sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Israel e Gaza: Robert Fisk entrevista Uri Avnery


O velho Uri Avnery tem 89 anos e ainda luta. De fato, escritor mundialmente conhecido, ainda é um dos maiores guerreiros da esquerda de Israel, ainda exige paz com os palestinos, paz com o Hamás, um estado palestino nas fronteiras de 67 - com pequenos acertos de território para um lado e outro. Ainda crê que Israel poderia ter paz, amanhã ou na próxima semana. Se Netanyahu quisesse paz. "Azar de otimista incorrigível" - assim ele descreve o próprio destino. Ou talvez seja, mesmo, só, um velho mágico?

Robert Fisk
Uri Avnery: “Um dos maiores guerreiros da esquerda de Israel quer paz com Hamás e Gaza. Mas e o Knesset?”
Uri Avnery: "Um dos maiores guerreiros da esquerda de Israel quer paz com Hamás e Gaza. Mas e o Knesset?"
Ainda é o mesmo sujeito que encontrei há 30 anos, jogando xadrez com Yasser Arafat nas ruínas de Beirute. Cabelos e barbas hoje brancos, lança palavras - diz que ultimamente anda um pouco surdo - com a mesma fúria e o humor de sempre. Pergunto a Avnery o que estão fazendo Netanyahu e seu governo. Qual o objetivo deles nessa guerra de Gaza? Os olhos dele brilham e ele responde.
Você pressupõe que eles queiram alguma coisa e que queiram paz - e, nesse caso, a política deles é idiota, ou insana. Mas se você assume que não dão a mínima para a paz, mas querem um estado judeu que vá do Mediterrâneo ao rio Jordão, então, em certa medida, o que estão fazendo tem um certo sentido. O problema é que o que eles querem está levando a um beco sem saída - porque já temos um estado em toda a Palestina histórica, três quartos do qual é o estado judeu de Israel e um quarto do qual são a Cisjordânia e a Faixa de Gaza ocupadas.
Apartheid em Israel
Avnery fala em sentenças perfeitas. Minha caneta corre pelo papel até ficar sem tinta. Tenho de usar uma das dele.
Se anexarem a Cisjordânia como anexaram Jerusalém Leste - diz ele - nem faz muita diferença. O problema é que nesse território que hoje é dominado por Israel, há 49% de judeus e 51% de árabes, e o desequilíbrio aumenta ano a ano, porque o crescimento populacional natural entre os árabes é muito maior que o crescimento natural do nosso lado. Portanto, a verdadeira pergunta é: se essa política continua, que tipo de estado haverá? Como é hoje, é um estado de apartheid; absoluto apartheid nos territórios ocupados e apartheid crescente em Israel. E se isso continuar, haverá absoluto apartheid em todo o país, sem dúvida alguma.
O argumento de Avnery avança, claro.
Se os habitantes árabes tiverem garantidos plenos direitos civis, logo haverá maioria árabe no Knesset [Parlamento], e a primeira coisa que esse Parlamento fará será trocar o nome do país, de "Israel" para "Palestina", e todo o exercício dos últimos 130 anos será reduzido a nada. Limpeza étnica massiva é impossível no século 21 - diz ele ou espera ele - mas quanto à demografia, não há o que discutir.
É uma supressão. Espera-se que ninguém pense nisso, que se afaste a ideia da nossa consciência. Nenhum dos partidos fala sobre esse problema. A palavra 'paz' não aparece em nenhum manifesto eleitoral, exceto no do pequeno partido Meretz -, nem nos partidos da Oposição nem na Coalizão. A palavra 'paz' desapareceu completamente em Israel.
A esquerda em Israel? Como que, mais ou menos, hiberna - desde que a esquerda foi destruída por Ehud Barak, em 2000. Ele voltou de Camp David - como autoproclamado líder do "campo da paz" - e decidiu que "não temos parceiro para a paz". Foi golpe mortal. Quem disse isso não foi Netanyahu, mas o líder do Partido Trabalhista. Foi o fim do movimento Paz Agora.
Esperança
Então, o otimista ressurge, com a nuvens escurecendo o mar que se avista do apartamento de Avnery, sétimo andar, em Telavive.
Quando encontrei-me com Arafat em 1982, os termos estavam ali. O mínimo e o máximo do que os palestinos queriam era a mesma coisa: um estado palestino junto a Israel, que compreenderia a Cisjordânia, a Faixa de Gaza e Jerusalém Leste como capital, com pequenos acertos de território e uma solução simbólica para a questão dos refugiados. Lá está sobre a mesa, como flor murcha. Olha para nós todos os dias. Já cedemos a Faixa de Gaza - para ganhar o controle sobre a Cisjordânia, assim como [Menachem] Begin cedeu todo o Sinai, para ganhar toda a Palestina.
Avnery está convencido de que o Hamás aceitaria proposta semelhante - como disse a eles, em Gaza, em 1993;
... lá estava eu, frente a 500 xeiques de barbas negras, eu falando hebraico. Aplaudiram e me convidaram para o almoço.
Várias vezes, reuniu-se com delegados do Hamás depois daquele dia. Para eles, defender a Palestina é waqf [dever absoluto, sob a lei islâmica], não podem ceder a Palestina. Mas um acordo pode ser reconhecido e santificado também em termos religiosos. "Se oferecessem uma trégua de 50 anos, para mim, pessoalmente, seria suficiente". "Claro - diz Avnery - o Hamás mantém, em seu manifesto, que quer destruir Israel. Abolir um manifesto é coisa muito difícil de fazer. Os russos algum dia aboliram o Manifesto Comunista? Pois a OLP aboliu o manifesto deles".
E assim seguem as coisas. Os grupos da paz, pequenos mais muito ativos - Gush Shalom [Bloco da Paz], o projeto Paz Agora, que monitora as colônias, os Combatentes da Paz (ex-soldados israelenses e ex-combatentes palestinos) e outros assemelhados preparam-se para as eleições de janeiro. Curiosamente, Avnery acredita que o terrível - e muito execrado - Relatório Goldstone sobre a matança que foi a guerra de Gaza de 2008-2009, foi o que impediu, daquela vez, a invasão por terra.
Goldstone pode orgulhar-se do que fez - de fato, salvou muitas vidas.
Não poucos, na esquerda de Israel, sonham com que Uri Avnery viva outros 89 anos

Aproveitamento de água da chuva deve ser local


Na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP foi desenvolvido um modelo de gestão integrada de drenagem e aproveitamento da água proveniente de chuvas e do reúso do esgoto sanitário tratado. Para a elaboração do modelo, em relação às águas da chuva o tecnólogo em saneamento Ricardo Camilo Galavoti avaliou três tipos de cobertura — telhado de zinco, Cobertura Verde Leve (CVL) e Cobertura Tetra Pak.

Paloma Rodrigues
Sistema proposto visa tratamentos locais para a água
Já para o esgoto sanitário tratado, a pesquisa propôs modificações para um sistema de biodigestão desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), visando seu reúso em escala de lote domiciliar. “Torna-se necessário começar a pensar mais em aproveitamento e reuso local, pois isso pode tornar-se mais viável que pensar em um sistema de grande porte, dependendo de cada situação em particular”, diz Galavoti.
Um dos principais objetivos foi verificar a influência que o material de cobertura de telhados exerce sobre a qualidade da água da chuva. A gestão integrada consiste em elaborar um modelo que culmine na racionalização do uso de água, com o aproveitamento da água proveniente da chuva. Os testes foram realizados em escala de lote residencial, que no caso da cidade de São Carlos, no interior de São Paulo, tem o padrão com áreas de 250 metros quadrados (m²). Os testes foram realizados em um lote experimental, montado em um condomínio residencial em São Carlos.
“Queríamos ver a influência que o tipo de material tinha sobre a qualidade da água da chuva armazenada e, para isso, avaliamos os prós e contras de cada sistema”, diz ele. Uma das coberturas, chamada de Cobertura Verde Leve (CVL) retém uma grande quantidade de águas pluviais, enquanto as demais favorecem o escoamento das águas com um melhor padrão de qualidade. Em todos os sistemas de água foram feitas instalações hidráulicas e mecânicas.
Dentre as diversas sugestões feita por Galavoti para tratamento de esgoto tratado está o emprego de um sistema de desinfecção por raios ultravioleta que, no entanto, precisa ser aperfeiçoado para ter sua utilização futura plenamente viabilizada.
Reaproveitamento local
A inovação não foi no campo dos materiais utilizados, pois eles podem ser encontrados em lojas especializadas. O fator que trouxe novidade para o trabalho foi a concepção e as possíveis propostas que podem decorrer dela. “A primeira questão é que não existem muitos sistemas montados. Não se trata de um sistema tão difundido. No nosso caso, criamos um tratamento in loco, ou seja, no local. A partir disso desenvolvemos um estudo de qualidade com diversos parâmetros”, avalia o pesquisador.
A tese de doutorado Proposta de um modelo de gestão integrada de águas urbanas em escala de lote residencial: alcances e limitações foi orientada pelo professor Eduardo Mario Mendiondo. Em seu estudo, Galavoti conseguiu mostrar quais metais inviabilizam o uso das águas pluviais para uso potável. Isso permite que se faça um tratamento local da água, favorecendo sua pronta utilização.
Segundo o tecnólogo, o foco da pesquisa foi o de fomentar uma nova abordagem para a política de águas urbanas no Brasil, que possa ser gerida a partir de uma escala de microdrenagem, ou seja, a partir de lotes residenciais. “É preciso pensar em reutilizar em pequeno porte, priorizando a questão da qualidade da água e também a prevenção de desastres naturais, como enchentes e inundações”.

