terça-feira, 26 de março de 2013

Poucos árabes na biblioteca



A publicação de obras de autores árabes vem crescendo no Brasil, mas o volume de livros lançados é pequeno diante do tamanho do mercado editorial.


São Paulo – Apesar dos árabes serem conhecidos como bons contadores de histórias, os seus enredos não fazem parte do cotidiano de leitura da maioria dos brasileiros. Especialistas dizem que aumentou o número de obras de autores da região nas livrarias do País e que isso é reflexo de um Oriente mais conhecido por estes lados. Mas é consenso: o volume de livros assinadas por Mohameds e Mustafás e traduzidos para o português do Brasil é um grão de areia diante do tamanho do mercado editorial nacional.
Divulgação
Sleiman: traduções do árabe são ínfimas
Entre os títulos árabes que chegaram às livrarias no ano passado estão “Adonis”, livro de poesias do sírio de mesmo nome, publicado pela Companhia das Letras com tradução de Michel Sleiman; o quarto volume do clássico “Livro das Mil e Uma Noites”, publicado pela editora Globo com tradução de Mamede Mustafá Jarouche; e “Yalo – O Filho da Guerra”, lançado pela Record e traduzido por Safa Jubran.

No catálogo de publicações de 2012 da editora Record também estiveram “Você Mudou Minha Vida”, do argelino Abdel Sellou, e “Anatomia de um Desaparecimento”, do líbio Hisham Matar. O primeiro foi traduzido do francês. O segundo, do inglês. Em 2010 saiu do forno “O Segredo do Calígrafo”, do sírio Rafik Schami, traduzido do alemão pela Estação Liberdade, editora que lança neste ano “O Chamado do Poente”, do egípcio Gamal Ghitany, traduzido do árabe por Safa Jubran.

Jubran, que é uma das referências em língua árabe no Brasil, percebe aumento na publicação de autores de países da região, mas diz que não é muito intenso. Michel Sleiman, poeta e professor de Língua e Literatura Árabe da Universidade de São Paulo (USP), tem opinião similar. “Houve um aumento, mas no mercado editorial [brasileiro] isso é ínfimo, muito pequeno”, afirma Sleiman. O que tem acontecido, conta Jubran, é que as editoras estão preferindo traduções diretas do árabe em vez de partir de versões da obra em inglês ou francês, por exemplo.
Um dos motivos que fez as editoras brasileiras olharem um pouco mais para o mundo árabe foi o atentado de 11 de Setembro, acreditam os especialistas. “O Oriente Médio é foco de notícia, desde que descobriu petróleo, é notícia, e com o 11 de setembro o mundo árabe e islâmico ficou mais visível, criou uma cara, começou a ter uma imagem mais madura aqui”, reforça Sleiman. Com isso, acredita ele, o grupo de tradutores do árabe para o português, acabou aparecendo. Não há, porém, diz Sleiman, editoras com uma linha editorial voltada ao mundo árabe.
Isaura Daniel/ANBA
Safa Jubran: influência europeia


Apesar de terem descoberto as traduções diretas do árabe, em geral as editoras brasileiras ainda seguem, segundo Jubran, as indicações das editoras europeias. “Elas apostam na tradução de uma obra se ficam sabendo que já foi traduzida para outra língua e casou algum impacto”, afirma a tradutora.
Há entre algumas, porém, disposição para mudar isso. “Temos contato com algumas editoras árabes, mas os resultados mais concretos vieram, em alguns casos, das editoras que os representam na Europa. Está na hora de termos contatos direto. Já temos algo com o Egito e o Líbano”, afirma o diretor editorial da Estação Liberdade, Angel Bojadsen.

O diretor editorial está esperançoso na parceria travada com Jubran e acredita que ela pode ir além de “O Chamado do Poente”. Ter um tradutor do árabe de confiança é importante para as editoras, já que normalmente elas não têm profissionais internos que dominem a língua. Carlo Carrenho, especialista em mercado editorial e criador do site Publishnews, afirma que o idioma é o principal problema para publicação de obras árabes aqui. No Brasil dominam, segundo ele, traduções do inglês, francês e espanhol. Com todas as demais línguas, diz Carrenho, ocorre a mesma dificuldade, inclusive com a publicação da literatura brasileira em outros países.

Carrenho afirma que não percebe um aumento de publicações de livros de autores árabes no Brasil. Os entraves, para ele, são a ausência de best-sellers vindos de países árabes, de programas de apoio à tradução da região (assim como há no Brasil) e de divulgação da literatura árabe por aqui, além da dificuldade de encontrar tradutores. O Brasil mantém um programa, por meio da Biblioteca Nacional, que dá bolsas de auxílio para editoras estrangeiras traduzirem obras originalmente brasileiras. O especialista afirma desconhecer programas árabes similares.

Um mundo na estação Oriente

Editores como Bojadsen, que abriram as portas à literatura árabe, mostram-se encantados com a riqueza cultural de lá. “Trabalhar com o mundo árabe me parece normal e até uma imposição, pela abrangência e diversidade que ele oferece, pelo peso histórico de suas diversas culturas. Por outro lado, o mundo editorial é limitado e os autores sofrem muito para divulgar seu trabalho”, afirma. A Estação Liberdade publica obras do Extremo Oriente. “Olhar para o Oriente próximo é uma decorrência de nossa abertura para outros mundos”, diz.

Bojadsen já esteve com Gamal Ghitany e Rafik Schami, com o primeiro um pouco antes da Primavera Árabe eclodir no Cairo. “O fato literário vem antes da Primavera Árabe, mas ela teve a função de catalisar algumas coisas”, afirma o diretor editorial, contando do seu projeto de reunir depoimentos de todos os autores do mundo árabe e muçulmano que publicaram livros pela editora Estação Liberdade, inclusive o afegão Atiq Rahimi e o argelino Rachid Boudjedra, do qual foi traduzido “Topografia ideal para uma agressão caracterizada”. “O interessante é que todos esses autores têm histórias de vida muito interessantes que são a base de suas respectivas literaturas. Formação, influências literárias, exílio, repressão e resistência, engajamento, está tudo lá.”

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