terça-feira, 26 de março de 2013

Os descendentes de árabes no Brasil na vanguarda



Filhos, netos e bisnetos de árabes se destacam em suas profissões no Brasil. São os casos de Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo, e do médico Alexandre Kalache, um dos maiores especialistas em saúde do idoso.


São Paulo – Muitos dos imigrantes árabes que chegaram ao Brasil a partir do final do século 19 foram trabalhar como comerciantes, mascates. Embora até hoje a comunidade seja identificada com o comércio, com sobrenomes árabes em destaque nos letreiros de lojas, faz tempo que uma parcela significativa dos descendentes daqueles imigrantes se enveredou por outras profissões. Mais do que atingir o sucesso, filhos, netos e bisnetos estão atualmente na vanguarda de suas áreas de atuação.

Não é preciso pensar muito para lembrar de um nome árabe em destaque. Na política, estão entre os personagens de maior relevo no cenário nacional, como o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, seu antecessor, Gilberto Kassab, e o vice-presidente da República, Michel Temer. Todos de origem libanesa.

Na literatura, o premiado escritor amazonense Milton Hatoum; na moda, nomes como Fauzi Hatem e Amr Slama; entre os executivos de grandes multinacionais, o egípcio Tarek Farahat, presidente da Procter & Gamble para a América Latina; no comércio, o filho de libaneses Houssein Jarouche, dono da Micasa, uma das mais badaladas lojas de móveis e decorações do País, que tem do design seu principal apelo.

Vários outros podem ser citados em áreas como o direito, a medicina e o ensino universitário. A ANBA entrevistou duas personalidades que se destacam hoje nos dois últimos campos.

Mulher na liderança

Soraya Smaili, 50, assumiu este ano o cargo de reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Nascida em São Paulo, filha de pais libaneses, comanda uma das mais importantes instituições de ensino superior do País com o objetivo de fazer uma gestão que atenda as demandas de alunos e professores.
Divulgação
Reitora pretende buscar parcerias no Oriente
 “O ponto principal é a infraestrutura. Essa é nossa prioridade zero. Isso é a política de gestão de pessoas”, disse ela. Formada em Farmácia pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado, doutorado e livre docência em Farmacologia, Smaili conta que sempre esteve envolvida em movimentos por melhorias na universidade.

“Sempre me engajei nas manifestações por democracia, luta social e defesa da universidade pública”, afirmou. Daí para a candidatura à reitoria da Unifesp “foi um caminho natural”. “Vamos fazer um planejamento de infraestrutura para melhorar as condições de pesquisa”, declarou.

Ela explica que também irá trabalhar para a capacitação dos docentes e dos técnicos que trabalham nos hospitais e laboratórios da Unifesp. Vale lembrar que a Faculdade Paulista de Medicina, um das instituições de ponta no gênero no Brasil, faz parte da universidade. “Em breve, teremos 1,4 mil docentes, quase a totalidade de doutores. Eles precisam de incentivo e valorização para continuar suas pesquisas”, afirmou.

Ex-diretora do Instituto da Cultura Árabe (Icarabe) e militante das causas árabes, Smaili acredita que é possível ligar a Unifesp a universidades do Oriente Médio e Norte da África. “É vocação da universidade fazer parcerias com outras. Temos que incentivar a internacionalização em todos os seus aspectos. É preciso olhar para esse Oriente, que não tem sido olhado pelas nossas universidades, que focam tanto nos Estados Unidos. Há muitos avanços do Oriente que não têm sido trazidos para cá e nem os avanços do Brasil levados para lá. É possível incentivar parcerias”, apontou.

Smaili participou da fundação do Icarabe, criado por iniciativa de seu marido, o engenheiro e matemático Francisco Miraglia, com quem é casada há 10 anos. “Ele ia muito a Paris e se perguntava por que o Brasil não tinha algo como o Instituto do Mundo Árabe de lá”, contou.

Com a união de diversos intelectuais e membros da comunidade árabe, o Icarabe foi fundado no final de 2004, com o objetivo de difundir a cultura árabe no Brasil. Smaili avalia que, da criação do instituto aos dias atuais, houve boas mudanças na percepção dos brasileiros em relação aos árabes.

“Acho que melhorou muito. Acho que a gente passou a falar de cultura, que antes não se falava. Depois do 11 de setembro, os descendentes queriam se esconder”, lembrou. “O curso de árabe da USP também passou a ter uma projeção enorme. Fizemos mostra de cinema, eventos de poesia. O Icarabe foi uma semente irradiadora”, disse.

