– 29 DE JANEIRO DE 2013
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Nas redes sociais, espalham-se protestos contra autoridades que buscam esconder poluição da água e ar. Tentativa de controlar internet persiste. Será suficiente?
Por Alex Pasternack, na Vice
Durante o final de semana dos dias 5 e 6 de janeiro, em Handan, uma cidade de 1,3 milhão de pessoas no norte da China, a água acabou de repente. O governo local tomou a rápida decisão de cortar o fornecimento de água depois que um vazamento químico ocorrido rio acima cinco dias antes, na cidade de Changzhi, não pôde mais ser encoberto. Depois que cidadãos foram à internet exigir uma explicação de por que não haviam sido informados sobre o vazamento, a resposta de Wang Yiping, uma autoridade de Changzhi, foi a seguinte:
“Reportamos o incidente de acordo com os procedimentos, não atrasamos o alerta em cinco dias. Enquanto a poluição estiver dentro das fronteiras de Changzhi, não é necessário informar o governo provincial, podemos lidar com isso por conta própria, só precisamos informar o incidente ao governo provincial se a poluição sair da cidade de Changzhi. Não sei de mais detalhes.”
Mas os residentes de Handan sabiam. Nove toneladas de anilina, um produto químico tóxico, tinham vazado no suprimento de água, em quantidade 700 vezes acima do limite seguro.
O incidente recebeu pouca atenção fora da China — apenas mais um dos milhares de acidentes de poluição aquática registrados todos os anos no país — mas isso desencadeou uma nova tempestade a respeito da censura, logo quando o novo governo de Pequim parecia estar podando a liberdade de expressão na mídia tradicional e online.
No dia 31 de dezembro de 2012, um vazamento químico numa indústria estatal na cidade de Changzhi, nos arredores da província de Shanxi, liberou nove toneladas de anilina no rio Zhanghe. Trinta toneladas adicionais de derivado de benzeno, que é usado na fabricação de pigmentos, herbicidas e poliuretano, vazaram num reservatório em desuso. Mas a contaminação, que afetou o principal suprimento de água de Handan, não foi informada pelo governo local até o sábado, depois que a água da cidade foi cortada sem nenhum aviso. O fornecimento foi restabelecido um dia depois, no domingo, depois que a cidade passou a usar uma fonte subterrânea.
“Me desculpo profundamente por isso, que foi resultado de entendimento e vigilância insuficientes sobre eventos de poluição ambiental”, disse o prefeito de Changzhi, de acordo com o People’s Daily. O Financial Times informou que as autoridade de Changzhi ordenaram o fechamento de 112 fábricas de produtos químicos pra inspeções de emergência. A pressão recaiu sobre o governador da província, Li Xiaopeng, filho do popular ex-primeiro ministro chinês Li Peng.
Mas a internet não comprou a desculpa de Shanxi. “Óbvio que esse argumento é um sofisma. Não seria tarde demais pra informar o vazamento se isso já tivesse afetado outras cidades?”, escreveu Zhu Lijia, professor de administração pública da Academia de Governança Chinesa, no Sina Weibo. E ele não estava sozinho: de acordo com o Global Voice Online, uma pesquisa no Sina Weibo por notícias do incidente de sábado rendeu colossais 2.933.094 resultados, sendo o assunto mais comentado do dia. Um usuário de Handan escreveu:
“Bebemos água contaminada por cinco dias, é difícil imaginar as consequências. Quem vai se responsabilizar por isso? Quem pode se dar ao luxo de ser responsabilizado? Não há outro jeito, sugiro que todo mundo vá fazer uma lavagem estomacal. No entanto, não podemos fazer nada pra eliminar os riscos que a poluição já trouxe pra nós, vivemos sempre sob a ameaça da verdade oculta, é desesperador!”
Ma Jun, diretor do Instituto De Questões Públicas e Ambientais de Pequim, disse ao Wall Street Journal que o incidente foi “sério”, tanto pela quantidade de poluentes quanto pela toxicidade da anilina. O maior problema, no entanto, foi o atraso na liberação da informação. “O governo devia fazer uma investigação completa”, disse Ma.
O incidente aconteceu bem quando a censura estava se tornando um tópico quente na internet chinesa e nas redações mais progressistas do país. Em Cantão, ao sul, a briga começou quando os censores substituíram um editorial do jornal liberal Southern Weekend que pedia a realização “do sonho do constitucionalismo na China” com um artigo que louvava o Partido Comunista. Na segunda, a agitação pública por causa da censura começou a se espalhar pelas ruas.