Mapa da Violência 2012 mostra "pandemia" de mortes de jovens negros, diz professor


O estudo focaliza a incidência da questão racial na violência letal do Brasil, tomando como base os registros de mortalidade do Ministério da Saúde entre os anos 2002 e 2010.

Thais Leitão
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O trabalho verifica a incidência da vitimização negra nas Unidades da Federação, nas Capitais e nos Municípios brasileiros, tentando identificar os focos e os determinantes dessa violência.
2012 | Crianças e Adolescentes
As mortes por assassinato entre os jovens negros no país são, proporcionalmente, duas vezes e meia maior do que entre os jovens brancos. Em 2010, o índice de mortes violentas de jovens negros foi de 72, para cada 100 mil habitantes; enquanto entre os jovens brancos foi de 28,3 por 100 mil habitantes. A evolução do índice em oito anos também foi desfavorável para o jovem negro. Na comparação com os números de 2002, a taxa de homicídio de jovens brancos caiu (era 40,6 por 100 mil habitantes). Já entre os jovens negros o índice subiu (era 69,6 por 100 mil habitantes).
Os dados fazem parte do "Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil", divulgado nesta quinta-feira (29) em Brasília, pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela), a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir).
De acordo com o professor Julio Jacobo, responsável pelo estudo, os dados são “alarmantes” e representam uma “pandemia de mortes de jovens negros”. Entre os fatores que levam a esse panorama, ele cita a “cultura da violência” --tanto institucional como doméstica, e a impunidade. Segundo o professor, em apenas 4% dos casos de homicídios no Brasil, os responsáveis vão para a cadeia.
“O estudo confirma que o polo de violência no país são os jovens negros e não é por casualidade. Temos no país uma cultura que justifica a existência da violência em várias instâncias. O Estado e as famílias toleram a violência e é essa cultura que faz com que ela se torne corriqueira, que qualquer conflito seja resolvido matando o próximo”, disse Jacobo.
O professor defende políticas públicas mais amplas e integradas para atacar a questão, principalmente na área da educação. “Há no país cerca de 8 milhões de jovens negros que não estudam nem trabalham. As políticas públicas de incorporação dessa parcela da população são fundamentais para reverter o quadro”.
Ainda segundo o estudo, a situação mais grave é observada em oito Estados, onde a morte de jovens negros ultrapassa a marca de 100 homicídios para cada 100 mil habitantes. São eles: Alagoas, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Mato Grosso, Distrito Federal, Bahia e Pará. A análise por municípios é ainda mais preocupante: em Simões Filho, na Bahia, e em Ananindeua, no Pará, são registrados 400 homicídios de jovens negros por 100 mil habitantes.
O professor enfatizou que as taxas de assassinato entre a população negra no Brasil são superiores às de muitas regiões que enfrentam conflitos armados. Jacobo também comparou a situação brasileira à de países desenvolvidos, como Alemanha, Holanda, França, Polônia e Inglaterra, onde a taxa de homicídio é 0,5 jovem para cada 100 mil habitantes.
“Para cada jovem que morre assassinado nesses países, morrem 106 jovens e 144 jovens negros no Brasil. Se compararmos com a Bahia, são 205 jovens negros para cada morte naqueles países; e no município baiano de Simões Filho, que tem o pior índice brasileiro, são 912 mortes de jovens negros para cada assassinato de jovem”, disse.
O secretário-executivo da Seppir, Mário Lisboa Theodoro, enfatizou que o governo federal tem intensificado as ações para enfrentar o problema que classificou de “crucial”. Ele lembrou que foi lançado em setembro, em Alagoas, o projeto Juventude Viva, para enfrentar o crescente número de homicídios entre jovens negros de todo o país. A iniciativa prevê aulas em período integral nas escolas estaduais, a criação de espaços culturais em territórios violentos e o estímulo ao empreendedorismo juvenil, associado à economia solidária.
O Juventude Viva é a primeira etapa de uma ação mais ampla –o Plano de Prevenção à Violência Contra a Juventude Negra. A meta do governo é expandir o programa no primeiro semestre de 2013 para mais cinco unidades federativas: Paraíba, Espírito Santo, Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul.
“O objetivo é garantir um conjunto de serviços às comunidades onde esses jovens residem, como infraestrutura, além de fornecer oportunidade de estudo e de ocupação para eles, aproveitando inclusive os eventos esportivos que o Brasil vai sediar, como a Copa do Mundo”, disse Theodoro.
Integrantes do Movimento Negro de Ribeirão Preto (SP) realizam caminhada pelo centro da cidade para marcar o Dia da Consciência Negra, nesta terça-feira.

O direto à liberdade dos palestinos


Segregar pessoas e tratá-las como se elas não pertencessem ao seu próprio país é errado. É errado na África do Sul. Também é errado em Israel, enfatiza Marc H. Ellis

Thamiris Magalhães
“O conflito entre judeus e palestinos em Israel/Palestina é principalmente político”, afirma o ex-professor Universitário de Estudos Judaicos Marc H. Ellis. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o professorvisitante sênior de Estudos de Paz e Conflitos da Universidade da Paz, na Costa Rica, frisa que o conflito é sobre a terra, povo, estado e os recursos para mantê-los. “É claro que a religião está presente também. Obviamente, Jerusalém é central para as três religiões monoteístas e este patrimônio religioso compartilhado aumenta o drama político”, continua. Para ele, como em outras partes do globo, a religião tende a seguir o teor da situação política. “Na medida em que Jerusalém e Israel/Palestina são, em geral, militarizados, o judaísmo e o islamismo também o são”. E completa: “Se a situação política é desmilitarizada, o judaísmo e o islamismo também o serão. Devido às características demográficas e a outros fatores, o cristianismo tem um papel limitado na equação política Israel/Palestina”.
Marc H. Ellis recentemente se aposentou como professor universitário de Estudos Judaicos. Foi diretor do Centro de Estudos Judaicos e professor de História na Universidade de Baylor, do Texas, Estados Unidos. Foi ainda bolsista sênior do Centro para o Estudo das Religiões do Mundo e do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade de Harvard. Atualmente é professor visitante sênior de Estudos de Paz e Conflitos da Universidade da Paz, na Costa Rica. Professor Ellis é autor de mais de 20 livros, incluindo o inovador Toward a Jewish Theology of Liberation (Para uma teologia judaica da Libertação. Nova Iorque: Orbis Books, 1986). Ellis mantém um blog atualizado diariamente, chamado Exile and the Prophetic, que pode ser acessado em www.mondoweiss.net.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como você analisa o papel da religião no conflito entre israelenses e palestinos?

Marc H. Ellis –
 O conflito entre judeus e palestinos em Israel/Palestina é principalmente político. O conflito é sobre a terra, povo, estado e os recursos para mantê-los. É claro que a religião está presente também. Obviamente, Jerusalém é central para as três religiões monoteístas e este patrimônio religioso compartilhado aumenta o drama político. Como em outras partes do globo, a religião tende a seguir o teor da situação política. Na medida em que Jerusalém e Israel/Palestina são, em geral, militarizados, o judaísmo e o islamismo também o são. Se a situação política é desmilitarizada, o judaísmo e o islamismo também o serão. Devido às características demográficas e a outros fatores, o cristianismo tem um papel limitado na equação política na região.
IHU On-Line – Em sua opinião, a analogia feita entre o que acontece entre israelenses e palestinos na região com o apartheid sul-africano é significativa? Por quê?

