quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Palavra nossa de cada dia

veículos da mídia alternativa e blogs na internet criam escudo contra artilharia de pensamento único dos grandes meios de comunicação


Pedro Rafael
Daqui a pouco de mais de dois anos, o Brasil terá contabilizado três décadas de retorno à democracia. Avanços são inegáveis. Porém, algumas permanências estruturais ainda travam o desenvolvimento de uma verdadeira cultura de liberdade social no país. Uma delas é o debate públicoproporcionado pelos meios de comunicação. Enclave de poucos e grandes grupos econômicos, a mídia ainda é um campo com baixa diversidade de ideias.
Na semana em que o Brasil de Fato completa 10 anos de fundação com circulação semanal ininterrupta, editores, jornalistas e blogueiros que constroem o cotidiano de alguns dos mais importantes veículos alternativos de comunicação analisam os avanços e desafios do setor. “O Brasil tem uma concentração muito grande dos meios de comunicação (jornais, revistas, emissoras de rádio e de TV) nas mãos de alguns poucos empresários. Isso atenta contra a construção de uma sociedade democrática, pois a democracia pressupõe que todas as correntes de opinião e todos os segmentos sociais tenham acesso à comunicação de massas”, critica o editor-chefe da revista Caros Amigos, Hamilton Octavio de Souza.
Jornalismo crítico
À frente da publicação mensal desde 2009, Hamilton também define uma ética para a mídia alternativa ou, como prefere dizer, a “imprensa contra hegemônica”. “É aquela que não está no jogo do mercado nem defende as políticas das classes dominantes, mas que faz críticas ao sistema e aposta nas transformações sociais e políticas na construção de um Brasil mais justo e igualitário”. A Caros Amigos foi fundada em 1997, justamente no auge do neoliberalismo do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
“Na época, toda a imprensa estava entusiasmada com o modelo econômico e não havia praticamente nenhum veículo com críticas à globalização neoliberal. A Caros Amigos reuniu jornalistas, publicitários e intelectuais sob a liderança do jornalista Sérgio de Souza, que foi editor até 2008, quando faleceu. A proposta editorial previa uma grande entrevista a cada edição, uma ou outra reportagem de maior fôlego e muitos artigos – com uma grande equipe de colaboradores de diferentes posições políticas, mas com total liberdade crítica. A fórmula deu certo, a revista pegou, teve um bom crescimento de vendas e de aceitação na juventude e no público mais exigente. A marca era de uma revista crítica ao governo FHC e alternativa ao neoliberalismo. O pico de venda em bancas – 33 mil exemplares – aconteceu em 2002, sem contar os assinantes”, explica o jornalista.
A alcunha de “alternativa” caracteriza o enfrentamento que esses veículos procuram fazer contra uma ideologia que orienta o conteúdo da maior parte dos meios de comunicação. “A grande mídia, os veículos de comunicação de massa, têm a importante função de definir a agenda nacional. É assim nos países democráticos. O problema é que no Brasil a grande mídia é muito concentrada, não apenas em algumas poucas empresas, também em termos de visão de mundo. O pensamento único impera. Daí a importância de se ter alternativas a ela”, examina Marcel Gomes, editor da Agência Carta Maior e um dos coordenadores da ONG Repórter Brasil.
Lançada em 2001, durante o I Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS), a Carta Maior é um portal na internet que reúne análises e reportagens sobre temas da conjuntura política, econômica, social e cultural do Brasil e do mundo. A audiência atinge um milhão de acessos mensais, em média. Além da diversidade de conteúdo, a mídia alternativa, em geral, se distingue quanto a sua forma de organização, até pela pouca estrutura econômica e o desinteresse pelo aspecto comercial da atividade. “É basicamente um conjunto de veículos que opera de modo diferente da grande mídia: muitos até são empresas, mas não visam o lucro; seus jornalistas não são apenas profissionais, mas militantes engajados nas mais diversas causas; e o conteúdo costuma ser ligado ao campo progressista, popular, de esquerda”, aponta Marcel Gomes.
O repórter da TV Record e blogueiro Rodrigo Vianna, do blog Escrevinhador, conhece bem os dois mundos. Com a experiência de quem sempre trabalhou na mídia empresarial e, desde 2008, também desenvolve uma atividade independente na internet, Vianna percebe com nitidez as contradições do jornalismo. “Na imprensa corporativa, por definição, o que interessa é a opinião do dono. Na mídia alternativa, a possibilidade da divergência é maior, as opiniões podem se expressar. Por outro lado, esses veículos menores têm muito mais dificuldade para coberturas mais amplas e terminam, muitas vezes, por fazer apenas o contraponto à pauta dos veículos comerciais”, observa.

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