quinta-feira, 28 de março de 2013

[Adoções de crianças] Castanheira tombada, filho tomado!



 
Nelson José de Castro Peixoto
Filósofo e Gestor Social de Aldeias Infantis em Brasília – Conselheiro de Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal
Adital

Em época de crimes e desterro de colo, nesses tempos de revelação das adoções irregulares, apressadas e às escondidas, justificadas pela pobreza e falta de atenção à saúde e tratamento, sou chamado a lembrar de minha infância circulando pelas casas grandes, encontrando meninos e meninas que vieram do interior do Estado para serem "criados” longe de seus pais, de sua canoa, do seu sítio e de seu "Pé de Laranja Lima”. Tudo em troca da "felicidade” da cidade e perto do trabalho para se "tornar homem ou uma boa dona de casa”. Lembranças que me assaltam e fazem pensar quando assisto as matérias do repórter José Raimundo e de outros capazes de se compadecer com a situação de tantas famílias privadas do poder constitucional de educar os filhos perto de si, correndo o risco de perdê-los, apenas porque não sabem correr atrás de seus direitos devido à penúria que vivem nesse Brasil de mil toadas e de interpretações jurídicas, contraditórias e enroladas na compressão burocrática do ir e vir do papel e da palavra do mais forte.
Para quem leu Domingos de Abreu, (NO BICO DA CEGONHA, Histórias de Adoção e da Adoção Internacional no Brasil, Relumé Dumará, 2002) chegam questionamentos como forte ventania derrubando a ingenuidade sociológica e a interpretação dos fatos pela vertente messiânica favorável às criancinhas infelizes perto de seus pais empobrecidos e abandonados pelo Estado, porém felizes em condições na terra e no coração de outros mundos. Encontramos rios de justificativas, princípios negados, conjecturas e tramas hediondos que a na mídia escrita é analisada pelo autor, sobretudo no farto material publicado nos jornais de Santa Catarina. Deparamos com lagos de ausência familiar, espaços no coração esvaziados de filhos que jamais foram esquecidos e/ou reencontrados. Crianças fantasmas que retornam nos sonhos, nas crises e dificuldades da vida. Mães que se sentem perseguidas e culpadas por não terem lutado até o fim ou se iludido pelas promessas de felicidade no meio de ricos ou dos países abastados. "Longe daqui, mas feliz” é o bordão que jamais se aquieta no coração das mães perdedoras, tema que persegue seus delírios de gente arrependida, chorosa e revoltada. Será assim também para aquelas mães desesperadas que deixam seus filhos na maternidade? E o que fazem os grupos de apoio à adoção para garantir que essas crianças sejam protegidas, cuidadas e desenvolvidas perto de sua mãe biológica? E se o Ministério Público achar que esse desejo da mãe é sério, fruto do seu bem/mal estar social e bem discernido?
Nesse ínterim entre a reflexão e de ação do que podemos fazer, chega-me à memória mitos vindos do horizonte luminoso da lembrança, de andanças e navegações por outras bandas do mundo amazônico. Reencontro e reconto histórias como quem monta uma paisagem da adoção no Brasil. Recordo de certa vez à beira do rio num lugar chamado Curva do Bacabará, onde uma Castanheira Tombada, lá onde 3 rios (Urucú, Aruan e Itanhuan) formam a bacia do lago de Coari, AM. Como peças soltas e falas enigmáticas, no limiar da fantasia e da saudade dos netos, avós me contaram a seguinte história dos antigos tempos dos patrões, ferozes e "caridosos regatões” que transitavam naquela região.
A Lenda do Lago de Tubá / Morte e Ressurreição de um povo ribeirinho:
Crianças que "caíram no rio”, desaparecidas sem pistas porque "devoradas pela fera”. Ribanceira solitária no final da tarde recebia as mães que vinham chorar seus filhos perdidos e celebrar sua Páscoa, debaixo de uma castanheira encurvada que bebia água pelas folhas, cujos ramos tocavam no rio e que nunca florira.
Contavam: Um monstro, qual fera devorava as crianças, uma a uma que chegava até lá para apreciar o movimento do rio e o rebojo da correnteza, o movimento dos regatões, o compra-compra das mercadorias e a entrega da produção. Um velho índio ensinou: "Olhem aquela castanheira, ela está erguida até o céu, enquanto aqui na terra só sofrimento, morte e ausência de nossos filhos”. Através de um sonho, o índio revelou e decifrou nas lágrimas das mães a profecia: "Mulheres reúnem-se, deixem o cabelo crescer, façam um trançado forte e preparem-se para o combate; amarrem o trançado no tronco da castanheira; na outra ponta alguém deve morrer, porque ficará espetado numa estaca como peixe isca; mais sofrimento e o ultimo...”, dizia o índio. "Este será o nosso menino salvador”. "Quando a fera passar pode dar para ela comer”.
A castanheira dobrou com a força do mostro dos rios, houve um estrondo, todas as árvores por perto perderam as folhas e o bicho nunca mais voltou. A castanheira floria a cada época de festa, as famílias cresceram e as crianças voltaram a pular na água, brincar de mergulhar e fazer da canoinha sua bicicleta.
Está lá, aquela castanheira como testemunho, livro aberto, notícia inesquecível, sinal inequívoco de que o povo unido, jamais será vencido. Marca de que povo bem informado não será enganado. Povo que se libertou e fez de sua Festa da Páscoa o anúncio de vida nova.
Essa lenda está posta, como as notícias que falam das adoções do Brasil e das controvérsias defensivas e acusatórias. Estas não pertencem ao velho índio e nem a quem contou ou recontou. Texto que perdeu seu autor e se fundiu no leitor de hoje. "Quem tem ouvidos que ouçam, escutem e auscultem o coração das mães que perderam seus filhos”!

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