Marc H. Ellis –
 Na história, analogias nos desviam do caminho. Eu vejo o mundo através das lentes da história judaica. Segregar pessoas e tratá-las como se elas não pertencessem ao seu próprio país é errado. É errado na África do Sul. Também é errado em Israel. Os palestinos têm o direito de serem livres em sua própria pátria.
IHU On-Line – O conflito tem uma motivação política e geopolítica na sua origem, qual seja, a organização do movimento sionista moderno. Hoje, existem aspectos teológicos usados para apoiar as ações tomadas por Israel?

Marc H. Ellis –
 Desde o início, o sionismo foi principalmente secular, mas sempre houve uma ala religiosa do sionismo. Tal como acontece com o sionismo secular, a ala religiosa foi diversificada. Isso incluía sionistas terra pátria espirituais, como Martin Buber , segundo o qual judeus e palestinos deveriam partilhar a Palestina. Hoje, a maioria dos sionistas religiosos usa o Estado [de Israel] para promover suas reivindicações messiânicas exclusivistas para os judeus. Dito isso, a religiosidade judaica é mais difícil de caracterizar do que a religiosidade cristã. A divisão na vida judaica entre o religioso e o sagrado é diferenciada, uma vez que você vai além das categorias simples de crença e não crença. Assim, eu diria que tanto religiosos como seculares, sionistas-estatais e sionistas-terra pátria, possuem aspectos histórico-religiosos. A dissidência dentro da vida judaica, especialmente em relação ao sionismo e ao Estado de Israel, traz em si esse mesmo aspecto histórico-religioso. Na maior parte do tempo, os judeus simplesmente argumentam como judeus. No entanto, a argumentação judaica é sempre colorida por um sentido de povo e de destino. Eu chamaria as bases deste encontro profundo com o judaísmo de histórico-religioso.
IHU On-Line – Qual é a relação entre sionismo religioso e sionismo político? Hoje, eles são diferentes? Em que momentos eles se misturam?

Marc H. Ellis –
 Os sionismos religioso e político são essencialmente separados. Eles também trabalham juntos para determinados objetivos. Um objetivo comum é a dominação da terra e da política no Estado expansionista de Israel. Outro objetivo comum é que a terra de Israel seja somente para os judeus. Sionistas religiosos e políticos acreditam que os judeus têm de ser privilegiado em Israel e que palestinos são uma ameaça à soberania judaica. Claro, há gradações e divisões. Na maior parte do tempo, sionistas religiosos e sionistas de estado divergem sobre questões fundamentais do destino judaico e concordam sobre os elementos práticos da ascendência judaica.
IHU On-Line – Qual é a posição das várias correntes do judaísmo contemporâneo em relação ao conflito? Em geral, a comunidade judaica internacional tem uma posição clara diante das ações israelenses no Oriente Médio?

Marc H. Ellis –
 Em geral, sim, a comunidade judaica segue o que eu chamo de uma linha de Constantino . Nas últimas décadas, se formou um judaísmo constantino que apoia Israel, sem dúvida. Quando há dúvidas, elas são silenciadas a fim de manter a solidariedade judaica. Ao lado dos judeus constantinos, estão os judeus de consciência. Judeus constantinos diferem dos judeus de consciência, pois eles veem aliança da comunidade judaica com o império como uma traição ao próprio conceito do que significa ser judeu. Existe uma guerra civil na comunidade judaica entre estes dois grupos. Desta guerra civil, não há fim à vista.
IHU On-Line – Qual é o significado de “uma Paz Justa” e qual a sua relação com o conflito israelense-palestino?

Marc H. Ellis –
 A questão das questões! O consenso internacional é de dois Estados para dois povos, Israel ao lado da Palestina. A realidade é que Israel tomou tanto de Jerusalém e da Cisjordânia que poucos acreditam que uma solução de dois Estados seja possível ainda. Alguns defendem uma solução de um Estado onde judeus e palestinos vivam lado a lado em um Estado com igual cidadania, independentemente da origem étnica ou religiosa. Nenhum dos cenários é provável em um futuro próximo. Hoje, temos um Estado, Israel, que domina as terras de Tel Aviv até o Rio Jordão. Há milhões de palestinos sob o controle de Israel, pois eles vivem sem os fundamentos da cidadania e da igualdade.
IHU On-Line – Em sua opinião, um diálogo direto entre a Autoridade Nacional Palestina – ANP e o Estado de Israel é o caminho mais curto para alcançar a paz na região? Ou pode a ONU, como uma instituição representativa e intervencionista, ser a forma mais eficaz? Por quê? 

Marc H. Ellis –
 Nenhuma [das duas soluções] vai funcionar. É uma questão de poder, que Israel tem e palestinos não. Não há qualquer poder capaz ou disposto a pressionar Israel a retroceder às fronteiras de 1967. A ONU é impotente.
IHU On-Line – Como você explicaria teologicamente o conflito no Oriente Médio? Em sua opinião, é possível fazer uma interpretação dos textos sagrados, à luz do que está acontecendo na região? 

Marc H. Ellis –
 Duvido que textos sagrados façam muito bem no Oriente Médio ou em qualquer outro lugar. Viver o profético é o que podemos fazer. Embora o profético esteja fadado ao fracasso, falhas proféticas abrem a possibilidade de mudança no futuro. Cada plano de paz conhecido pela humanidade foi tentado no conflito Israel/Palestina. O que precisamos agora é a verdade. Deixem as profecias acontecerem indiferentemente das consequências e do que venha a acontecer.
Tradução: Silvia Ferabolli

Memórias de uma ilusão fatal



Artista plástico que chegou à Palestina em 1935 diz que é preciso acabar 'com essa história de Israel grande' e derrubar 'o muro da vergonha'

PAULA SACCHETTA
Toco a campainha da casa em Santana algumas vezes, mas com a música clássica em alto e bom som, que dá pra escutar do lado de fora, ele certamente não deve ouvir meu chamado. É o ateliê de Gershon Knispel, artista plástico, de 80 anos. Telefono e ele vem abrir a porta. Vai logo baixando o som, "desse jeito não dá nem pra conversar, mas a música é minha inspiração, sem ela não consigo trabalhar". Ele mora em um apartamento em Higienópolis com a namorada, mas passa o dia no ateliê.
Gerson Knispel, radicado em SP desde 1995 - Paula Sacchetta/Estadão
Gerson Knispel, radicado em SP desde 1995

