tem cerca de 30 mil habitantes, em pesquisa de 2011, em coautoria com Ricardo Abramovay, Maria do Carmo D'Oliveira, João Fábio Diniz e Beatriz Saes. Na região, os pesquisadores notaram que a visível melhora de renda se expressava praticamente só em empregos de comércio e serviços. "Ou seja, a continuação dessa melhora depende muito da entrada de novos recursos. Não se gerou uma economia verdadeiramente autônoma nessa região, porque não houve diversificação das atividades", afirma o economista.
Os projetos de expansão econômica da região, porém, não favorecem a diversificação da atividade econômica e a inclusão da população local no processo produtivo. "Grandes projetos de pecuária empregam uma pessoa a cada 400 hectares. A soja emprega o dobro disso, uma a cada 200 hectares. Isso é extremamente concentrador e é o oposto do que precisamos para combater a pobreza a longo prazo", diz Favareto.
Ele cita o economista e filósofo indiano Amartya Sen como autor da melhor definição disponível para a miséria. Para Sen, a pobreza consiste na privação de capacidades, ou de potências de ação, o que inclui o acesso à educação, à saúde e "todas as capacidades básicas dos indivíduos que lhes possibilita terem uma vida saudável, interpretar adequadamente o mundo e se virar dentro dele", completa o economista.
"Todo mundo concorda, inclusive o governo, que a pobreza não é só uma questão monetária", afirma Favareto, que considera bem-sucedidos os programas sociais federais executados nos últimos dez anos. "Minha preocupação é com as perspectivas futuras do combate à pobreza. Existe um problema de foco." O economista refere-se ao programa Brasil Sem Miséria, lançado em 2011, que inclui iniciativas de inserção produtiva, tanto urbana quanto rural.
Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff anunciou em Brasília a expansão do programa, visando atingir mais 2,5 milhões de pessoas, para complementar a renda de famílias que ganham menos de R$ 70 por pessoa por mês. O cadastro ativo do programa estima que ainda haja 700 mil famílias vivendo em pobreza extrema e ainda não contempladas pelas transferências de renda do governo. O programa de combate à pobreza assumiu, na ocasião, novo slogan: "O fim da miséria é só um começo". No dia seguinte, durante a comemoração dos dez anos de governo do PT no governo federal, o ex-presidente Lula rebateu críticas do senador Aécio Neves (PSDB-MG), lançando a candidatura de Dilma à reeleição.
De acordo com o sociólogo Jessé de Souza, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o enfrentamento da pobreza no Brasil peca por falta de "clareza em relação aos inimigos que se está enfrentando". A armadilha na qual as iniciativas caem, o que pode valer também para parte das críticas feitas a programas como o Bolsa Família, é denominada "economicismo" pelo sociólogo, isto é, "a crença generalizada de que o comportamento humano é determinado unicamente por estímulos econômicos".
"Minha preocupação é com as perspectivas futuras do combate à pobreza. Existe um problema de foco", afirma Favareto
Essa crença impede que se enxerguem outras determinantes da situação social das populações, como o "capital cultural" e o "capital social". Nas pesquisas que levaram ao desenvolvimento de denominações como "novos batalhadores" e "ralé brasileira", para se contrapor à noção de que o crescimento econômico da última década produziu uma "nova classe média", o sociólogo identifica, mesmo na parcela da população cuja renda aumentou, uma "classe de desclassificados sociais".
Ou seja, na falta de uma atenção a elementos não diretamente econômicos, essas populações continuam sofrendo da impossibilidade estrutural "de dispor dos estímulos afetivos e das precondições psíquicas, cognitivas e emocionais para a incorporação do 'conhecimento útil' necessário à reprodução do capitalismo competitivo", nas palavras de Souza.
Assim como Souza, Favareto considera que o programa se centra excessivamente nos produtores rurais como indivíduos. Por isso, as formas de ajuda oferecidas consistem em assistência técnica (prometendo acompanhar 253 mil famílias de agricultores até 2014), distribuição de sementes e acesso à água (com meta de beneficiar 750 mil famílias, sobretudo com a construção de cisternas). Sem negar a importância da assistência aos produtores, Favareto adverte que o problema da pobreza rural não decorre de falhas individuais, mas "da precariedade do entorno socioeconômico, em regiões com pouco dinamismo econômico e pouca diversidade produtiva".
O economista afirma que essa incompreensão dos mecanismos de perpetuação da pobreza são parte da explicação para resultados díspares das políticas de inserção econômica nas grandes cidades e nas áreas rurais. Nas regiões urbanas, a melhora dos indicadores sociais foi muito mais veloz, nos últimos dez anos, do que no campo.
Favareto cita outros três motivos que os programas de combate à miséria não conseguiram combater. O primeiro é a economia de escala: tanto para as empreiteiras quanto para o gestor público, vale mais a pena executar uma obra, por exemplo, de saneamento básico, na periferia de uma grande cidade do que fazer diversas obras pequenas no interior. "A escala produz uma certa inércia que favorece as cidades e prejudica o interior", diz.
O segundo problema apontado é a capacidade institucional de gestores públicos em municípios pequenos. "Nas menores cidades do interior, as prefeituras não têm condições de montar equipes técnicas capazes de examinar projetos técnicos, pensar em diretrizes de expansão da ocupação do solo e assim por diante", observa. "Como esses municípios vão acessar as verbas para promover a diversificação econômica de que precisam?" O terceiro problema decorre diretamente do segundo: os recursos nos ministérios estão igualmente disponíveis para prefeitos de grandes capitais e pequenos municípios, sem levar em conta as especificidades de cada um. "Precisamos de uma estratégia de discriminação positiva para essas pequenas cidades, com fundos específicos, modalidades particulares de contratação e assim por diante", afirma.
Um exemplo bem-sucedido, que o economista cita para efeito de contraste, é o programa Luz para Todos. "Isso aconteceu justamente porque o governo não foi diretamente responsável pela expansão da malha elétrica, mas colocou como exigência nos contratos com as concessionárias." Outro exemplo é o programa de construção de cisternas no semiárido nordestino, mas o economista faz a ressalva de que esse programa não tem a mesma complexidade estrutural que, por exemplo, a expansão da educação ou do saneamento básico, em que o avanço é muito mais lento.
Favareto cita como modelo de integração regional o esforço europeu para desenvolver suas regiões periféricas, tanto a Península Ibérica, ao fim das ditaduras de Franco, na Espanha, e Salazar, em Portugal, quanto a absorção do Leste Europeu com a queda do comunismo. Embora a crise atual ponha em xeque as iniciativas do Velho Continente, diz o economista, "o tema da coesão social está no coração da União Europeia".
No Brasil, programas como os Territórios da Cidadania tentaram importar o programa europeu, mas, segundo Favareto, pecaram pela abordagem exclusivamente social. "Participavam os Ministérios da Saúde, Educação, Desenvolvimento Agrário. Mas não os da Indústria e Comércio, Ciência e Tecnologia, Turismo. Não se pode pensar em reconversão produtiva das regiões interioranas sem a participação dessas áreas."


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