Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Adital
Ainda o Papa Francisco. Sim, e por que não? Em um momento em que só recebemos notícias de desgraças, tragédias, deslizamentos na região serrana, armas químicas que dizimam vidas na Síria, fora a corrupção nossa de cada dia, a figura do Papa argentino polariza as atenções. Ele irradia firmeza e alegria, que contagiam e entusiasmam os que o veem e ouvem.
Os primeiros gestos vão pouco a pouco revelando seu perfil. Como a inclinação diante da Praça de São Pedro pedindo a oração abençoante dos fiéis sobre sua pessoa. Ou a recusa dos carros oficiais, do luxo dos mantos de arminho e casulas bordadas a ouro. Ou ainda o descer do altar para beijar e acariciar um enfermo na cerimônia de entronização. Ou o sorriso, não forçado, não congelado na face, mas espontâneo e constante.
As palavras de Francisco conduzem na mesma direção, parecendo corroborar seus gestos. Nada de discursos apocalípticos e eivados de angústia e perplexidade. Ao contrário, uma positiva disposição que parece cheia de desejo de olhar os grandes desafios de frente, com valentia e confiança. Talvez seja essa atitude de fundo que a Igreja como um todo está mais necessitada.
Em sua homilia dois dias depois de eleito, quando falava aos cardeais seus companheiros na Sala Clementina do Palácio Apostólico do Vaticano, pronunciou palavras que soam como todo um programa: "Não cedamos nunca ao pessimismo nem à amargura que o diabo nos oferece a cada dia”. Aí está uma exortação que não é consolo barato de um homem maduro a outros igualmente chegados à segunda metade da vida. Pelo contrário, soa como um resgate daquilo que de mais profundo e visceral contém a Revelação cristã.
"A ciência do mal não é sabedoria”, já diria o verdadeiro sábio. Este "sabia” e conhecia a principal tentação que desfigura toda vida humana que nela cai. Já desde o Jardim do Éden, a conversa sedutora da serpente procurou arrastar o homem e a mulher no seu encalço. E por muitas vezes tem conseguido, dando como resultado a frustração, o engano, o pessimismo destrutivo que a nada conduz. Adão e Eva procuraram apropriar-se da ciência do bem e do mal. Neste sequestro criatural do que só pertencia ao Criador, deram-se conta de que lhes tocou apenas a parte corrompida e apodrecida da fruta cobiçada.
Pois "a ciência do mal não é sabedoria” nem tampouco o olhar sombrio sobre o mundo e a realidade é necessariamente lúcido ou revelador. Pode ser, ao contrário, profundamente traiçoeiro e infiltrante esse ponto de vista enviesado, que derrama gota a gota o desânimo e a desolação nas veias da humanidade. A Revelação cristã não é uma demonologia, ou seja, não quer ensinar-nos quem é o diabo. Quer mostrar-nos o rosto irradiante do Cristo Pascal e contagiar-nos irresistivelmente de sua alegria que permite olhar tudo com esperança.
Não se trata de ingenuidade barata e infantil. Nem tampouco de óculos cor de rosa que mascaram a realidade em vez de desvelá-la. Mas consiste, sim, em não ter medo de mergulhar e tocar misericordiosamente o mais profundo da dor, sabendo que esta não é a última palavra. É Boa notícia, é alegria autêntica, que não se confunde com a felicidade consumista e que não dá entrada à amargura que cada dia se converte em Cassandra e repete que nada tem jeito, que tudo está perdido, que não há mais caminho aberto e todas as vias estão fechadas.
Nisso Francisco tem razão. E seu xará de Assis, santo e poeta, o disse e repetiu em todos os tons. Quando a alegria e a esperança estão ameaçadas de ser engolidas por um pessimismo desmobilizador e destruidor, há que resistir e não ceder. Pois ali não se encontra a sabedoria. Vai ser possível achá-la na humilde confiança que realiza cotidianamente os gestos do amor que confirma a vida como grande vencedora e vitoriosa. Mesmo e mais ainda quando tudo parece dizer o contrário.
É essa a sabedoria de que as novas gerações necessitam. Talvez por isso estejam os jovens fascinados por Francisco. O Papa que veio do extremo sul do planeta voltou a alargar-lhes os horizontes atrofiados pela desolação que desorienta e conduz à morte. Cabe a nós, que acreditamos em quem Francisco também crê, assumir atitude semelhante a cada dia. Bom programa para um final de Quaresma.
[A teóloga é autora de "Crônicas de cá e de lá” (editora Subiaco), que pode ser encomendado diretamente à escritora pelo e-mail – agape@puc-rio.br – R$ 20,00
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