Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital
Os Barbalhos silenciaram sobre mais uma relação suspeita dos seus inimigos Maioranas com o governo do Estado. É porque as duas famílias (ou famiglias) se acertaram ou porque os interesses políticos estão interferindo? Qualquer que seja a resposta, a opinião pública ficou órfã da informação no Pará.
Os promotores públicos Armando Brasil e Nelson Medrado ficaram preocupados quando viram uma equipe de jornalismo da TV RBA chegar ao hangar da ORM Air, no dia 15. Acompanhados por um oficial de justiça, dois agentes da Polícia Federal e um sargento da Polícia Militar, eles cumpriam um mandado de busca e apreensão de documentos da empresa, que lhes foi concedido pelo juiz auditor militar José Roberto Bezerra Júnior.
Como a companhia de táxi aéreo é de propriedade do principal executivo do grupo Liberal de comunicação, Romulo Maiorana Júnior, a presença dos representantes da emissora de televisão do senador Jader Barbalho podia induzir a opinião pública a pensar que os promotores haviam tomado partido na longa e incruenta batalha entre as duas famílias, que disputam a hegemonia política e empresarial no Pará.
Logo depois de cumprido o mandado, os promotores entraram em contato com a assessoria de imprensa do Ministério Público do Estado. Queriam que ela distribuísse uma nota a todos os meios de comunicação relatando o que acontecera. O press release expedido logo em seguida era curto demais para a gravidade da notícia e, de certa forma, enigmático.
Refletia a preocupação com a imparcialidade por parte de quem o redigiu, escolhendo palavras e informações como quem caminha sobre ovos, à maneira dos que precisam lidar publicamente com as duas corporações de poder.
Por isso, o texto merece ser reproduzido na íntegra:
"Promotores de justiça do MP (2), Policiais federais (2) e policiais militares da auditoria militar (2) e Oficial de justiça (1) cumpriram nesta terça (15), mandado de busca e apreensão dos planos de voos do jatinho da empresa ORM realizados de maio de 2012 até a presente data, documentos em poder da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A busca e apreensão, a pedido do MPE foi determinada pelo juiz auditor federal José Roberto Maia Bezerra Júnior.
Diante da inércia da ‘Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) que não respondeu a nenhuma das solicitações feitas pelo MP, decidimos requerer prontamente a busca e a apreensão’, explicou o promotor Armando Brasil.
‘Existe um Inquérito civil em tramitação na esfera da improbidade e na justiça militar diante de possíveis irregularidades no contrato com a empresa responsável pelo jatinho. Precisamos de informações e, diante da omissão da Anac resolvemos requer judicialmente’, explicaram os promotores de justiça Armando Brasil da promotoria de justiça militar e Nelson Pereira Medrado da promotoria de direitos constitucionais, defesa do patrimônio público e da moralidade administrativa”.
Houve pressa na expedição da nota, para não deixar se formar um vácuo de interpretações e boatos sobre a lisura e imparcialidade do procedimento, sobretudo diante das características de inércia do Ministério Público do Estado em tais momentos. O MPE não estava servindo aos interesses do líder do PMDB contra os Maioranas.
Esse açodamento deve justificar alguns pequenos erros de informação, que seriam repetidos a partir daí, como chamar de federal o juiz titular da Auditoria Militar do Estado (e não da União). Ou acrescentar mais um PM à força policial que esteve no hangar integrando a comitiva, recebida no local pelo gerente técnico da ORM Air, Marcelo Veríssimo.
Mas o pessoal do MPE se enganou ao achar que os veículos de comunicação de Jader Barbalho iriam fazer um carnaval a partir das imagens de televisão, que poderiam ser usadas naquele mesmo dia, na internet, ou na edição do dia seguinte do Diário do Pará.
Para surpresa deles e absoluto espanto de todos que acompanharam os fatos, o silêncio geral do grupo RBA só foi quebrado pela reprodução da nota na versão on-line do Diário do Pará. Mas quem não a acessou logo ficou sem a informação: ela foi retirada da internet um pouco depois. Cada novo dia de omissão sobre o fato no jornal impresso foi seguido por uma onda de especulações.
