terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Ortodoxia e gás tornam a Bolívia um caso de sucesso



Por Fabio Murakawa | De São Paulo
A Bolívia de Evo Morales se tornou um inesperado caso de sucesso na América do Sul. Puxado pela receita com o gás, que permitiu maiores investimentos do governo e a ampliação do gasto social, o PIB (Produto Interno Bruto) do país cresceu 5,2% em 2012, um dos maiores índices da região, mantendo o ritmo forte dos últimos anos.
O discurso "anti-imperialista" e a agressiva política de estatizações remetem ao venezuelano Hugo Chávez. Mas, ao contrário do que ocorre na Venezuela, onde o déficit fiscal gira em torno de 15% do PIB, Evo adota uma política fiscal ortodoxa, com controle das contas públicas e superávit nominal, que no ano passado foi de 1,8% do PIB.
Isso elevou a confiança externa no país e permitiu à Bolívia vender no mercado externo US$ 500 milhões em títulos de sua dívida em outubro, a primeira oferta do gênero feita pelo país em cem anos, a uma taxa de juros de 4,86% ao ano.
"O governo Evo Morales, como todo governo revolucionário, começou com um discurso muito forte e agressivo, e todos esperavam que a economia boliviana se deteriorasse", disse ao Valor o economista Armando Mendez, presidente do Banco Central da Bolívia entre 1992 e 1993. "Mas é preciso reconhecer que o presidente tem gerenciado a economia de maneira muito prudente. Ele entendeu a importância de manter um equilíbrio macroeconômico, e o fez."
A condução da política econômica tem rendido elogios ao ministro da Economia, Luís Arce. Ele e o ministro das Relações Exteriores, David Choquehuanca, são os únicos auxiliares diretos a permanecer no cargo desde o início do governo Morales, em 2006. "A condução [da economia] é absolutamente neoliberal e ortodoxa, encapsulada num setor do governo em que não há interferências", disse um analista em La Paz que pediu para não ser identificado.
Na semana passada, ao prestar contas à Assembleia Nacional, Evo fez um pronunciamento recheado de nacionalismo para explicar o bom desempenho da economia. "Nós nos descolonizamos não só politicamente, mas também economicamente. Agora, dependemos do mercado interno e de nossos próprios investimentos públicos. Não dependemos do mercado externo", afirmou Evo, num discurso que durou quatro horas.
Não é bem assim. Analistas são unânimes em dizer que o grande motor do dinamismo econômico boliviano são as exportações de gás natural, cujos clientes são Brasil e Argentina. As vendas externas de hidrocarbonetos subiram de US$ 4,1 bilhões, em 2011, para US$ 5,7 bilhões em 2012. Isso representa quase metade do total das exportações bolivianas, que somaram US$ 11,7 bilhões no ano passado, contra US$ 9,1 bilhões em 2011. "As exportações de gás, a preços muito atrativos, permitem que todo o gasto interno esteja adequadamente financiado", afirmou Mendez.
Com as estatizações promovidas durante seu governo, principalmente no setor de hidrocarbonetos, Evo aumentou a participação direta do Estado na economia de 18%, em 2005, antes de assumir, para 34% no ano passado. Segundo analistas, porém, ele fez bom proveito da bonança nos preços internacionais do gás, ao incrementar o gasto público e estimular a economia sem comprometer as contas do governo ou permitir uma disparada inflacionária. A inflação fechou 2012 em 4,54%, "número razoável para um país como a Bolívia", diz Mendez.
Além disso, dizem analistas, o aumento das receitas com o gás e os minérios, após as estatizações, permitiu ao governo manter o país aberto a importações praticamente livre de impostos, o que reforça o caráter liberal da política econômica.
A Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), órgão da ONU, colocou a Bolívia num grupo de sete países da região que aumentaram o gasto social em mais de 50% no ano passado. Os investimentos do governo, diz a Cepal, devem ter chegado a 90% do total previsto no Orçamento, US$ 3,2 bilhões. Apesar disso, "a dívida pública externa caiu em termos reais e nominais", e equivalia a 11% do PIB em outubro.
Ao mesmo tempo, as reservas internacionais chegaram em outubro a US$ 14,1 bilhões, 15% a mais do que um ano antes. A cifra equivale a cerca de 21 meses de importações. "Apesar de subir tanto o gasto, a Bolívia segue tendo um superávit fiscal importante", disse Luis Felipe Jimenez, especialista da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Cepal.
Para reforçar o caixa, o "governo revolucionário" taxou os bancos, impondo-lhes uma tarifa de 0,7% sobre as vendas de dólares. Além disso, criou um imposto adicional de 12,5% sobre as instituições com rentabilidade acima de 13% de seu patrimônio. As contas em ordem permitiram a Morales reajustar o salário mínimo em 22,6% no ano passado, levando-o a mil bolívares (R$ 287,80).


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