Comunicação pública busca novo modelo de financiamento
Seminário promovido pela Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do governo gaúcho discute dificuldades, limites e necessidade de um novo modelo de financiamento para a comunicação pública. “Nós queremos fazer esse debate, sob o comando da sociedade e não do governo que é sempre transitório”, diz Vera Spolidoro, titular da Secom-RS. Para Nelson Breve, presidente da EBC, enquanto não houver um modelo de financiamento sustentável, a comunicação pública brasileira não avançará.
Marco Aurélio Weissheimer
Porto Alegre - Não há democracia sem democracia na comunicação. A frase proferida pelo presidente da Fundação Piratini, Pedro Osório, na abertura do Seminário “Como financiar a comunicação pública?”, sexta-feira à noite, sintetizou um dos principais obstáculos a serem superados no debate sobre a natureza da informação e da comunicação. O que significa, afinal, a expressão “democracia na comunicação”? Entre outras coisas, significa um sistema de comunicação que funcione segundo os valores da liberdade de expressão, de garantia da diversidade de posições, de defesa da verdade e do interesse público, e que rejeite a concentração da propriedade dos meios de comunicação, o que, na prática, inviabiliza a efetivação dos valores mencionados acima.
Esse debate não é novo na história do Brasil e o fato de que ele ainda não foi realizado de maneira satisfatória é testemunha das enormes dificuldades e obstáculos no seu caminho. A radiodifusão pública teve e tem um papel decisivo na luta pela democracia no Brasil, lembrou Pedro Osório. Mas a democratização da comunicação, ressaltou, esbarra em limites políticos, limites difíceis de superar. Esses limites políticos estão diretamente ligados ao tema central do seminário promovido pela Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do governo gaúcho. “A questão do financiamento é decisiva. Sem resolvê-la, não avançaremos”, enfatizou Pedro Osório. O problema do financiamento da comunicação pública, portanto, parece diretamente condicionado à possibilidade de superar os limites políticos que hoje atravancam o debate sobre a regulamentação da comunicação e da mídia em nível nacional.
Os valores e compromissos dessa luta estão claramente delineados. “Nosso compromisso é com uma comunicação democrática e cidadã, uma comunicação entendida como um bem comum”, resumiu Vera Spolidoro, secretária de Comunicação e Inclusão Digital do governo gaúcho e anfitriã do evento que iniciou na noite de sexta-feira (5), no Hotel Continental, em Porto Alegre. “No Rio Grande do Sul”, assinalou a secretária, “se consome muita comunicação, mas se discute comunicação muito pouco”. “Nós queremos fazer esse debate, sob o comando da sociedade e não do governo que é sempre transitório”. Esse é o lema, aliás, que orienta a proposta de criação do Conselho Estadual de Comunicação no Rio Grande do Sul, que está em fase final de implementação.
“Nosso objetivo é promover o debate com a sociedade, sistematizar a apresentação de propostas de financiamento e discutir qual deve ser o papel do Estado na promoção da comunicação pública”, acrescentou Vera Spolidoro.
Os obstáculos não são poucos para esse debate avançar. Paulo Miranda, presidente da Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom) apontou um deles: a ameaça que paira sob a proposta de criação de 11.131 TVs comunitárias no Brasil por meio do Canal da Cidadania, prevista pelo Decreto 5820/2006 e pela Portaria 489/2012. “O governo federal não pode entregar a faixa dos 700 MHz para as empresas de telecomunicações fazerem telefonia G4. Essa faixa pertence às TVs educativas e culturais, legislativas, comunitárias e universitárias, TV Brasil e TV Justiça. O povo brasileiro deve repudiar essa ameaça contra as TVs públicas no país”.
No que diz respeito ao tema do financiamento do campo público, Paulo Miranda disse que as vitórias nos últimos anos são igual a zero. “Na hora de discutir a divisão do bolo temos um Muro de Berlim triplicado pela frente. Nós enfrentamos uma barreira muito grande quando essa discussão chega na Secom (Secretaria de Comunicação do governo federal) e na Presidência da República”, afirmou. Na mesma linha, Mario Jefferson Leite Melo, coordenador da Frente Nacional pela Valorização das TVS do Campo Público (Frenavatec), disparou: “O Brasil sempre andou na contramão neste tema. Estamos com pelo menos 50 anos de atraso em relação ao que é feito em outros países”.
Para Joaquim Goulart, da seção gaúcha da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, o Brasil, na área da comunicação, tem uma dívida com o seu povo. “Avançamos na saúde, na educação e até na reforma agrária, mas a comunicação ainda é um tabu. Há um descompasso entre o que a sociedade já avançou e a legislação que é muito atrasada”. “Mas as rádios comunitárias não vão recuar”, garantiu, anunciando para o segundo semestre uma vigília permanente em Brasília pela democratização da comunicação. “Não vamos mais sair de lá”, prometeu.
“O campo público de comunicação tem que mudar a cabeça”
Enquanto não houver um modelo de financiamento sustentável, a comunicação pública brasileira não avançará. A avaliação foi feita pelo presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Nelson Breve, no painel de abertura do seminário. Breve apontou quatro desafios que considera fundamentais para atingir esse objetivo: modelo institucional, infraestrutura de produção e distribuição, audiência e financiamento propriamente dito.
