domingo, 7 de abril de 2013

A nova Nova São Paulo



A maior cidade do Brasil está sendo redefinida, feito assas de aventureiros urbanos com ideias frescas para transformar algumas das áreas mais destruídas da metrópole do tem e não tem em playgrounds para artistas boêmios e foliões de todas as espécies.

SIMON ROMERO
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, a church built by African-Brazilians in São Paulo’s old center.
Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, igreja construída por brasileiros descendentes de  africanos no Centro velho de São Paulo.
“Os turistas chegam em São Paulo e são surpreendentemente chocados pelo lugar” disse-me Facundo Guerra em uma noite de Janeiro. Estávamos jantando no Z Camiceria, um antigo açougue na Rua Augusta que se tornou um restaurante, cuja decoração ainda é de um matadouro.  A região da Rua Augusta costumava ser uma zona de prostituição em deterioração há poucos anos atrás, agora se tornou o centro da vida noturna da cidade, preenchido por bares e boates, muitos abertos pelo Guerra e outros investidores,  que atendem a pessoas de todos os espectros sociais da cidade.  Muitos deles apareceram no Z Camiceria naquela noite – tatuagens pareciam quase que obrigatórias, como se a elite engravatada encontrasse na cidade grandes desfiladeiros de arranha-céus habitados por pessoas de outra terra. “Mas os viajantes são outro problema” continuou Guerra. “Eles pisam no labirinto da cidade, e alguns deles demoram anos para explora-lo.”
De fato, para um visitante desta metrópole de 20 milhões parece quase que desafiadoramente caótico.  Mas assim como nas maiores cidades da America Latina a classe media está em ascensão no Brasil e tem algo maravilhoso acontecendo em meio a esta expansão.  A cidade tem absorvido uma nova onda de imigrante, vindos de países em desenvolvimento como a Bolívia, Colômbia e Nigéria e de países em crise financeira como Espanha e Portugal. Ao mesmo tempo, fileiras de moradores intrépidos estão redescobrindo peças outrora abandonadas de suas próprias cidades, uma peça a ser lapidada por vez.  Em uma espécie de inversão da explosão das cidades em crescimento do século 20, em que os desenvolvedores abandonaram os bairros mais antigos na corrida para construir condomínios fechados, arranha-céus e shopping centers, uma nova geração de artistas, restauradores, companhias de teatro e donos de bares está se concentrando nos bairros arruinados que eram zonas proibidas há alguns anos atrás. O resultado é uma cena culinária e vida noturna que está entre o mais frenético e criativo mundo, onde uma estratificação lendária e social do país está sendo abalada e agitada.
Se existe um representante desta nova efervescia boemia, é o Guerra. Como vários outros em São Paulo, ele nasceu em outro lugar, na Argentina, e chegou a cidade ainda criança com os pais. Aos 39 anos já abriu sete bares (embora ele não beba), ele completou recentemente um doutorado em Ciências Políticas, e evita, para o desespero de muitos brasileiros de sua classe social, uma babá para sua filha. Cerca de uma década atrás, largou uma carreira promissora em marketing para as empresas multinacionais, preferindo a flexibilidade de ser seu próprio patrão. A partir da experiência no mundo corporativo, ele já sabia quão duro muitas pessoas trabalham em São Paulo, um ponto de orgulho entre muitos dos profissionais da cidade. "Para melhor ou pior, nós nos definimos aqui pelo trabalho que fazemos", disse ele. "É por isso que precisamos de emancipação à noite."
Nenhum outro lugar captura tão bem a São Paulo atual quanto a Rua Augusta. No final da rua está a Avenida Europa conhecida por suas concessionárias de veículos – aparentemente imune á economia que desacelerou a partir dos anos de crescimento – vende Lamborghinis e Ferraris, dando lugar a um trecho de boutiques sofisticadas vigiadas por guardas de plantão. Então, de repente, reflete uma abordagem de zoneamento que faz com que Houston pareça Zurique, há um cinema cult, uma igreja evangélica e uma pequena loja de lingerie. A identidade da Rua Augusta é alterada novamente quando cruza a Avenida Paulista – uma avenida movimentada onde é possível ouvir os pedestres murmurando em uma variedade de idiomas, incluindo chinês, árabe e espanhol - e desce para o centro velho. Nesta área, chamada Baixa Augusta, multidões saem de bares e discotecas para a calçada quase todas as noites. (Alguns prostibulos ainda permanecem na Baixa Augusta, oferecendo uma lembrança de seu passado.)
Uma discoteca do bairro, Studio SP, apresenta músicos como Bárbara Eugênia, uma cantora talentosa do Rio de Janeiro que trocou a exuberância tropical de sua cidade natal pelo céu cinzento de São Paulo, aperfeiçoando um estilo musical provocante e melancólico. Em ruptura com a influência histórica do Rio de Janeiro sobre a música brasileira, recentemente novos sons do país parecem ter emanado em grande parte dos bares e discotecas da Baixa Augusta, promovendo novos talentos como Criolo, um corajoso artista de hip-hop da periferia de São Paulo, que foi descrito pela legendário cantor Caetano Veloso como "possivelmente a figura mais importante na cena pop brasileira."
"O Rio é mais fechado do que São Paulo em termos de experimentação com diferentes estilos musicais," disse Barbara Eugênia, ecoando um sentimento que já ouvi de outros Cariocas, como os moradores do Rio de Janeiro são conhecidos, que seguiram a estrela para São Paulo em várias esferas da vida. “Muitas pessoas em São Paulo vêm de outras cidades tanto que temos a sensação que estamos no mesmo barco. Em todo o Brasil, não há lugar com a energia da Baixa Augusta, onde há uma constelação de músicos e compositores experimentando várias ideias."
A transformação da Augusta, com certeza, está em contraste com a evolução de outros lugares em São Paulo que parecem reforçar a sensação de sítio sentida por alguns moradores mais ricos. Por exemplo, um novo shopping center de luxo, Cidade Jardim, fechou sua entrada principal de pedestres, desencorajando os consumidores que não têm os meios para chegar de automóvel. Tais arestas sólidas persistem em torno da cidade, com a pichação, a forma enigmática do grafite lembra a antiga escrita rúnica, ainda camuflando edifícios em linha que se estende até o horizonte. E nem todo mundo está feliz com a maneira e rapidez com que a Augusta está mudando. "A área era inútil, é claro, mas pelo menos era cheia de vida à sua maneira", disse Ana Claudia Veiga de Castro, uma historiadora que viveu por anos na Baixa Augusta em um apartamento de onde viu muitas vezes prostitutas negociando com clientes em potencial. "Agora ela está à beira de se tornar respeitável, com especuladores imobiliários construindo suas torres", disse ela, referindo-se aos arranha-céus em construção em vários locais nos arredores da Baixa Augusta "Meu medo é que a área venha a se assemelhar a outras partes de nossa cidade, maltratada antes do tempo."
Uma lamentação comum em São Paulo é que: em um piscar de olhos, os prédios são demolidos e arranha-céus construído em seus lugares, quase caindo no esquecimento os que estava antes deles. Outra área boêmia sedutora de bares, restaurantes e galerias de arte, é a Vila Madalena, que está lutando contra este processo, de corrida para construção de torres residenciais, alterando o caráter de ruas relativamente tranquilas e cobertas com telha dos telhados de casas. "Eu ainda consigo andar até meu restaurante, o que é um luxo em São Paulo, mas é chocante ver a rápida mudança da região", disse Gabriela Barretto,  proprietária do Chou, um restaurante pequeno e encantador em uma casa ás margens da Vila Madalena. Em seu jardim ela serve de pratos com inspiração mediterrânica como baby lula grelhada com alho molho aioli e costelas de porco marinada em limão e tomilho.
Há locais de construção em abundancia em São Paulo, mas ainda é possível tropeçar em maravilhas de outras eras. Em uma recente tarde de sábado, fui á Estação da Luz, uma estação de trem cavernosa construído por investidores britânicos no início do século 20 que hoje abriga o Museu da Língua Portuguesa. Fica em frente a rua da Pinacoteca, um museu público de arte venerável que foi completamente restaurado em tijolos expostos em estilo na década de 1990 por Paulo Mendes da Rocha, vencedor do Prêmio Pritzker de Arquitetura.
Chegar a esses locais, seja por metrô, a pé ou carro, envolve exposição à parte do submundo do centro antigo da cidade. Os viciados em crack ainda vagam por áreas não muito longe das obras da Pinacoteca, e os assaltos ainda são um risco. No entanto, enquanto os moradores de São Paulo sofreram uma onda de crimes em 2012, a cidade é, de fato, muito mais segura do que era há uma década, com muito menos sequestros do que no passado e a taxa de homicídios que caiu 70 % desde 2001. Ciclistas em ciclovias recém-abertas começaram a desafiar a supremacia do automóvel. E a chamada Lei Cidade Limpa aprovada em 2006 na qual foi proibida publicidade exterior, de repente, dando aos edifícios caiados de São Paulo um olhar estranhamente imaculados, e permitindo os enormes murais de artistas de rua  ocupar faixas de destaque a linha do horizonte. Os sonhadores, pinturas coloridas dos irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo, craques grafiteiros que trabalham sob o nome de Os Gêmeos, oferecem exemplos proeminentes desta tendência, embora sejam murais de rua mais sutis, como os desenhados em preto sobre fachadas brancas por Fabiano Gonper fornece uma crítica racional da luta por riqueza e poder que obceca muitos em São Paulo.
Um bom termômetro para medir o quanto São Paulo evolui é o centro antigo, onde os jesuítas estabeleceram um posto avançado há 459 anos, e nos bairros vizinhos. O que aqueles missionários poderiam fazer por São Paulo hoje? Em uma área, Liberdade, onde os imigrantes japoneses começaram a levantar suas casas há cerca de um século, os mais recém chegados da Coreia do Sul e China que agora se misturam entre a multidão em lugares como o Cine Jóia, um cinema da década de 1950 que uma vez mostrou filmes japoneses e agora é um salão de música comandado pelo Guerra. Antes de entrar naquele antro uma noite, jantei perto d0 Ban, um dos izakayas ou bares japoneses que vem crescendo na Liberdade. Este foi aberto pelo chefe Masanobu Haraguchi, que serve uma sopa de macarrão udon sublime com tempura de camarão.
Mais tarde naquela noite, enquanto eu estava sentado bebendo uma caipirinha no Terraço Itália, perto do topo do arranha-céu de 46 andares Edifício Itália, olhei para a metrópole brilhante lá em baixo e me lembrei como o legendário antropólogo francês Claude Lévi-Strauss generosamente descreveu a cidade quando morou aqui na década de 1930. “Eu nunca achei São Paulo feia,” ele escreveu. “É uma cidade selvage, assim como todas as cidades da America.” São Paulo continua sendo uma cidade global selvagem, se empenhando em ajustes e começando a se tornar mais segura e menos intimidante. Pode não ser um processo perfeito, mas como o Brasil projeta seu poder de persuasão em todo o mundo em desenvolvimento - e, como as mega-cidades na África, Ásia e América Latina continua a expandir-se - São Paulo pode oferecer um modelo do que o futuro poderia ser semelhante em um planeta cada vez mais lotado: uma cidade emocionante que capta soluções para grandes desafios, onde seus moradores abraçam seus muitos prazeres com algo que se aproxima da vivacidade.
Tradução exclusiva para o Controvérsia:
Jamilly Silva (espanhol e inglês)
Contato: jamilly.tradutora.interprete@gmail.com 

Nenhum comentário:

Postar um comentário