Os pais da reitora são do Vale do Bekaa, no Líbano. Vieram para São Paulo e se casaram aqui em 1955. Dos quatro filhos, ela é a única mulher. Smaili fala o árabe popular do Líbano, escreve um pouco do clássico. Teve professor particular do idioma da infância à adolescência. “Meus pais tinham a preocupação de alfabetizar a gente em árabe. Eles não queriam que os filhos perdessem a língua.”

Foi para o Líbano com 17 anos acompanhada da mãe e passou oito meses lá. “Foi minha primeira experiência no mundo árabe.” Até entrar na faculdade, aos 19 anos, teve uma criação tradicional dentro dos costumes árabes e da religião. É muçulmana sunita.

Envelhecimento com saúde
Governo do Sul da Austrália
Kalache: gosto pelas histórias dos mais velhos
 O médico carioca Alexandre Kalache, 67, filho de imigrante sírio, gostava mais de ouvir as histórias dos adultos da família do que de brincar com as crianças da sua idade. Essa convivência com os mais velhos depois influenciaria na decisão de Kalache em fazer da medicina, sua profissão, um instrumento para melhorar a qualidade de vida dos idosos. Hoje, ele é um dos maiores especialistas do mundo em geriatria e envelhecimento, e atribui o sucesso na carreira ao pai, que chegou ao Brasil em 1926, aos 16 anos.

“Ele veio para o Brasil para vencer. Tinha apenas uma mala. Chegou ao Rio de Janeiro, trabalhou como mascate e depois abriu uma pequena loja de tecidos na Rua da Alfândega (no Centro da cidade). Ele era de poucas palavras, mas dizia a mim e a meus três irmãos: 'Vocês têm tudo o que não tive, então vou lhes dar todas as oportunidades’. Não podíamos falhar, porque se ele não tinha quase nada e foi bem sucedido, como nós, que tínhamos tudo, iríamos falhar?". Kalache não falhou.

Ele se formou na Universidade do Brasil, hoje Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e partiu para a Europa. É doutor em saúde pública pela universidade de Oxford e fundador da unidade de epidemiologia do envelhecimento da Universidade de Londres. É professor também da Universidade de Riad, na Arábia Saudita, e consultor sênior sobre envelhecimento global da Academia de Medicina e de Nova York. No Brasil, coordena o escritório regional do Centro Internacional de Longevidade (ILC). Entre 1995 e 2007, foi diretor do programa de envelhecimento e saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS).

A maior parte da sua carreira profissional foi dedicada a estudar o envelhecimento, a prolongar a expectativa de vida das pessoas e, sobretudo, a qualidade de vida delas em sua parte final. Nada disso, porém, foi por acaso. Ele afirma que foi o gosto pelas histórias que os idosos contavam que teve “um estalo”, que o levou a aprofundar seus estudos na área. “Pude transformar o interesse pelo envelhecimento na minha vocação e atribuo isso à formação que eu tive”, disse.

Kalache vai à Arábia Saudita uma vez por ano para dar aulas e supervisionar pesquisas. Com frequência vai a outros países árabes, como o Líbano, Bahrein e Emirados Árabes Unidos. “Não viajo à Síria, mas quando vou ao Líbano sou muito bem recebido, me sinto como se estivesse em casa”, contou.

Seu pai morreu em 1997, aos 89 anos. A mãe, de 94 anos, é descendente de portugueses e italianos e vive no Rio de Janeiro. Além de Kalache, médico, o casal teve um filho advogado, de 69 anos, um engenheiro, de 63, e uma arquiteta, de 59. Todos, diz Kalache, se destacaram em seus campos profissionais, assim como muitos dos filhos de imigrantes árabes. “Assim como meu pai, muitos cresceram no Brasil e, por isso, seus filhos tiveram a oportunidade de seguir outras carreiras”, observou.

O médico já visitou Antióquia, a cidade em que seu pai nasceu e que foi incorporada à Turquia pelo Império Otomano. Foi esse o motivo que o levou a imigrar para o Brasil em busca de prosperidade e paz. “Meu pai não ficou preso à sua terra natal, não tinha o costume de dizer que lá era melhor do que aqui. Ao contrário, ele até se naturalizou. Costumava dizer que gostava muito do Brasil porque este país deu a ele as oportunidades que não teve lá.”
*Colaborou Alexandre Rocha

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