De origem judaica, Gershon nasceu em Köln, na Alemanha, em 1932 e, aos 3 anos, mudou-se para a Palestina. Muitos acreditaram que Hitler não duraria tanto, mas seu pai sabia que aquele que havia chegado ao poder pelo Partido Nacional-Socialista em 1933 seria uma ameaça à família. E assim, na Palestina, entre árabes e judeus, começa a vida e a formação do simpático velhinho que hoje afirma ser "um pintor de protesto". Tudo que viveu permeia nossa conversa e nos rodeia em pinturas e gravuras espalhadas pelo sobrado de tijolo iluminado por luz natural. Entre quadros e aquários, ele me recebe com uma camiseta preta na qual dá para enxergar a etiqueta para fora com letras em hebraico. No momento está organizando sua obra para um livro que deve sair em abril, mas diz que odeia tudo que o faz parar de pintar. Humanista e humanitário, afirma que sua rotina é reagir. Um dos pioneiros na chegada dos judeus à "terra prometida", explica como testemunha da história a origem dos conflitos de hoje, nos quais judeus e árabes continuam se matando entre mísseis, homens-bomba e assassinatos seletivos.
A hostilidade de um gueto"O grande erro naquela terra foi que os primeiros judeus que chegaram, russos e poloneses principalmente, vieram com uma cultura de gueto. Chegaram sentindo-se ameaçados e assim se isolaram. Cercaram suas casas com muros de madeira, pedras, sacos de areia. Compravam terras dos fazendeiros árabes endinheirados, os efêndis, que não avisavam os camponeses que nelas trabalhavam e iam embora para a Europa. Nelas, os judeus faziam os kibutzim (kibutz no plural), com muros, todos cercados. E foram, aos poucos, criando uma atmosfera hostil. Construíam torres, diziam que era para a caixa d'água, mas eram torres de vigilância. Tiravam as pedras e as usavam para cercar e delimitar o território de cada um. Expulsavam camponeses que trabalhavam nas terras e as cercavam. Esses pioneiros chegaram sem disposição para criar qualquer vínculo com aqueles que já moravam ali. Os alemães, que chegaram pouco depois, eram mais abertos, mas aí já era tarde.
Um outro povo na terra"A partir desse choque e desse antagonismo foi surgindo um nacionalismo árabe. Os judeus recém-chegados tinham sindicatos e organizações, e os árabes, que começaram a se sentir mais fracos, queriam organizar-se também - e o fizeram. Além disso, a língua falada nas ruas passou a ser o hebraico e até o iídiche foi liquidado, pois era preciso fortalecer uma espécie de orgulho nacional. Toda uma cultura forte que existia na região foi ignorada e praticamente desapareceu. Quando cheguei à Palestina não conseguia falar hebraico direito. Falava alemão na rua e era chamado de nazista pelas outras crianças judias. Já com os vizinhos árabes a coisa era diferente: as casas deles estavam sempre com as portas e janelas abertas, não tinham muitos móveis, mas eram cheias de tapetes e almofadas onde podíamos nos encostar e deitar. As casas tinham mosaicos de azulejos coloridos e fontes no quintal. Era diferente da minha própria casa, onde a gente entrava com os pés sujos de lama e tomava bronca da mãe. Eles recebiam bem quem chegasse. Eu me comunicava com eles em árabe, o pouco que aprendi na rua com as outras crianças. Para mim já era claro: não haveria futuro se nos fechássemos. E eu queria me adaptar. Minha família se estabeleceu em Haifa, uma cidade portuária, de pequenas praias, e como meus pais não tinham muito dinheiro, ficamos na parte mais pobre da cidade. Todos os meus vizinhos eram árabes. Quando chegamos já havia outro povo na terra, não era um deserto. Tinha um povo que era nosso irmão e precisávamos respeitá-lo. E também eram donos daquela terra.
Dividir para reinar"Nos anos 1930, judeus intelectuais da Palestina fundaram uma organização política, a Brit Shalom, que pregava a coexistência pacífica entre judeus e árabes. Era a primeira tentativa de negociação de paz na região. Pregavam que o maior inimigo era o mandato britânico e que os palestinos, árabes e judeus, precisavam se juntar pela paz permanente e tirar os ingleses da terra. Lutavam pelo estabelecimento de um Estado binacional onde árabes e judeus tivessem direitos iguais. Abdicavam do sonho sionista da criação de um Estado puramente judeu. Mas não conseguiram, pois já estava enraizada toda uma infraestrutura para tornar Israel um Estado judeu. O Grande Levante Árabe de 1936, que chega até nós, hoje, como um levante contra o povo judeu, era contra a Inglaterra e seu mandato na Palestina, contra o domínio colonial. Para piorar a situação, David Ben Gurion, que viria a ser o primeiro primeiro-ministro de Israel, inventou o conceito de 'trabalho judaico'. Os camponeses expulsos de suas terras e sem trabalho nas cidades, já que judeus só empregariam judeus, começaram a sentir mais raiva ainda. Os conflitos começaram a se aprofundar e a Inglaterra, obviamente, usava isso a seu favor. Dividindo os povos, poderia dominar mais facilmente. Em vez de nos juntarmos, nos separamos. Ben Gurion chegou à Palestina em 1908, e os judeus alemães, mais 'abertos' à convivência com os palestinos, só nos anos 1920 e 30.
O primeiro choque"Sou da chamada 'geração de 1948'. Participei de cinco guerras como oficial do Exército, mas foi em 1953 que tive meu maior choque, que foi a morte de todo aquele idealismo pra mim. Aos 12 fui morar em um kibutz socialista ao norte de Israel. Meus pais ficaram em Haifa e fui recebido por Shlomo e Tzilla Rozen. Eu era do Mapam, o partido socialista sionista em 1953, quando um amigo me levou para visitar Nazaré. Passamos por um hotel para peregrinos que se chamava Casa Nova. Fiquei horrorizado. O hotel era sujo, tinha um cheiro horrível de urina e muita gente e colchões amontoados nos quartos. Comecei a andar pelos corredores e vi que conhecia a gente que estava ali. Eles eram de Maalul, um dos centenas de vilarejos tirados do mapa e apagados por Israel depois de 1948. Eles confirmaram que eram de lá, também me conheciam e estavam esperando, me disseram. Estavam naquela situação havia mais de cinco anos. Esperando o quê? Nas guerras contra o mandato britânico seus vizinhos do kibutz, o mesmo onde eu morava, os tiraram da aldeia para protegê-los, disseram. Eles ficariam longe de casa durante a guerra, mas voltariam depois, sãos e salvos. Cinco anos haviam se passado e eles continuavam esperando. Fiquei com raiva. Voltei ao kibutz e perguntei a Shlomo o que significava aquilo. Contei tudo que havia visto em Nazaré. Ele ficou branco e me respondeu: 'Você conhece Ben Gurion? Ele é impossível. Não deixa que devolvamos as aldeias aos árabes'. Mas essas aldeias ainda existem?, perguntei. E ele: 'Não vamos entrar em detalhes'. Mas por que então ele fazia parte do governo de Ben Gurion (Shlomo era ministro da Imigração)? 'É melhor assim porque sem ele ficaremos pior', respondeu. Rasguei a carteira do partido na cara dele e saí sem me despedir. Entrei no Partido Comunista logo depois.
Brasil, um painel e um passaporte"Em 1958, Nina, que tinha sido minha namorada em Israel e veio para o Brasil com a família, me avisou de um concurso promovido pela TV Tupi para a execução de um mural no prédio deles. Eu já era artista plástico. Me inscrevi, mandei os croquis e venci. O painel ainda está lá: são índios de 7,5 metros de altura, no lugar mais alto de São Paulo, no Sumaré, onde hoje funciona a MTV. Uma vez no Brasil, me juntei ao pessoal do CPC, Centro Popular de Cultura, o Guarnieri, o Juca de Oliveira, o Augusto Boal e, entusiasmado com eles, fui ficando. Fiz uma gráfica para imprimir gravuras. O Brasil se tornou minha pátria também. Me juntei ao Partido Comunista com Mário Schenberg, Villanova Artigas e Oscar Niemeyer, que se tornou um amigo próximo. O prédio da MTV foi tombado recentemente, recebi a notícia com muita alegria. É uma garantia de que aquilo será preservado. Em 1964, no dia seguinte ao golpe militar, já comecei a ser procurado. Estava envolvido demais com o Partido Comunista e o CPC, era perigoso para eles. Peguei um cachimbo, tabaco, um passaporte e um talão de cheques e fui atrás de gente do Mapam, aquele mesmo partido do qual eu havia rasgado a carteirinha, em São Paulo. Tínhamos divergências, mas numa hora dessas eles precisavam me ajudar. Me transferiram para o Rio, onde ficava a Embaixada de Israel. Fiquei lá alguns dias e arranjaram um voo para Israel. De 1964 a 1986 morei em Haifa e trabalhei como conselheiro de arte da prefeitura. Em 1986, virei presidente do conselho dos artistas plásticos de Israel. Em 1987, 20 anos depois da Guerra dos Seis Dias, fizemos uma exposição com 67 artistas, metade árabes e metade judeus, contra a ocupação israelense de terras palestinas. Voltei ao Brasil em 1995 e fiquei.
Reféns de um Estado distante"O problema é que a política do Estado de Israel, desde sempre, foi de derrubar tentativas de negociação de paz, pois eles não queriam um Estado palestino ou um Estado binacional. Nós, da geração de 1948, chegamos à conclusão de que a grande euforia por um Estado não levou em conta que iríamos nos tornar um país ocupante e, com o tempo, um país baseado nos princípios fascistas mais radicais. Temos agora uma bomba atômica e um muro de 650 quilômetros de extensão e 8 metros de altura. Nos jornais dos últimos dias, senti uma tristeza enorme ao ver fotos de israelenses procurando abrigo nas ruas das cidades bombardeadas. Afinal, os mísseis e foguetes que saíram de Gaza não passaram por cima do muro? Então para que ele serve? Serve para separar famílias, tornar o caminho dos palestinos mais difícil, e eles já estão fartos disso. Um pacifista israelense, Gershon Baskin, disse que o assassinato de Ahmed Jabari, líder militar do Hamas, foi um 'erro estratégico'. Não foi um erro estratégico, é a estratégia de sempre. A estratégia é não querer a paz. Yitzhak Rabin (primeiro-ministro de Israel em 1974-1977 e 1992-1995) e Yasser Arafat (líder da Autoridade Palestina) representavam os maiores perigos para Israel, pois eram capazes de estabelecer uma paz de fato na região. Rabin foi morto por um judeu ortodoxo de extrema direita e Arafat terá seu corpo exumado ainda este mês porque suspeita-se que ele tenha sido morto por exposição a substâncias radioativas pelo serviço secreto israelense. Quando começaram esses últimos ataques jovens saíram às ruas aqui em São Paulo, na Av. Paulista, para protestar contra o Hamas. Eu me pergunto, o que eles estão fazendo? Aqui, por serem judeus, ficam reféns de um Estado que pratica essas atrocidades. Não têm o direito de votar lá, mas assumem, aqui, os crimes deles.
A ilusão final"Manter Israel como é mantido hoje, como uma coisa única e completa, é suicídio. Hannah Arendt, em seu relato sobre o julgamento de Adolf Eichmann, nazista executado nos anos 1960, criticou a tendência dos israelenses de fazerem uma expansão desenfreada, criando uma situação em que todos os esforços se concentram em armas, transformando a cultura e o Estado 'modelo' que eles queriam em uma ilusão fatal. Quanto tempo, perguntou ela, vai durar um Estado que só sobrevive à base da força? Precisamos acabar com essa história de Israel grande, precisamos devolver os territórios ocupados e derrubar o muro da vergonha. Nossa geração, que achava que estava libertando o Oriente Médio do colonialismo, percebeu que aquilo era uma ilusão. Em 1956, na Guerra do Suez, eu era paraquedista e fui enganado. Derrubamos o projeto do Nasser para nacionalizar o Canal de Suez, que era legítimo. Achei que estava ajudando, mas foi uma aventura colonialista ao lado da Inglaterra e da França. Hoje somos usados de novo: Israel é o maior parceiro das aventuras imperialistas norte-americanas no Oriente Médio. E eu não paro de falar, escrever e pintar. Não paro porque é um bom jeito de ficar vivo."

