Uma 4ª feira de estupefação e revolta no circuito formado pelos professores banqueiros, os consultores e a mídia que os vocaliza.
Na reunião dos Brics, na África do Sul, a presidenta Dilma disse que não elevará a ração dos juros reivindicada pelos batalhões rentistas.
A reação instantânea das sirenes alarmistas evidencia a cepa de origem que interliga o conjunto à afinada ciranda que arrasta US$ 600 trilhões em derivativos pelo planeta.
Equivale a dez voltas seguidas no PIB da Terra.
Trinta e cinco vezes o movimento das bolsas mundiais.
Os anéis soturnos desse garrote reúnem – e exercem – uma capacidade de extorsão planetária, capaz de rebaixar planos de governos e asfixiar as urgências do desenvolvimento.
Formam a determinação mais geral da luta política em nosso tempo.
Em Chipre, como lembra o correspondente de Carta Maior em Londres, Marcelo Justo, o capital a juros compunha uma bocarra equivalente a 67 bilhões de euros, uns US$ 90 bilhões de dólares.
Três vezes o PIB de um país menor que Campinas.
A fome pantagruélica desse organismo requeria rações diárias indisponíveis no ambiente retraído da crise mundial.
A gula que quebrou Chipre é a mesma que já havia quebrado a Espanha, Portugal, Irlanda, Islândia e alquebrado o mercado financeiro dos EUA.
A falência cipriota assusta o mundo do dinheiro não por suas dimensões.
Mas porque ressoa o uivo cavernoso de uma bancarrota, só anestesiada a um custo exorbitante na UTI mundial das finanças desreguladas.
No Brasil o mesmo uivo assume o idioma eleitoral cifrado na legenda ao gosto do dinheiro graúdo: ‘dá para fazer mais’.
O governo Dilma acha que sim. Mas com a expansão do investimento produtivo.
Sem ele, o país ampliado por 12 anos de políticas progressistas na esfera da renda e do combate à pobreza, não cabe na infraestrutura concebida para 30% de sua gente.
A desproporção terá que ser ajustada em algum momento.
Como o foi, com viés progressista, durante o ciclo Vargas, sobretudo no segundo Getúlio, nos anos 50.
Mas também o foi, em versão regressiva, em 1964, no golpe contra as reformas de base, que completa 49 anos neste 31 de março.
O que se assiste hoje guarda uma diferença política importante em relação ao passado.
Nos dois episódios anteriores, o conflito de classe entre as concepções antagônicas de desenvolvimento seria camuflado pela vulnerabilidade externa da economia.
Um Brasil estrangulado pelo desencontro entre a anemia das exportações e o financiamento das importações colidia precocemente com o seu teto de crescimento.
O gargalo do investimento se realimentava no funil das contas externas. E vice versa.
Era um prato cheio para o monetarismo assumir ares de arauto dos interesses da Nação. E golpeá-la, com as ferramentas recessivas destinadas a congelar o baile.
Quem está fora não entra; quem está dentro não sai. Durante séculos, essa foi a regra do porteiro capitalista.
Hoje, embora a pauta exportadora se ressinta de temerária concentração em commodities, não é esse o principal obstáculo ao investimento.
O país dispõe de reservas recordes (US$ 370 bi). Tem crédito farto no mercado internacional. O relógio econômico intertemporal é favorável ao financiamento de um ciclo pesado de investimentos em infraestrutura.
Quem, afinal, não se disporia a financiar a sétima economia do planeta, que, em menos de uma década, estará refinando a pleno vapor as maiores descobertas de petróleo do século 21?
O desencontro entre o Brasil que somos e aquele que podemos ser deslocou-se do gargalo externo, dos anos 50/60/80 para o conflito aberto entre os interesses da maioria da sociedade e os dos detentores do capital a juro.
Assim como em Chipre, na Espanha, nos EUA ou em Paris, o rentismo aqui prefere repousar num colchão de juros reais generosos, blindado por esférico monetarismo ortodoxo.
Migrar para a esfera do investimento produtivo, sobretudo de longo prazo, como requer o crescimento brasileiro, não faz parte de seu repertório de escolhas espontâneas.
É essa prerrogativa estéril que os professores banqueiros do PSDB cobram pela boca e pelo teclado do jornalismo econômico, escandalizado com a assertiva defesa do desenvolvimento feita pela presidenta Dilma.
Presidenciáveis risonhos que se oferecem untados em molhos palatáveis às papilas monetaristas e plutocráticas vão aderir ao jogral.
“Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença está datado; é uma política superada", fuzilou Dilma.
Previsível como um dia após o outro, o dispositivo midiático tentou desqualificar o revés em ‘negligência com a inflação’.
Um governo que trouxe 50 milhões de pessoas para o mercado de consumo minimizaria a vigilância sobre a inflação?
Seria o mesmo que sacar contra o seu maior patrimônio político.
O governo Dilma optou por abortar as pressões de preços de curto prazo com desonerações. E enfrentar o desequilíbrio estrutural com um robusto ciclo de investimentos.
São lógicas dissociadas da receita rentista.
Aqui e alhures, a obsessão mórbida pela liquidez descolou-se da esfera patrimonial para a dos rendimentos financeiros. Não importa a que custo social ou político.
Sua característica fundamental é a preferência parasitária pelo acúmulo de direitos sobre a riqueza, sem o ônus do investimento físico na economia.
A maximização de ganhos se faz à base da velocidade e da mobilidade dos capitais, sendo incompatível com o empenho fixo em projetos de longa maturação em ferrovias, hidrelétricas ou portos.
Durante a década de 90, as mesmas vozes que hoje disparam contra o que classificam como ‘intervencionismo da Dilma’, colocaram o Estado brasileiro a serviço dessa engrenagem.
A ração dos juros oferecida no altar da rendição nacional chegou a 45%, em 1999.
Um jornalismo rudimentar no conteúdo, ressalvadas as exceções de praxe, mas prestativo na abordagem, impermeabilizou essa receita de Estado mínimo com uma camada de verniz naval de legitimidade incontrastável.
A supremacia dos acionistas e dos dividendos sobre o investimento –e a sociedade-- tornou-se a regra de ouro do noticiário econômico.
Ainda é.
A crise mundial instaurou a hora da verdade nessa endogamia entre o circuito do dinheiro e o da notícia.
Trata-se de uma crise dos próprios fundamentos daquilo que o conservadorismo entende como sendo ‘os interesses dos mercados’. Que a mídia equipara aos de toda a sociedade.
Dilma, de forma elegante, classificou essa ilação como uma fraude datada e vencida. De um mundo que trincou e aderna, desde setembro de 2008.
A pátria rentista uiva, range e ruge diante de tamanha indiscrição.
Na reunião dos Brics, na África do Sul, a presidenta Dilma disse que não elevará a ração dos juros reivindicada pelos batalhões rentistas.
A reação instantânea das sirenes alarmistas evidencia a cepa de origem que interliga o conjunto à afinada ciranda que arrasta US$ 600 trilhões em derivativos pelo planeta.
Equivale a dez voltas seguidas no PIB da Terra.
Trinta e cinco vezes o movimento das bolsas mundiais.
Os anéis soturnos desse garrote reúnem – e exercem – uma capacidade de extorsão planetária, capaz de rebaixar planos de governos e asfixiar as urgências do desenvolvimento.
Formam a determinação mais geral da luta política em nosso tempo.
Em Chipre, como lembra o correspondente de Carta Maior em Londres, Marcelo Justo, o capital a juros compunha uma bocarra equivalente a 67 bilhões de euros, uns US$ 90 bilhões de dólares.
Três vezes o PIB de um país menor que Campinas.
A fome pantagruélica desse organismo requeria rações diárias indisponíveis no ambiente retraído da crise mundial.
A gula que quebrou Chipre é a mesma que já havia quebrado a Espanha, Portugal, Irlanda, Islândia e alquebrado o mercado financeiro dos EUA.
A falência cipriota assusta o mundo do dinheiro não por suas dimensões.
Mas porque ressoa o uivo cavernoso de uma bancarrota, só anestesiada a um custo exorbitante na UTI mundial das finanças desreguladas.
No Brasil o mesmo uivo assume o idioma eleitoral cifrado na legenda ao gosto do dinheiro graúdo: ‘dá para fazer mais’.
O governo Dilma acha que sim. Mas com a expansão do investimento produtivo.
Sem ele, o país ampliado por 12 anos de políticas progressistas na esfera da renda e do combate à pobreza, não cabe na infraestrutura concebida para 30% de sua gente.
A desproporção terá que ser ajustada em algum momento.
Como o foi, com viés progressista, durante o ciclo Vargas, sobretudo no segundo Getúlio, nos anos 50.
Mas também o foi, em versão regressiva, em 1964, no golpe contra as reformas de base, que completa 49 anos neste 31 de março.
O que se assiste hoje guarda uma diferença política importante em relação ao passado.