Os censores de Pequim são geralmente tolerantes com reclamações públicas online — desde que elas não ataquem os próprios censores, e que não se cheguem ao mundo real. Mas um raro protesto do lado de fora do escritório do jornal no final de semana pedia por liberdade de imprensa, liberdade de expressão e eleições livres, com gritos de aprovação de dezenas de pessoas reunidas ali. Nenhum dos vinte policiais no local fez qualquer coisa pra impedir os discursos ou remover os cartazes. Uma grande faixa segurada por dois homens dizia simplesmente: China Livre. Em algum momento uma pessoa gritou: “Abaixo o Partido Comunista. O Partido Comunista deve renunciar!”. Os editores do jornal em greve voltaram ao trabalho, e fala-se na demissão do chefe local de propaganda.
Policiais separam um partidário do Southern Weekend dos esquerdistas contrários aos protestos, do lado de fora do escritório do jornal em Cantão.
Mas as repercussões se espalharam por Pequim. Há dias, os editores do Beijing News, uma publicação irmã do Southern Weekend, perderam um impasse dramático com as autoridades sobre a reimpressão de um editorial pró-governo que argumentava que as liberdades dos partidários do jornal estavam sendo apoiadas por ativistas estrangeiros de direitos humanos. O Beijing News foi ameaçado de fechamento, e seu editor, Dai Zigeng, e o editor-chefe, Wang Yuechun, foram ameaçados pra que renunciassem. “Realmente não entendemos”, disse um dos jornalistas do jornal. “Não é suficiente que o Beijing News seja alvo de censura e inspeções diárias? Agora parece que eles podem matar uma organização de notícias tão facilmente quanto podem matar uma formiga.”
Outra nova lei visa reforçar a autocensura online. Ela estipula que os blogueiros precisam usar seus nomes verdadeiros, efetivamente rasgando o véu que permite que amadores revelem casos de corrupção, poluição e outras injustiças sociais. “Depois que o registro de nomes verdadeiros na internet entrar em vigor, os esforços anticorrupção serão coisa do passado”, tuitou Duan Wanjin, um advogado de Xian, no Sina Weibo na noite de sábado. “No futuro, se o cidadão quiser denunciar esses malfeitores online, terá que se considerar um homem-bomba, morrendo, mas tendo êxito por uma causa nobre.”
Jornais do governo como o People’s Daily insistem que revelar suas identidades ao governo vai ajudar as autoridades da China a dar mais privacidade aos cidadãos na internet. O Global Times procurou o lado bom da nova lei. “Isso vai regular pela primeira vez que o Estado deve proteger informações online que carreguem a identidade pessoal de alguém, e isso diz respeito à privacidade, juntamente com medidas punitivas pra violações”, lê-se no editorial. Apesar de outro atolamento em relação à internet chinesa (depois de interrupções em todo o país, o Grande Firewall provavelmente foi atualizado e o Google parou de alertar os usuários quando suas buscas estão sendo censuradas), muitos estão apostando que o governo não conseguirá fazer cumprir leis como essa. Há também quem zombe da ideia toda, já que os editoriais do People’s Daily não são assinados.
Como Adam Minter apontou na Bloomberg, críticos mais literários escreveram em seus blogs que muitos dos heróis revolucionários da China usaram pseudônimos. Como escreveu Xi’an Dragon, um microblogueiro de Sina Weibo: “Se Lu Xu [um escritor chinês seminal] e Mao Zedong ainda estivessem vivos, eu pediria a opinião deles sobre o registro de nomes verdadeiros. Afinal de contas, Lu Xun usou muitos nomes e Mao Zedong também publicou muitos artigos sob muitos nomes diferentes em vários jornais. O registro de nomes verdadeiros na internet se tornará o escândalo político mais obscuro da história humana: O Escândalo do Registro de Nomes Verdadeiros”.
A maior ironia é que, mesmo que o bug do registro de nomes verdadeiros se espalhe pela China, os dados sobre as participações de autoridades nas propriedades do país — alvo de uma reforma de transparência prometida há muito tempo — permanecem escondidos do público. Isso dificulta responsabilizar funcionários do governo, o que torna difícil evitar acidentes mortais, de choques de trem em alta velocidade a rios cheios de produtos químicos tóxicos.
Um editor do ifeng news, Meng Hui, colocou isso de maneira mais simples:
新闻自由,关系到亿万生灵的生命 – Liberdade de imprensa diz respeito a milhares de vidas.
Mesmo depois de décadas de outros incidentes relacionados a questões de saúde e ambientais sendo encobertos, a memória da ocultação notória do governo no caso do surto de SARS de 2003 que matou mais de 300 pessoas ainda não se apagou.
De acordo com a agência de notícias Xinhua, amostras da água do rio tiradas nas proximidades da fronteira entre Shanxi e Hebei atingiram aproximadamente 720 vezes o nível aceitável de anilina na água. A substância é provavelmente cancerígena e pode causar danos ao fígado e aos rins se consumida em grande quantidade.
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