A naturalização do trabalho infantil



Ainda que a luta pela erradicação do trabalho infantil e a consciência sobre esse problema social venham crescendo nas últimas décadas, quem atua na área costuma se deparar com argumentos de pessoas de diferentes setores da sociedade a favor das atividades laborais de crianças e adolescentes.Uma das principais justificativas é o de que é melhor que meninos e meninas estejam trabalhando do que na rua, sem fazer nada, vulneráveis ao uso de drogas e à criminalidade.

Fernanda Sucupira
Segundo Isa Maria de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional para a Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil (FNPeti), essa ideia é uma falácia. “Várias formas de trabalho infantil favorecem que crianças e adolescentes sejam empurrados para o crime organizado, para o tráfico de drogas, para o tráfico de pessoas, para a exploração sexual. Muitas vezes nesse contexto são submetidos a xingamentos, espancamentos, violência, abuso sexual”, exemplifica.
Além disso, essa ideia não se confirma quando são feitas pesquisas com adultos que estão encarcerados ou com adolescentes em medidas socioeducativas. “A imensa maioria dos presidiários trabalhou na infância, e esses adolescentes quando cometeram o delito já haviam trabalhado ou estavam trabalhando. De que forma o trabalho infantil preveniu a marginalidade deles?”, pergunta Marinalva Cardoso Dantas, auditora fiscal do trabalho em Natal (RN). Para ela, é justamente trabalhando que eles acabam caindo na criminalidade, é o trabalho que os coloca na rua.
Outra concepção bastante presente e complementar à anterior é a de que o trabalho dignifica o ser humano, molda o caráter, forma valores, portanto, é benéfico a crianças e adolescentes. É um valor cultural que, pelo menos no que se refere à população infanto-juvenil, também não condiz com a realidade. “Nosso contra-argumento é de que para crianças e adolescentes, em idade de plena escolarização, cumprir a jornada escolar, ser pontual, realizar atividades, fazer as tarefas e estudar, tudo isso são condições que favorecem a formação do caráter”, defende a secretária executiva do FNPeti.
Ela afirma que há pouca valorização da educação integral, das práticas esportivas, culturais, de lazer, do exercício da criatividade e do lúdico, atividades que contribuem muito mais para o desenvolvimento físico e emocional da criança do que o trabalho infantil, que impõe uma rotina de adulto e subtrai a condição de infância. No entanto, segundo Oliveira, é educativo e recomendável que crianças e adolescentes participem com suas famílias de uma divisão solidária de tarefas, o que os prepara para a vida, fortalece o sentimento de solidariedade, de responsabilidade para com o ambiente em que se vive.
Muitos utilizam sua própria história, ou a história de pessoas proeminentes, para exemplificar os efeitos positivos ou, no mínimo, nulos do trabalho infantil em uma trajetória de sucesso. É comum inclusive entre os políticos utilizar esse recurso, apontando pessoas como o ex-presidente Lula para mostrar que essas atividades não acarretam prejuízos para o futuro das crianças. “Essa é uma irresponsabilidade grande dos brasileiros porque essas pessoas querem nos convencer de que são bem sucedidas porque trabalharam na infância, caso contrário seriam fracassadas”, afirma a auditora fiscal de Natal. Dantas conta que ela própria já foi confrontada inúmeras vezes, inclusive em entrevistas jornalísticas, por pessoas que diziam que trabalhavam desde pequenas e que não havia nenhum problema nisso.
Se em alguns casos o trabalho infantil não surte efeitos nocivos, essa não é a regra para a maioria dos que são obrigados a trabalhar precocemente.  “Crianças que trabalham ficam com mil problemas psicológicos, autoestima baixa e não vão para a escola. Depois têm que aceitar tudo o que ninguém quer, o que não presta, trabalhos perigosos, desagradáveis, porque não se prepararam”,  diz Dantas. Para a secretária executiva do FNPeti, não se pode deixar que algumas exceções sejam vistas como regra. “Quem mais da família do Lula que passou pelo trabalho infantil teve a projeção que ele tem?”, questiona.  “Foi a militância sindical e não o trabalho infantil o que formou o Lula. Foi apesar do trabalho infantil e não por causa dele”, avalia.
Preconceito de classe
Para Rafael Dias Marques, da Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho (MPT), na visão de quem defende essa prática, o trabalho é um mal menor. “Essas pessoas não têm a concepção de que é altamente nocivo, de que pode trazer os mesmos prejuízos que as drogas e o crime”, afirma. Ele acredita que elas não sabem das dificuldades de aprendizado causadas pelo trabalho infantil; do grande risco que crianças e adolescentes têm de se acidentar nessas atividades. Não levam em conta que são retirados do convívio familiar, afastados do lazer, da brincadeira, do ócio. “A sociedade entende o trabalho como solução para a criança pobre, no lugar da educação, de garantir a proteção integral por parte do Estado”, completa o procurador do trabalho.
Isso revela que nesse discurso de defesa do trabalho infantil está presente também um preconceito de classe, uma discriminação em relação à população mais pobre. Num momento em que filhos e filhas das classes altas estão adiando cada vez mais a entrada no mercado de trabalho, preferindo antes concluir cursos de graduação, pós-graduação, e temporadas de estudos no exterior, para conseguir postos mais bem pagos, muitos defendem que os filhos e filhas das classes baixas ingressem nele cada vez mais cedo.
“Quando se trata do filho alheio, é uma verdade, mas só para o pobre, para grupos marginalizados. Para meu filho, educação integral: de manhã na sala de aula e à tarde aulas de inglês, balé, judô, natação. É uma demagogia daqueles que sentem na criança do outro uma ameaça à sua própria estabilidade. O outro, por ser pobre, a priori é um delinquente em potencial, só tem duas alternativas na vida, trabalhar ou ser delinquente. Mas a criança tem direito a outra via”, defende Renato Mendes, coordenador do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil no Brasil da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Reações contra o enfrentamento ao trabalho infantil
Não são raros os casos de ameaças aos auditores fiscais do trabalho em todo o Brasil durante as fiscalizações de casos de trabalho infantil, pelos familiares, pelos empregadores e até pelas próprias crianças e adolescentes, que entendem que estão sendo prejudicados pela atuação do Estado para eliminar essa prática. “Sempre somos ameaçados pelas mães quando fiscalizamos, elas são agressivas. E pelos empregadores também, que têm medo de perder a mão de obra barata, não têm nenhum interesse na criança”, relata Dantas.
Como parte dessa reação, são frequentes as propostas de emenda constitucional (PEC) que vão na contramão da erradicação do trabalho infantil, propondo a redução da idade mínima para entrar no mercado de trabalho. Uma PEC com esse conteúdo (268/2008), apresentada pelo deputado federal Celso Russomanno (PRB-SP), foi barrada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), em 2009, por ser considerada inconstitucional. Afirmava que “o impedimento ao trabalho faz com que os jovens busquem a saída de seus problemas na droga, no furto, no trabalho informal, no subemprego, na mendicância e na prostituição”.
Atualmente, duas PECs que propõem a redução da idade mínima para 14 anos se encontram na CCJ, uma do deputado federal Dilceu Sperafico (PP-PR) e outra do deputado federal Onofre Santo Agostini  (DEM-SC), respectivamente PEC 18 e PEC 35, ambas de 2011. Eles defendem que o trabalho infantil não prejudica os estudos e, havendo acompanhamento, “só trará benefícios, tendo em vista que além de gerar rendimentos para a família será um fator positivo para a sua formação moral e educacional”.
O procurador do trabalho Marques acredita que elas também serão consideradas inconstitucionais por dois motivos. Primeiro porque tratados internacionais adotados pelo Brasil proíbem a redução da idade mínima, como a Convenção 138 da OIT, ratificada pelo Brasil em 2001. Em segundo lugar, os direitos fundamentais são cláusulas pétreas da Constituição Brasileira, por isso não podem ser alterados por PECs, somente através da formação de uma nova assembleia constituinte.
Fernanda Sucupira, da Repórter Brasil

Argentina: um vizinho em crise


A verdadeira oposição se dá em duas frentes diferentes, que cada vez mais atuam em sintonia. De um lado, e a exemplo do que acontece no Brasil, os grandes conglomerados de comunicação, com o grupo Clarín na liderança. E espalhados, de outro lado, mas convergindo cada vez mais, sindicatos que foram aliados dos Kirchner e que depois de afastaram. Nessa barafunda toda, posa com certo conforto o insípido e nada competente prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, potencial candidato à sucessão de Cristina Kirchner em 2015.

Eric Nepomuceno
Há pouco mais de um ano, Cristina Fernández de Kirchner foi eleita com 54% dos votos dos argentinos. O segundo colocado, o socialista Hermes Binner, teve uns 18%. O resto da oposição virou mingau. Foi uma das votações mais consagradoras dos últimos 40 anos. E, de lá para cá – vale repetir: pouco mais de um ano – o clima na Argentina não fez mais do que ficar tenso. A polarização, principalmente em Buenos Aires, vem alcançando graus de intensidade cada vez mais preocupantes. Novembro foi um mês especialmente duro. E não há nada que indique um verão potável.

No Congresso, a oposição continua frouxa, desnorteada, sem nenhuma proposta alternativa concreta ou viável ao projeto de governo levado adiante desde a primeira presidência do falecido Nestor Kirchner (2003-2008). Desarticulados, sem capacidade de renovação, os partidos de oposição – tanto o peronismo dissidente como os tradicionais conservadores e indo até uma esquerda voluntariosa e que mantém razoável distância da realidade – não fazem mais do que zanzar feito baratas tontas.

A verdadeira oposição se dá em duas frentes diferentes, que cada vez mais atuam em sintonia. De um lado, e a exemplo do que acontece no Brasil, os grandes conglomerados de comunicação, com o grupo Clarín na liderança. E espalhados, de outro lado, mas convergindo cada vez mais, sindicatos que foram aliados dos Kirchner em determinado momento, e que depois de afastaram. Nessa barafunda toda, posa com certo conforto o insípido e nada competente prefeito de Buenos Aires, a Capital Federal, Mauricio Macri, potencial candidato à sucessão de Cristina Kirchner em 2015.

Numa espécie de redemoinho de desencontros e desacertos, quem mais padece é a população de Buenos Aires. A intransigência do governo nacional, somada aos escassos escrúpulos do governo local e contando com o reforço extra do indisfarçável ódio de classe destilado pela classe média contra o peronismo e muito especialmente contra os Kirchner, tudo isso faz que o mal estar crescente acabe se impondo na atmosfera reinante. A escalada começou aos poucos, em maio e junho, com pequenas manifestações de rua, subiu sensivelmente de intensidade em setembro, e agora, em novembro, ganhou dimensões preocupantes.

Qualquer análise feita com um mínimo de objetividade mostra que os protestos chamados de espontâneos pela grande mídia de espontâneo não têm nada: são cuidadosamente organizados e estruturados. E mais: a principal característica não é essa espontaneidade inexistente, mas a falta de uma consigna concreta, um reclamo palpável. Protesta-se contra a insegurança pública, contra a corrupção, contra a inflação, contra o controle do câmbio, contra a suposta pretensão de mudar a Constituição para permitir que Cristina Kirchner se candidate pela terceira vez. São protestos até certo ponto compreensíveis, mas nem por isso menos vagos. É como se a questão fosse protestar por protestar.

Agora mesmo, em novembro, Buenos Aires padeceu os efeitos de uma greve geral que, mais do que greve, foi um boicote. Antes houve o ‘panelaço’ que reuniu centenas de milhares de pessoas. Nunca se saberá ao certo quantas. Bem menos das 700 mil alardeadas pelo jornal Clarín, mas bem mais que as cento e poucas mil admitidas por alguns altos funcionários. Em todo caso: muita, muita gente. Um número impressionante de pessoas. Um fato que deverá ser levado em conta – ou deveria – pelo governo. Pouco mais de uma semana depois, houve a suspensão da distribuição de jornais, dos serviços de trens, da coleta de lixo. Os hospitais públicos só atendiam emergências, os voos das estatais Aerolíneas e Austral foram suspensos, bancos e postos de gasolina fecharam – enfim, um caos absoluto.

Mais alarmante – mas que para o governo foi apenas a parte mais irritante – foram os piquetes armados principalmente pelos caminhoneiros, que bloquearam os transportes, especialmente os trens suburbanos rumo a Buenos Aires. Muitos dos trabalhadores que, ao menos aparentemente, não iriam aderir à greve simplesmente não conseguiram chegar a lugar algum.

Nesse sentido, a figura de Hugo Moyano, líder dos caminhoneiros, antigo aliado de Cristina Kirchner agora em franca dissidência, mostrou que pode ser muito mais nefasta do que se previa. É pouco provável, mas bem possível, que numa próxima vez ele tente simplesmente isolar a capital do resto do país.

Ao mesmo tempo cresce a impressão de isolamento de Cristina Kirchner. Ela continua sendo, apesar do que diz a grande mídia argentina – com seus consequentes ecos pela grande mídia mundo afora –, extremamente popular.

Há um dado curioso. Ao mesmo tempo que os institutos de pesquisa de opinião mostram que da aprovação de 54% do eleitorado em outubro do ano passado ela agora passou a pouco mais de 30% de popularidade, mostram também que se houvesse eleição hoje, ela seria de novo reeleita.

Contradições dos institutos, ou contradições do país que inventou o tango, não importa: o que vale é que ela continuaria sendo a opção da maioria dos argentinos.

Nacionalismo no centro e na periferia do capitalismo


Neste trabalho, inicialmente, argumento que o nacionalismo é uma das ideologias das sociedades modernas conjuntamente com o liberalismo, o socialismo, o eficientismo e o ambientalismo