Nos dois episódios anteriores, o conflito de classe entre as concepções antagônicas de desenvolvimento seria camuflado pela vulnerabilidade externa da economia.
Um Brasil estrangulado pelo desencontro entre a anemia das exportações e o financiamento das importações colidia precocemente com o seu teto de crescimento.
O gargalo do investimento se realimentava no funil das contas externas. E vice versa.
Era um prato cheio para o monetarismo assumir ares de arauto dos interesses da Nação. E golpeá-la, com as ferramentas recessivas destinadas a congelar o baile.
Quem está fora não entra; quem está dentro não sai. Durante séculos, essa foi a regra do porteiro capitalista.
Hoje, embora a pauta exportadora se ressinta de temerária concentração em commodities, não é esse o principal obstáculo ao investimento.
O país dispõe de reservas recordes (US$ 370 bi). Tem crédito farto no mercado internacional. O relógio econômico intertemporal é favorável ao financiamento de um ciclo pesado de investimentos em infraestrutura.
Quem, afinal, não se disporia a financiar a sétima economia do planeta, que, em menos de uma década, estará refinando a pleno vapor as maiores descobertas de petróleo do século 21?
O desencontro entre o Brasil que somos e aquele que podemos ser deslocou-se do gargalo externo, dos anos 50/60/80 para o conflito aberto entre os interesses da maioria da sociedade e os dos detentores do capital a juro.
Assim como em Chipre, na Espanha, nos EUA ou em Paris, o rentismo aqui prefere repousar num colchão de juros reais generosos, blindado por esférico monetarismo ortodoxo.
Migrar para a esfera do investimento produtivo, sobretudo de longo prazo, como requer o crescimento brasileiro, não faz parte de seu repertório de escolhas espontâneas.
É essa prerrogativa estéril que os professores banqueiros do PSDB cobram pela boca e pelo teclado do jornalismo econômico, escandalizado com a assertiva defesa do desenvolvimento feita pela presidenta Dilma.
Presidenciáveis risonhos que se oferecem untados em molhos palatáveis às papilas monetaristas e plutocráticas vão aderir ao jogral.
“Esse receituário que quer matar o doente em vez de curar a doença está datado; é uma política superada", fuzilou Dilma.
Previsível como um dia após o outro, o dispositivo midiático tentou desqualificar o revés em ‘negligência com a inflação’.
Um governo que trouxe 50 milhões de pessoas para o mercado de consumo minimizaria a vigilância sobre a inflação?
Seria o mesmo que sacar contra o seu maior patrimônio político.
O governo Dilma optou por abortar as pressões de preços de curto prazo com desonerações. E enfrentar o desequilíbrio estrutural com um robusto ciclo de investimentos.
São lógicas dissociadas da receita rentista.
Aqui e alhures, a obsessão mórbida pela liquidez descolou-se da esfera patrimonial para a dos rendimentos financeiros. Não importa a que custo social ou político.
Sua característica fundamental é a preferência parasitária pelo acúmulo de direitos sobre a riqueza, sem o ônus do investimento físico na economia.
A maximização de ganhos se faz à base da velocidade e da mobilidade dos capitais, sendo incompatível com o empenho fixo em projetos de longa maturação em ferrovias, hidrelétricas ou portos.
Durante a década de 90, as mesmas vozes que hoje disparam contra o que classificam como ‘intervencionismo da Dilma’, colocaram o Estado brasileiro a serviço dessa engrenagem.
A ração dos juros oferecida no altar da rendição nacional chegou a 45%, em 1999.
Um jornalismo rudimentar no conteúdo, ressalvadas as exceções de praxe, mas prestativo na abordagem, impermeabilizou essa receita de Estado mínimo com uma camada de verniz naval de legitimidade incontrastável.
A supremacia dos acionistas e dos dividendos sobre o investimento –e a sociedade-- tornou-se a regra de ouro do noticiário econômico.
Ainda é.
A crise mundial instaurou a hora da verdade nessa endogamia entre o circuito do dinheiro e o da notícia.
Trata-se de uma crise dos próprios fundamentos daquilo que o conservadorismo entende como sendo ‘os interesses dos mercados’. Que a mídia equipara aos de toda a sociedade.
Dilma, de forma elegante, classificou essa ilação como uma fraude datada e vencida. De um mundo que trincou e aderna, desde setembro de 2008.
A pátria rentista uiva, range e ruge diante de tamanha indiscrição.
Postado por Saul Leblon às 19:17
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