terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O avanço dos fundamentalistas e a resposta militar


O norte do Mali se tornou o baluarte do fundamentalismo islâmico na África setentrional e o território ideal para a reorganização dos grupos armados dos movimentos salafitas e jihadistas

Achille Lollo

Na Argélia, o comandante fundamentalista Mokhtar Belmokhtar reivindicou o trágico ataque à refinaria de In Amenas, onde 48 reféns foram mortos.
No Mali, o exército francês ocupou as regiões do sul para impedir a queda da capital Bamako. Depois bombardearam o norte ocupado pelos grupos tuaregues que reivindicam a independência da região Azawad, enquanto os salafitas de Ansar Eddin haviam ocupado as cidades de Gao e Timbuctú.
Na Somália, as milícias jihadistas alShabaab fuzilaram o agente secreto francês, Denis Állex e, na Síria, o jornalista francês Yves Debay foi morto em Aleppo.
No Afeganistão, os talibãs explodem três postos de controle da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
No Paquistão, os fundamentalistas exigem a prisão do primeiro ministro. Parece o início de uma confrontação entre ocidente e o fundamentalismo islâmico.
Nas últimas duas semanas, comentaristas de telejornais e analistas das agências de inteligência dos países ocidentais admitem que a conjuntura política na região do Sahel, isto é, região que se situa no meio do norte da África, está à beira de uma grande crise política.
Crise que está adquirindo proporções alarmantes com os diferentes grupos salafitas, fundamentalistas e independentistas tuaregues se apoderaram das armas do desfalecido exército de Kadafi para “defender” a dita revolução islâmica no norte da África.
Trata-se de milhares de metralhadoras ZSU de 20 mm (de fabricação russa) que são montadas nas camionetes Toyota 4x4, canhões anti-tanques, lança-foguetes RPG, morteiros de 60 e 80 mm, fuzis Kalashinkov (a conhecida AK-47), toneladas de munições, foguetes anti-aéreos SAM-7 e uma quantidade indefinida de tanques classe BRDM.
Material bélico que o novo governo da Líbia não retomou e tão pouco mostrou sua autoridade para com as ditas milícias e brigadas islâmicas que, desta forma, passaram a controlar parcelas do território líbio. Aliás, é bom lembrar que foi nesse contexto que os Estados Unidos, a França e a Grã Bretanha negociaram a transferência de parte dessas armas para a Turquia e a Jordânia e, assim, abastecer os rebeldes do nascente ELS (Exército pela Libertação da Síria) provocando a explosão da guerra civil na Síria. Outro “regime maldito” que para os EUA, Israel e os países da OTAN devia ser desmantelado, tal como foi com a Líbia de Kadafi.
Porém, a rápida vitória na Líbia determinou um novo contexto político, aparentemente favorável aos interesses estratégicos dos EUA e dos países europeus. Por isso o general estadunidense Cartes Ham - o mais alto oficial da AFRICOM (Comando dos Estados Unidos para a África), e o novo secretário da Defesa (ex-CIA) dos EUA, Leon Panetta, não acreditavam que os grupos fundamentalistas norte-africanos pudessem se reorganizar em tão pouco tempo a ponto de começar a ameaçar a estabilidade dos estados da região do Sahel, nomeadamente Mali, Níger, Burkina-Fasso, Mauritânia. De fato, somente no norte da Nigéria os fundamentalistas se limitam em fazer atentados suicidas contra as igrejas católicas.
Por outro lado, o estreito relacionamento dos governantes da Arábia Saudita, do Qatar, dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein com o Departamento de Estado dos EUA, bem como o fortalecimento das relações políticas com os líderes da Irmandade Muçulmana da Líbia, do Egito, da Tunísia e do Marrocos, determinou no Comando Geral da OTAN e na Casa Branca um clima de “auto-suficiência”, achando que os líderes dos governos árabes “amigos” teriam limitado o crescimento de uma insurgência fundamentalista no norte da África.
Islâmicos no Mali
O governo do Mali, ex-colônia francesa, sempre foi monitorado e, sobretudo, explorado pela França, que na região saheliana manteve certa influência estratégica para contrabalançar o poderio econômico e militar da Nigéria, essa ligada ao governo e às transnacionais da Grã Bretanha e dos EUA. Aliás, é bom lembrar que com a experiência revolucionária do “socialismo-comunitário” de Tomas Sankara, em Burkina-Fasso, a França fortaleceu seu mandato pós-colonial uma vez que as empresas de mineração francesas revelaram a existência de grandes jazidas de urânio e outros minérios raros no subsolo do norte do Mali, do Chade, de Burkina Fasso e do Níger, onde as mineradoras francesas já monopolizavam a extração a céu aberto das areias uriníferas.