Dizia-se que o material estaria sendo preparado para a edição dominical, que tem mais repercussão por sua tiragem maior. Mesmo que a notícia viesse a ser divulgada, porém (o que não aconteceu), uma situação já se consolidara: os dias se passaram sem que o grupo RBA se preocupasse com o que constitui o seu negócio, a publicação de informações o mais imediatamente possível, para atender seus leitores e clientes.
Nenhum critério editorial podia explicar a atitude dos responsáveis pelo grupo RBA. Eles vinham acompanhando o assunto desde que, no início do ano passado, o promotor Armando Brasil Teixeira começou a investigar o contrato de um ano, no valor de R$ 2,6 milhões, assinado pelo gabinete militar do governo do Estado com a ORM Air, com vigência até maio deste ano. O objetivo é transportar o governador através do jatinmho, fabricados nos Estados Unidos em 2011. Uma das cláusulas impõe ao Estado o pagamento da cota mensal de 100 horas de voo, mesmo se a aeronave não for utilizada.
O promotor decidiu apurar "supostas irregularidades” apontadas no contrato. Brasil foi atrás de uma das fontes essenciais à instauração de um Inquérito Policial Militar, já que a responsabilidade pelo contrato é do coronel PM Fernando Noura: os relatórios de movimentos de pouso e decolagem do jatinho executivo da ORM Air colocado a serviço do gabinete militar do governador a partir de maio de 2012.
O pedido foi feito à Anac no final de novembro. A agência não cedeu os documentos pedidos nem respondeu ao ofício. Essa atitude levou o promotor militar, já com o apoio do seu colega Nelson Medrado, a pedir a busca e apreensão dos documentos ao juiz auditor, que atendeu a solicitação no dia 11 deste mês. No cumprimento do mandado, os promotores apreenderam 52 folhas de papel, que os ajudarão a esclarecer se o contrato é legal ou não.
As premissas negativas se baseiam na contumácia de relações "pouco republicanas”, como costumam dizer os tucanos quando tratam dos mal feitos dos outros, do governo com os grupos de comunicação locais, especialmente o Liberal (ma non toppo).
O máximo de promiscuidade foi atingido entre o primeiro e o segundo mandato do governador Almir Gabriel, que pagou 32 milhões de reais à TV Liberal em cinco anos (valor não atualizado) para que a emissora utilizasse as torres da rede de transmissão da Funtelpa (Fundação de Telecomunicações do Pará) para a exibição da sua própria programação.
Apesar dos termos verdadeiramente escandalosos da relação, que equivalia a um dono de imóvel cedê-lo para outra pessoa usar e ainda pagar o aluguel, até hoje a ação popular instaurada para apurar os fatos não chegou ao seu desfecho. Tramita a passo de cágado e sujeita a imprevistos pelo caminho em função do poder do grupo Liberal.
Como entender o silêncio dos veículos de comunicação de Jader Barbalho sobre a ação do Ministério Público Militar, interrompendo o acompanhamento do caso que vinha fazendo? Em agosto do ano passado, a cobertura jornalística foi ampla quando a Receita Federal reteve o avião, sob a suspeita de irregularidades na importação. O registro de propriedade e importação estaria em nome deestrangeiros, mas os reais proprietários eram os Maioranas.
O avião foi lacrado e colocado sob a responsabilidade da Infraero. No entanto, voltou a operar no mesmo dia. Nessa época a Receita Federal apreendeu 20 jatinhos considerados irregulares em todo país por não pagarem os impostos devidos e fraudarem a importação, mas alguns foram logo liberados por ordem judicial.
No caso da ORM Air, o uso do jatinho tem por base contrato de arrendamento operacional, sem opção de compra, pelo prazo de 60 meses (ou cinco anos), que fez com a SGF Aircraft. O regime de admissão temporária do aparelho levou a Receita Federal a admitir o seu ingresso no Brasil, mas a Secretaria da Fazenda do Estado apreendeu o avião por falta de pagamento do ICMS devido.
A ORM Air impetrou habeas corpus preventivo para liberar o jato sem o recolhimento do tributo. A medida, proposta através do escritório de advocacia criado pelo desembargador Milton Nobre e chefiado por seu filho quando o pai assumiu seu cargo no TJE, foi concedida, em outubro do ano passado, pela juíza Clarice Andrade Rocha, quando respondia pela 6ª vara da fazenda pública. É a mesma juíza sob cuja jurisdição uma menor foi mantida presa numa cadeia em Barcarena. Ela foi inicialmente punida pelo tribunal, mas depois acabou absolvida e retomou a carreira
O insólito silêncio da RBA deve-se a algum tipo de acerto entre as duas corporações político-empresariais ou traduz algum entendimento político do PMDB com o PSDB? Ou então as duas coisas, por via de triangulação de negociações?
É certo que em agosto do ano passado, a 5ª Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado, ao condenar o jornal a pagar indenização de R$ 50 mil, por danos morais supostamente cometidos contra a ORM Air, proibiu-o de veicular notícias ofensivas contra a empresa”. Mas a notícia que não publicou é de responsabilidade da assessoria de imprensa do Ministério Público do Estado, tratando de fato incontestável, documentado pela câmera da RBA. Além disso, a decisão no TJE não é final.
Além disso, o jornal não tem aceitado as decisões judiciais, continuando a divulgar as informações questionadas pelo grupo Liberal e que resultaram na aplicação de multas que, segundo O Liberal, já somam mais de R$ 1 milhão, o que levou a justiça a determinar a penhora de uma das máquinas rotativas do jornal. As sucessivas reportagens afirmam "que houve, nos contratos assinados entre Governo do Estado e a ORM Air, superfaturamento, favorecimento nas licitações, recebimentos de valores superiores ao contrato licitado, valor por quilômetro voado muito superior ao firmado no contrato, que o jato de propriedade da ORM Air foi comprado com recursos públicos’, conforme a desembargadora Diracy Nunes Alves, relatora do processo no tribunal.
Para a opinião pública, se torna muito difícil decifrar enigmas quando os dois grupos familiares são parte deles, o que tem acontecido com frequência cada vez maior. Um pouco antes da ação dos promotores no hangar da ORM Air, o grupo RBA fez-se de morto diante da revelação de que a nova secretária de finanças de Belém era não só devedora do IPTU como estava sendo executada pela procuradoria do município. Nenhuma linha a respeito foi acolhida no Diário do Pará, embora o jornal tivesse material abundante sobre o caso.
Muito estranho para uma empresa de comunicação que apoiara um dos oponentes do prefeito Zenaldo Coutinho. Contraste ainda maior porque o grupo Liberal, que referendara o candidato vitorioso do PSDB, viu-se obrigado a pelo menos registrar o fato incômodo para a nova administração pública da capital.
Com o menor destaque possível e utilizando o texto divulgado no portal de notícias G1, da Rede Globo, à qual é afiliada a TV Liberal. Já a Globo se valeu de noticiário do correspondente em Belém do jornal O Estado de S. Paulo. Era um texto menor do que o que o jornalista Carlos Mendes produzira para o próprio Diário, que o ignorou.
O resultado é que a grande imprensa local manteve-se ao largo da circulação dos blogs, os únicos a transpirar as informações. Mesmo assim, sem o destaque suscitado por outras polêmicas, que se tornam intensas pela participação dos leitores. Estes, quando se trata de impérios de comunicação instalados fisicamente ao lado, são muito mais moderados e receosos do que diante de outras questões mais distantes.
Fiel à sua estratégia do silêncio, quando lhe é conveniente, o grupo Liberal não noticiou a ação do Ministério Público contra uma das suas extensões empresariais (sempre de propriedade solitária de algum membro da família ou em parceria menor do que a sociedade compulsória da família nos veículos de comunicação deixados por Romulo Maiorana, pai). Nem se dignou responder. Mas, como de seu estilo, passou a agir intensamente nos bastidores, que constituem seu terreno ideal – e como já era de se esperar.
Já o grupo RBA, capitaneado pelo veículo mais antigo, o jornal, lançou ao mar os compromissos da profissionalização. Voltou a se cingir aos interesses políticos do seu proprietário, o senador Jader Barbalho. Ele não se vexa mais dos efeitos nocivos de algumas das suas manobras.
Silencioso pessoalmente no parlamento, que é o seu lugar de ofício, lançou esse silêncio sobre seus veículos de comunicação, a serviço dos seus planos políticos de continuidade, que não incluem entre suas armas a coerência, o respeito ao interesse público e o compromisso com seus leitores.
O Pará, mais do que nunca, é refém de sua elite predadora.
[Fonte: Jornal Pessoal, Ano XXVI * Nº 529 * Janeiro de 2013 * 2ª Quinzena * R$ 5,00].
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