Quanto ao modelo institucional, o presidente da EBC defendeu que a comunicação pública deve manter uma linha editorial independente e plural, e adotar um modelo de governança social e corporativa. Outro desafio neste ponto é o regime de contratação de recursos humanos que hoje coloca muitos obstáculos para as empresas públicas. No terreno da infraestrutura, as empresas e entidades que fazem comunicação pública convivem diariamente com equipamentos defasados e, muitas vezes, sucateados. A modernização desses equipamentos é uma exigência urgente e permanente, dada a velocidade dos avanços tecnológicos no setor. Uma urgência, cabe assinalar, geralmente adiada pela falta de recursos.
O terceiro desafio apontado por Nelson Breve é o aumento da audiência. “Nós temos concorrentes e precisamos trabalhar pensando em tomar índices de audiência da concorrência. Não adianta ficar pregando para convertidos, fazendo coisas chatas de que só nós gostamos. E além de ampliar a nossa audiência precisamos fidelizar esse novo público que conquistarmos. Boni, ex-diretor da Globo, resumiu isso da seguinte forma: a TV Brasil tem que ser uma Globo com conteúdo diferente, tem que se apropriar da mesma linguagem com outro conteúdo”.
Mas como fazer tudo isso sem dinheiro, ou com pouco dinheiro? Como modernizar equipamentos, aprimorar a gestão e melhor a qualidade da programação com restrições orçamentárias? A EBC, por exemplo, segundo informou seu presidente, custa hoje cerca de R$ 500 milhões ao ano, sendo que, deste total, 200 milhões são destinados a pagamento de pessoal.
Nelson Breve descartou a possibilidade de um modelo de financiamento via orçamento público. Esse modelo, para ele, não é sustentável em função da escassez de recursos e das mudanças de prioridades ditadas pelas mudanças de governos. Outro caminho seria a tributação vinculada, como existe em países como Inglaterra, França, Portugal e Alemanha. O presidente da EBC lembrou que o ex-governador de São Paulo, Mário Covas, tentou criar uma taxa desse tipo, ligada à conta da energia, para financiar a TV Cultura. “Apanhou de tudo o que é lado e desistiu da proposta. Acho difícil criar novos tributos. O negócio é disputar uma fatia dos já existentes”, assinalou Breve.
Diante do quadro de restrição orçamentária e de limites políticos, Nelson Breve defendeu a necessidade de uma mudança de mentalidade no campo da comunicação pública. “O orçamento está esgotado e é insuficiente. O campo público tem que mudar a cabeça e partir para a captação de recursos próprios, seja pela prestação de serviços ou pela publicidade institucional. É preciso também diversificar as fontes de financiamento e ter criatividade. Não podemos esquecer que gerar receita é responsabilidade de quem gere a comunicação pública. Temos a obrigação também de apresentar resultados e prestar contas”. Para que tudo isso ocorra, concluiu o presidente da EBC, “precisamos ter uma gestão profissional e não apenas militante”.
Esse debate não é novo na história do Brasil e o fato de que ele ainda não foi realizado de maneira satisfatória é testemunha das enormes dificuldades e obstáculos no seu caminho. A radiodifusão pública teve e tem um papel decisivo na luta pela democracia no Brasil, lembrou Pedro Osório. Mas a democratização da comunicação, ressaltou, esbarra em limites políticos, limites difíceis de superar. Esses limites políticos estão diretamente ligados ao tema central do seminário promovido pela Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital do governo gaúcho. “A questão do financiamento é decisiva. Sem resolvê-la, não avançaremos”, enfatizou Pedro Osório. O problema do financiamento da comunicação pública, portanto, parece diretamente condicionado à possibilidade de superar os limites políticos que hoje atravancam o debate sobre a regulamentação da comunicação e da mídia em nível nacional.
Os valores e compromissos dessa luta estão claramente delineados. “Nosso compromisso é com uma comunicação democrática e cidadã, uma comunicação entendida como um bem comum”, resumiu Vera Spolidoro, secretária de Comunicação e Inclusão Digital do governo gaúcho e anfitriã do evento que iniciou na noite de sexta-feira (5), no Hotel Continental, em Porto Alegre. “No Rio Grande do Sul”, assinalou a secretária, “se consome muita comunicação, mas se discute comunicação muito pouco”. “Nós queremos fazer esse debate, sob o comando da sociedade e não do governo que é sempre transitório”. Esse é o lema, aliás, que orienta a proposta de criação do Conselho Estadual de Comunicação no Rio Grande do Sul, que está em fase final de implementação.
“Nosso objetivo é promover o debate com a sociedade, sistematizar a apresentação de propostas de financiamento e discutir qual deve ser o papel do Estado na promoção da comunicação pública”, acrescentou Vera Spolidoro.