No entanto, a estrutura geográfica do Mali e a histórica divisão entre as populações árabes e africanas alimentaram o separatismo no norte, inteiramente habitado pelas tribos tuaregues mais ligadas às populações berberes do sul da Argélia, da Líbia e da Mauritânia e muitos hostis aos “francófonos” das populações do sul.
A dependência política com a França e o endividamento com os bancos franceses foram outros elementos que alimentaram o golpismo no seio do exército do Mali.
De fato, em março de 2012, houve o enésimo golpe de estado cujos combates para o controle da capital Bamako duraram por mais três meses e meio até Cheick Modibo Diarra tomar posse como presidente. Mas foi nesse vácuo de poder que o MNLA (Movimento Nacional para a Libertação do Azawad) representando a grande maioria das tribos tuaregues do norte, aos 6 de abril, proclamou na cidade de Gao a independência da região Azawad e a imediata introdução da lei islâmica “Sharia”, da mesma forma como fizeram os talibãs no Afeganistão.
Por consequência disso tudo, o norte do Mali se tornou o baluarte do fundamentalismo islâmico no norte da África e o território ideal para a reorganização dos grupos armados dos movimentos salafitas e dos jihadistas ligados ou não à Al Qaeda que já havia tido uma “matriz” operativa na Mauritânia chamada de AQMI (Al Qaeda do Magreb Islâmico).
Por sua parte, Abou Dardar, teórico da “guerra santa”, transferia-se com a direção do MUJAO (Movimento Unitário para a Jihad) para as cidades de Konna e Kidal, enquanto os salafitas do movimento Ansar Al Dine passavam a controlar a cidade de Diabaly.
O presidente Cheick Modibo Diarra, diante a impossibilidade do exército malinense em reconquistar as principais cidades do norte, logo invocava a intervenção da França e de outros países europeus para impedir que “o povo do Mali ficasse escravo dos islâmicos e vítima da Sharia”.
Diante disso, a inteligência militar francesa começou logo a estudar uma intervenção armada no Mali já a partir de agosto do ano passado. Porém as operações foram momentaneamente suspensas quando outro golpe palaciano colocou Django Sissoko no lugar de Cheick Modibo Diarra. 
Com o novo governo houve a nomeação de vários líderes tribais do norte nos diferentes ministérios, o que permitiu o fechamento de um acordo entre o MNLA e o governo de Bamako, no qual o MNLA se desligava dos grupos combatentes do fundamentalismo islâmico e o exército de Bamako não avançava na região do Azaward.
Um acordo que os teóricos salafitas e jihadistas consideraram traiçoeiro e que fortaleceu bastante suas pregações junto às comunidades árabes do norte, inclusive porque da Líbia começaram a chegar armas, dinheiro, enquanto da Argélia se apresentavam os velhos combatentes islâmicos do GAI (Grupo Armado Islâmico), que em 1995 haviam rejeitado a “lei do perdão e da concórdia nacional”, do presidente Abelaziz Bouteflika, para fugir às regiões desérticas habitadas pelos tuaregues.
Um contexto que foi sabiamente trabalhado pelos representantes da Al Qaeda conseguindo edificar no norte do Mali uma espécie de “federação de territórios livres islâmicos”, cada um controlado militarmente pelos grupos armados ligados à AQMI (Al Qaeda do Magreb Islâmico), ao MUJAO (Movimento Unitário para a Jihad), ao Ansar Al Dine e às novas milícias que se formaram nesse breve tempo com o dinheiro dos resgates pagos pelos governos europeus - Itália em particular, uma vez que nos últimos dois anos houve muitos sequestros de engenheiros e gerentes de empresas de nacionalidade européia. Tal como os militantes fundamentalistas da Shabab fizeram na Somália,  foi com o dinheiro dos sequestros que Mokhtar Belmokhtar criou o grupo armado “Moulathamines” (Firmadores com o sangue) cujas unidades atacaram na Argélia a base petrolífera de Tinguentourine, para depois ocupar o centro de refinamento do gás em In Amenas.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil de Fato na Itália e editor do programa TV “Quadrante Informativo”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário