domingo, 7 de abril de 2013

[Insatisfação...] Grandolar


Selvino Heck
Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República
Adital

Foto: racismoambiental

Um economista brasileiro neoliberal disse há poucos dias: "A saída é frear a economia. Demitir mesmo!” Assim, curto e grosso.
Outro economista, também neoliberal e brasileiro, falou: "Sem aumentar a taxa de desemprego, será difícil manter a inflação sob controle num prazo mais longo. A inflação vai se acelerar novamente.”
Um terceiro, também neoliberal e brasileiro: "O governo não dá sinais de que quer abandonar a estratégia de estimular o consumo. (Para aumentar o PIB) teria que reduzir seus gastos correntes em proporção às receitas, grande parte das quais são transferências de renda às classes de renda mais baixas, responsáveis pela elevação do consumo.”
Abro o jornal e leio, manchete de capa: "Emprego e renda em alta podem frear economia – Em fevereiro, a taxa de desemprego ficou em 5,6%, a menor para o mês em dez anos. O mercado de trabalho aquecido e a renda em alta devem segurar o crescimento da economia porque representam um custo elevado, sobretudo para a indústria, alertam especialistas. A renda média do trabalhador cresce há 16 meses na comparação anual.” E na manchete interna da página de economia: "Emprego em alta freia PIB – Ganho do trabalhador vira custo para indústria e analistas já veem trava ao crescimento” ( O Globo, 29.03.2013).
Leio em outro jornal: "Desemprego do euro chega a 12% no início do ano – Índice recorde deve reforçar a pressão sobre Banco Central para reduzir juros e estimular a produção – A comparação com fevereiro de 2012 mostra que o número de pessoas sem trabalho aumentou 1,77 milhão” (Folha de São Paulo, Economia A18 Mundo, 03.04.13). Alguns números do tamanho do desemprego: Espanha, 26,3%; Portugal, 17,5%; Irlanda, 14,2%; Itália, 11,6%; França, 10,8%, Grécia, 26,4%; Chipre, 14%; Eslováquia, 14,6%. Estônia, 9,9%.
A presidenta Dilma deu a resposta brasileira à crise, quando estava em Durban, África do Sul, na reunião dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): "Não concordo com políticas de combate à inflação que olhem a questão da redução do crescimento econômico. Vou acabar com o crescimento no país? Isso está datado, é uma política superada”. O combate à inflação com medidas de desaquecimento econômico é uma ‘política superada, segundo a presidenta’, um ‘receituário que quer matar o doente’.
Em Portugal, diante da crise e para animar as manifestações, criou-se um verbo: grandolar. Conta Carta Capital (20.03.13): "Milhares de manifestantes, muitos abraçados, sincronizaram o coro e cantaram Grândola, Vila Morena, música-hino da Revolução dos Cravos e que agora, quase 40 anos depois daquele 25 de abril de 1974, volta a ser entoada em Portugal. Alguns jovens tinham a letra em papeis ou na tela de seus telefones. A grande maioria sabia de memória a canção. Quando chegou o momento da frase ‘o povo é quem mais ordena’, o coro cresceu. Houve quem chegou às lágrimas. Os políticos são interrompidos assim que começam a falar e sempre da mesma forma: com a Grândola, Vila Morena cantada pelos manifestantes. Até se criou um verbo –grandolar– que representa a insatisfação com os rumos do país”.
Há um embate econômico em curso, que em vários momentos torna-se político e até ideológico, o que é bom, urgente e necessário. Que país queremos construir? Quais as bases e os valores de uma Nação? Qual projeto de desenvolvimento: o democrático-popular dos anos oitenta? Ou o sócio-desenvolvimentismo atual? Qual a participação da sociedade na construção deste projeto de país e Nação?
Grandes mobilizações aconteceram em 1975 em Portugal. Grandes manifestações populares e mobilizações sociais voltaram a acontecer a partir da crise de 2008, estendendo-se até 2013. Então, era por democracia. Hoje, para manter a democracia, por vezes ameaçada, por emprego, salário, dignidade, soberania. Faz sentido a Declaração da Assembleia dos Movimentos Sociais no Fórum Social Mundial 2013, realizado há pouco na Tunísia: "Inspirados na história de nossas lutas e na força renovadora do povo em rebeldia, a Assembleia dos Movimentos Sociais convoca todas e todos a desenvolver ações coordenadas em nível mundial numa jornada mundial de mobilização (data a definir)”.
Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso, um hino, permanece plenamente atual. Basta ver, admirar e cantar, a plenos pulmões, sua letra libertária: "Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ O povo é quem mais ordena/ dentro de ti, ó cidade./ Em cada esquina, um amigo/ Em cada rosto, igualdade/ Grândola, vila morena/ Terra da fraternidade/ À sombra duma azinheira/ Que já não sabia a idade/ Jurei ter por companheira/ Grândola, a tua vontade/ Terra da fraternidade/ Grândola, vila morena/ Em cada rosto, igualdade/ O povo é quem mais ordena.”
Grandolar: ser livre, ter um sonho, lutar contra a opressão, clamar por justiça. Grandolar: resistir, se for preciso até a morte, não se deixar levar pelo medo, não se dobrar ante os poderosos. Grandolar: ir para a rua, gritar por dignidade, justiça, liberdade. Grandolar: ser companheiro, ser companheira. Grandolar: viver, amar, ser feliz.
Em cinco de abril de dois mil e treze.

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