Os obstáculos não são poucos para esse debate avançar. Paulo Miranda, presidente da Associação Brasileira de Canais Comunitários (Abccom) apontou um deles: a ameaça que paira sob a proposta de criação de 11.131 TVs comunitárias no Brasil por meio do Canal da Cidadania, prevista pelo Decreto 5820/2006 e pela Portaria 489/2012. “O governo federal não pode entregar a faixa dos 700 MHz para as empresas de telecomunicações fazerem telefonia G4. Essa faixa pertence às TVs educativas e culturais, legislativas, comunitárias e universitárias, TV Brasil e TV Justiça. O povo brasileiro deve repudiar essa ameaça contra as TVs públicas no país”.
No que diz respeito ao tema do financiamento do campo público, Paulo Miranda disse que as vitórias nos últimos anos são igual a zero. “Na hora de discutir a divisão do bolo temos um Muro de Berlim triplicado pela frente. Nós enfrentamos uma barreira muito grande quando essa discussão chega na Secom (Secretaria de Comunicação do governo federal) e na Presidência da República”, afirmou. Na mesma linha, Mario Jefferson Leite Melo, coordenador da Frente Nacional pela Valorização das TVS do Campo Público (Frenavatec), disparou: “O Brasil sempre andou na contramão neste tema. Estamos com pelo menos 50 anos de atraso em relação ao que é feito em outros países”.
Para Joaquim Goulart, da seção gaúcha da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias, o Brasil, na área da comunicação, tem uma dívida com o seu povo. “Avançamos na saúde, na educação e até na reforma agrária, mas a comunicação ainda é um tabu. Há um descompasso entre o que a sociedade já avançou e a legislação que é muito atrasada”. “Mas as rádios comunitárias não vão recuar”, garantiu, anunciando para o segundo semestre uma vigília permanente em Brasília pela democratização da comunicação. “Não vamos mais sair de lá”, prometeu.
“O campo público de comunicação tem que mudar a cabeça”
Enquanto não houver um modelo de financiamento sustentável, a comunicação pública brasileira não avançará. A avaliação foi feita pelo presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Nelson Breve, no painel de abertura do seminário. Breve apontou quatro desafios que considera fundamentais para atingir esse objetivo: modelo institucional, infraestrutura de produção e distribuição, audiência e financiamento propriamente dito.
Quanto ao modelo institucional, o presidente da EBC defendeu que a comunicação pública deve manter uma linha editorial independente e plural, e adotar um modelo de governança social e corporativa. Outro desafio neste ponto é o regime de contratação de recursos humanos que hoje coloca muitos obstáculos para as empresas públicas. No terreno da infraestrutura, as empresas e entidades que fazem comunicação pública convivem diariamente com equipamentos defasados e, muitas vezes, sucateados. A modernização desses equipamentos é uma exigência urgente e permanente, dada a velocidade dos avanços tecnológicos no setor. Uma urgência, cabe assinalar, geralmente adiada pela falta de recursos.
O terceiro desafio apontado por Nelson Breve é o aumento da audiência. “Nós temos concorrentes e precisamos trabalhar pensando em tomar índices de audiência da concorrência. Não adianta ficar pregando para convertidos, fazendo coisas chatas de que só nós gostamos. E além de ampliar a nossa audiência precisamos fidelizar esse novo público que conquistarmos. Boni, ex-diretor da Globo, resumiu isso da seguinte forma: a TV Brasil tem que ser uma Globo com conteúdo diferente, tem que se apropriar da mesma linguagem com outro conteúdo”.
Mas como fazer tudo isso sem dinheiro, ou com pouco dinheiro? Como modernizar equipamentos, aprimorar a gestão e melhor a qualidade da programação com restrições orçamentárias? A EBC, por exemplo, segundo informou seu presidente, custa hoje cerca de R$ 500 milhões ao ano, sendo que, deste total, 200 milhões são destinados a pagamento de pessoal.
Nelson Breve descartou a possibilidade de um modelo de financiamento via orçamento público. Esse modelo, para ele, não é sustentável em função da escassez de recursos e das mudanças de prioridades ditadas pelas mudanças de governos. Outro caminho seria a tributação vinculada, como existe em países como Inglaterra, França, Portugal e Alemanha. O presidente da EBC lembrou que o ex-governador de São Paulo, Mário Covas, tentou criar uma taxa desse tipo, ligada à conta da energia, para financiar a TV Cultura. “Apanhou de tudo o que é lado e desistiu da proposta. Acho difícil criar novos tributos. O negócio é disputar uma fatia dos já existentes”, assinalou Breve.
Diante do quadro de restrição orçamentária e de limites políticos, Nelson Breve defendeu a necessidade de uma mudança de mentalidade no campo da comunicação pública. “O orçamento está esgotado e é insuficiente. O campo público tem que mudar a cabeça e partir para a captação de recursos próprios, seja pela prestação de serviços ou pela publicidade institucional. É preciso também diversificar as fontes de financiamento e ter criatividade. Não podemos esquecer que gerar receita é responsabilidade de quem gere a comunicação pública. Temos a obrigação também de apresentar resultados e prestar contas”. Para que tudo isso ocorra, concluiu o presidente da EBC, “precisamos ter uma gestão profissional e não apenas militante”.
Fotos: Gustavo Gargioni/Palácio Piratini
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