Luiz Carlos Bresser-Pereira
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Em seguida, na primeira seção, defino a nação como a forma desociedade politicamente organizada que nasce com a revolução capitalista e leva à formação dos estados-nação, e o nacionalismo como a ideologia correspondente: seu objetivo é a autonomia e o desenvolvimento econômico nacional. Na segunda seção, distingo o nacionalismo dos países centrais daquele dos países periféricos; enquanto nos primeiros o nacionalismo é implícito, nos periféricos ou é explícito ou então deriva para o cosmopolitismo. Na terceira, argumento que, embora o imperialismo seja inevitável entre países fortes e fracos, ele mudará de características na medida em que essa relação de forças se modificar graças ao nacionalismo dos dominados. Ainda nessa seção, faço uma breve referência ao Brasil. Finalmente, volto às ideologias do capitalismo para mostrar que, ao contrário das demais, o nacionalismo é uma ideologia particularista - o que aumenta a resistência a ela e facilita a tarefa de dominação dos países centrais. Não obstante, o nacionalismo não morre porque é um princípio organizador da sociedade capitalista.
O NACIONALISMO é uma ideologia particularista em vez de universal, e quando ele assume um caráter radical suas conseqüências são terríveis - mais violentas do que as resultantes da radicalização das outras grandes ideologias do capitalismo. Por isso - e também porque não interessa aos países ricos sua existência nos países em desenvolvimento -, o nacionalismo é uma ideologia sempre sob suspeita. Entretanto, como o nacionalismo é a ideologia que legitima as nações, e dado o fato que a sociedade moderna está organizada territorialmente em estados-nação, o nacionalismo é uma ideologia forte e onipresente. Outras ideologias são também importantes, mas como a competição entre os estados-nação é o fator econômico e político mais abrangente no capitalismo global, o nacionalismo, ainda que muitas vezes disfarçado, negado, tem sempre um papel central.
Durante a guerra fria, o conflito ideológico principal parecia ser entre liberalismo e socialismo; mas assim que a União Soviética entrou em colapso, ficou claro que mesmo o conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética era o conflito de dois nacionalismos. Além disso, quando vemos a experiência mais extraordinária de engenharia política da história (a construção da União Européia), podemos interpretá-la como uma negação do nacionalismo - e de fato o é na medida em que resultou da decisão da França e da Alemanha de limitarem seus nacionalismos e não mais fazerem guerra. Mas podemos também pensar a União Européia como o processo de criação de uma "nação" mais ampla, multiétnica e multilingüista - a nação européia - por meio da formação de um estado-nação mais amplo, ao mesmo tempo que se preserva a identidade nacional dos seus vários componentes.1 O nacionalismo continua, portanto, a ter um papel decisivo na vida política da humanidade. Conforme observou Benedict Anderson (1991, p.3), "o ‘fim da era do nacionalismo’, tão insistentemente profetizada, não está sequer remotamente à vista. De fato, o sentimento de pertencimento a uma nação é o valor mais universalmente legitimado da vida política do nosso tempo".
O nacionalismo é fruto da revolução capitalista que, além dele, deu origem a uma outra ideologia de origem burguesa, o liberalismo, e a três ideologias - o socialismo, o eficientismo e o ambientalismo - cujas origens são, respectivamente, a classe trabalhadora, a classe média profissional e as classes médias em geral. O liberalismo é a ideologia da liberdade de pensamento e expressão e da liberdade econômica; é tanto o sistema de valores e crenças que justifica os direitos civis quanto a tese não necessariamente radical do laissez-faire ou da mão invisível. Originalmente, uma ideologia revolucionária contra o Estado absoluto e o mercantilismo tornou-se depois uma das bases do conservadorismo moderno. Não obstante, o liberalismo continua a ser uma conquista fundamental da humanidade como afirmação dos direitos civis ou do estado de direito.
Já o nacionalismo é a ideologia que une a nação, é sentimento de destino comum que garante a coesão necessária à nação para que ela se assegure de um território, organize um Estado e forme, assim, um estado-nação. É a ideologia da autonomia, da segurança e do desenvolvimento econômico nacional. A nação, por sua vez, é o grupo social razoavelmente homogêneo que partilha um destino comum e dispõe ou tem condições de vir a constituir um estado-nação - a unidade político territorial em que está dividida politicamente a humanidade no capitalismo. O nacionalismo é uma ideologia originalmente burguesa, mas com uma conotação popular, já que só faz sentido quando capitalistas, trabalhadores e classe profissional superam de alguma forma seus conflitos internos, partilham um destino comum e se solidarizam na competição com as demais nações.
O socialismo, por sua vez, é a ideologia da justiça social. Marx o definiu como um modo de produção, mas essa forma de organização da sociedade não se concretizou e não há perspectivas de que isso aconteça em um horizonte previsível. Em compensação, um grande número de valores socialistas visando à igualdade substantiva entre os seres humanos foi incorporado aos sistemas jurídicos dos estados-nação modernos, fazendo parte do patrimônio comum das sociedadesmodernas. É a ideologia dos direitos sociais que atendem primariamente às minorias ou aos oprimidos, aos pobres, aos trabalhadores, às mulheres, às minorias étnicas.
O eficientismo - ou ideologia da eficiência, se preferirmos evitar esse neologismo - é a ideologia da racionalidade instrumental, da definição do meio mais adequado ou menos custoso para se atingir o fim visado, da eficiência ou da produtividade, portanto. É uma ideologia originalmente tecnoburocrática ou profissional que emergiu no início do século XX, a partir do momento em que as unidades fundamentais de produção deixaram de ser familiares para serem organizações burocráticas, e que uma nova classe de profissionais ou técnicos passou a desempenhar um papel decisivo na sociedade porque tem ou pretende ter o monopólio do novo fator estratégico de produção: o conhecimento tanto administrativo quanto técnico e comunicativo.

Pobreza urbana na Alemanha cresce em ritmo alarmante, conclui estudo


A Alemanha está resistindo à crise econômica da Europa relativamente bem em comparação a seus vizinhos do sul. No entanto, a prosperidade parece estar deixando para trás uma grande parcela da população do país, como concluiu um estudo recente, segundo o qual a pobreza urbana está crescendo a um ritmo alarmante no país.

Der Spiegel
Apesar do forte desempenho econômico da Alemanha e da baixa taxa de desemprego registrada no país, o percentual de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza continuou avançando de forma constante no ano passado, com a pobreza nas áreas urbanas puxando essa tendência.
Apesar de a taxa nacional de pobreza da Alemanha ter avançado ligeiramente, para 15,1% em 2011, patamar acima dos 14,5% registrados no ano anterior, o crescimento desse percentual nas grandescidades foi bem superior – 19,6% em 2011, em comparação aos 18,1% de 2010. Os resultados, publicados na semana passada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Social, que faz parte da Fundação Hans Böckler, se basearam em dados de 15 das cidades mais populosas da Alemanha, onde vivem cerca de 14 milhões de pessoas. O estudo definiu a pobreza de acordo com o padrão cientificamente aceito. Ou seja: 60% da renda líquida média da população, mensurada de acordo com as necessidades de um indivíduo ou de uma família – quantia totaliza 848 euros por mês para uma única pessoa.
Menos beneficiários da rede de bem-estar social igual a mais pobreza
Os autores do estudo usaram dados do “micro-censo”, realizado pelo Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha, e os compararam com o número de pessoas que recebem seguro-desemprego de longo prazo. Isso foi feito para incluir aqueles que vivem na pobreza e que “não solicitam benefícios sociais por vergonha ou por outros motivos”, escreveram eles.
O ex-primeiro ministro italiano Silvio Berlusconi renunciou em novembro de 2011. Ele não resistiu no cargo em meio à crise econômica que assola a Itália, e foi substituído por Mario Monti
Eles descobriram que, na maior parte das grandes cidades, assim como em todo o país, a parcela de beneficiários da rede de bem-estar social diminuiu. No entanto, ao mesmo tempo, a taxa de pobreza nas cidades tem aumentado muito nos últimos anos – saltando de 17,5% em 2005 para 19,6% em 2011, percentual bem superior à média nacional. Eles também descobriram que entre 20% e 25% de todas as pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza residem em seis cidades: Leipzig, Dortmund, Duisburg, Hannover, Bremen e Berlim.
A pobreza parece estar em alta acentuada em algumas cidades alemãs, segundo o estudo, cujas conclusões ressaltam que é especialmente desconcertante o fato de isso ter acontecido apesar de o desemprego ter diminuído. O levantamento sugere que o aumento do número de empregos com baixos salários em um país que não tem um salário mínimo nacional pode explicar o aparente paradoxo – pois o quadro aponta, especificamente, para o fato de que alguns desses empregos desqualificam o empregado de receber benefícios sociais, apesar de esses postos de trabalho não pagarem salários que permitam arcar com a subsistência.
Cidades do sul da Alemanha têm taxas de pobreza mais baixas
Os pesquisadores encontraram a maior taxa de pobreza urbana na cidade de Leipzig, localizada na antiga Alemanha Oriental. Apesar de ter alcançado os 25% em 2011, o percentual ainda está abaixo de seu pico, de 27,2%, registrado em 2009.
As taxas foram igualmente ruins em duas cidades da região do Ruhr ocidental, que foram devastadas pelo declínio da indústria de carvão alemã. A pobreza em Dortmund ficou atrás apenas da de Leipzig, em 24,2%. Essa taxa foi seguida pelo percentual de Duisburg – localizada nas redondezas de Leipzig –, que registrou 23,5%. Esses resultados representam um aumento de cerca de 33% nas taxas de pobreza desde 2005, o que levou os pesquisadores a argumentar que essas cidades não estão enfrentando apenas um aumento na desigualdade social, mas também um empobrecimento generalizado.
No extremo oposto da escala estão as quatro grandes cidades que registraram taxas de pobreza quase iguais ou abaixo da média nacional – Munique, Stuttgart, Hamburgo e Frankfurt. Munique, capital da Baviera, o estado mais próspero da Alemanha, teve, de longe, a taxa de pobreza mais baixa (pouco menos de 12%), enquanto a capital econômica da Alemanha, Frankfurt, ficou um pouco acima da média nacional, com 15,6%.
As taxas de pobreza dos países são difíceis de comparar, mas a Eurostat, agência de estatísticas da Europa, registra dados referentes à classificação mais ampla de pessoas “em risco de pobreza ou exclusão social”. Em 2011, na Alemanha, essa taxa ficou em 19,7%, abaixo da média da União Europeia, de 23,2%. A Suécia registrou um dos percentuais mais baixos, com 16,3%, enquanto a Grécia alcançou os 30,1%. O Departamento de Recenseamento dos Estados Unidos informou que, em 2010, a taxa de pobreza norte-americana ficou em 15,1%.
Tradutor: Cláudia Gonçalves

Os palestinos e a luta pelo direito de existir



Os palestinos lutam hoje pelo reconhecimento da comunidade internacional da Palestina como Estado e pelo direito de andar livres nas ruas de seu suposto Estado sem serem barrados, fichados, presos ou mortos pelo exército israelense, assinala Silvia Ferabolli

Thamiris Magalhães

Em relação ao conflito entre israelenses e palestinos, a mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutoranda em Política e Estudos Internacionais pela Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres – SOAS, University of London, Silvia Ferabolli, afirma que se trata de uma questão política e, exatamente por ocorrer no espaço do político, é que engloba a economia, a geopolítica, a religião e a cultura. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, a também graduada em Jornalismo enfatiza que, em retrospecto, pode-se ver que os palestinos vêm lutando há décadas exatamente pela mesma coisa, mas de maneiras diferentes – “lutam pelo direito de existir”.

A pesquisadora afirma que não acredita na criação de dois Estados. “Israel e Palestina estão tão profundamente interligados, devido à construção ininterrupta de assentamentos judaicos, que não é mais viável, hoje, a criação de um Estado palestino”. Para ela, já existem diversos grupos israelenses e palestinos que pregam a criação de uma federação israelo-palestina. “Essa seria a mais lógica das soluções para a situação que os palestinos enfrentam hoje: direitos iguais para israelenses e palestinos, dentro de uma federação que unisse os dois Estados”.

Silvia Ferabolli é graduada em Jornalismo pela Unisinos, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutoranda em Política e Estudos Internacionais pela Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres – SOAS, na Universidade de Londres, Inglaterra. É autora do livroRelações Internacionais do Mundo Árabe: os desafios para a realização da utopia pan-Arabista (Curitiba: Editora Juruá, 2009).

Confira a entrevista.
IHU On-Line – Qual é o maior problema enfrentado pelo povo palestino e o que – ou pelo quê – esse povo luta? 

Silvia Ferabolli –
 Essa pergunta pode ser respondida de diferentes maneiras, dependendo apenas da data que você acrescentar a ela. Por exemplo, se se pergunta Qual é o maior problema enfrentado pelo povo palestino e o que – ou pelo quê – esse povo luta hoje – 1940?, poder-se-á responder dizendo que a primeira Intifada  palestina acontece na segunda metade da década de 1930, quando os palestinos lutavam pelo fim das compras em massa por parte de imigrantes judeus (ainda não eram israelenses) de terras palestinas. Os primeiros boicotes contra produtos produzidos nos “kibutz ” judaicos estabelecidos em áreas palestinas (controladas pela Inglaterra dentro do sistema de mandatos da Organização das Nações Unidas – ONU) também são dessa época, assim como são as formações de grupos judaicos que hoje poderiam ser chamados de terroristas como Haganah , Irgun  e Stern. Nessa época, então, os palestinos enfrentavam a expansão das colônias judaicas em áreas palestinas, o terrorismo judaico e a ocupação britânica. Essa situação culminaria, em 1948, com a proclamação do Estado de Israel e o reconhecimento desse Estado por parte da ONU.

Se se pergunta Qual é o maior problema enfrentado pelo povo palestino e o que – ou pelo quê – esse povo luta hoje – 1960?, poder-se-á responder que antes de 1967, o maior problema enfrentado pelos palestinos era como retomar suas supostas terras – supostas porque nunca houve um Estado palestino, fato que levou Golda Meir  a proferir sua famosa frase: “There is no such thing as a Palestinian people... It is not as if we came and threw them out and took their country. They didn't exist”. Golda Meir referia-se a idea de que os palestinos não existiam porque nunca tiveram um Estado. Sob o Império Otomano , os palestinos viviam em áreas conhecidas como Grande Síria; mais tarde, sob o sistema de mandatos e a repartição de territórios árabes entre Inglaterra e França (ver Sykes-Picot) , os palestinos estavam, em parte, incluídos em território egípcio (faixa de Gaza) e, em parte, em território jordaniano (Cisjordânia ou West Bank). Note-se que o nacionalismo judaico, animado pelo espírito sionista, estava impregnado nas palavras de Golda Meir, que não conseguia reconhecer como “povo” ou mesmo como “pessoas” indivíduos não pertencentes a um Estado. Na verdade, as “origens” (embora eu não goste dessa palavra) do conflito israelo-palestino como vemos hoje está exatamente no nacionalismo judaico e no espírito sionista que o anima – “uma terra sem povo para um povo sem terra”.

Palestina – terra sem povo
A terra sem povo era a Palestina, já que os palestinos, não tendo Estado, não poderiam “existir” enquanto povo. O povo sem terra, os judeus, já constituíam um povo exatamente por causa do movimento nacionalista judaico. Note-se, então, que a questão palestina é atravessada por uma discussão maior, que é aquela das formações estatais nos séculos XIX e XX e da sinonímia que acabou por se formar entre povo e Estado (como se o Estado fosse a expressão física do ideal de unificação de um povo). Por muito tempo, acreditamos que povos formavam Estados. Hoje, contudo, já se sabe que os Estados é que formam povos. Dessa forma, a famosa frase de Golda Meir poderia ser da seguinte forma reescrita: “there is no such a thing as an Israeli people”, porque os israelenses não existiam antes da criação do Estado de Israel, ou seja, os israelenses são uma criação do Estado de Israel. Claro que há relatos na Bíblia sobre os israelenses, assim como há sobre os Filisteus (Falastini em árabe), mas o palestinos – ou falastini – como entendemos hoje, e os israelenses, como então compreendidos, são criações modernas que seguem a lógica da formação dos Estados-nação.

Todavia, se for perguntado: Qual é o maior problema enfrentado pelo povo palestino e o que – ou pelo quê – esse povo luta hoje – 1980?, poder-se-á dizer que, com a Guerra dos Seis Dias , em 1967, que levou a anexação israelense dos territórios palestinos da Faixa de Gaza e da Cisjordânia e a ocupação efetiva desses territórios por parte do exército israelense, os palestinos passaram, então, a lutar pelo respeito de Israel à resolução da ONU que fez a partilha da Palestina em 1948. Ou seja, os palestinos passaram a reivindicar que Israel acatasse as decisões da ONU e retrocedesse às linhas de 1948. Essa é uma luta que dura já quase 50 anos e que não será vencida pelos palestinos porque não há mais chance de voltar às linhas de 1948 devido às construções em massa de assentamentos judaicos em territórios palestinos.

Conferência de Madrid e Acordos de Oslo
O início da década de 1990 assistiu a um novo capítulo rumo à capitulação dos palestinos em face do poder político israelense e esse capítulo pode ser intitulado Conferência de Madrid e Acordos de Oslo. A Conferência de Madrid tirou a questão palestina da jurisdição da ONU e inaugurou a fase da “mesa de negociações”, com palestinos de um lado e israelenses de outro. Porque Yasser Arafat , o líder da então Organização para a Libertação da Palestina (OLP), aceitou abrir mão da mediação da ONU e suas negociações com Israel são objetos de estudo até hoje por parte de especialistas da região. Mas uma coisa é certa – esse foi um dos maiores erros cometidos pela liderança palestina na história da luta desse povo por autonomia política e emancipação econômica.

Se a questão for: Qual é o maior problema enfrentado pelo povo palestino e o que – ou pelo quê – esse povo luta hoje – 2012?, respondo que estive em Israel e na Palestina (já que o Brasil reconhece a Palestina como Estado, vamos usar letras maiúsculas para escrever o nome do “país”) em 2010, e das entrevistas que realizei em Jerusalém, Belém e Ramallah (atual capital da Autoridade Nacional Palestina – ANP) e pelo que observei durante o tempo que estive lá, posso afirmar que o maior problema enfrentado pelos palestinos, hoje, se relaciona com os pífios resultados do “processo de paz” e das consequências nefastas que ele tem tido sobre a política palestina – começando pela ruptura entre o Hammas  e o Fatah .

Condição atual dos palestinos 
Os palestinos vivem uma situação muito parecida com aquelas dos judeus na Alemanha nazista: são abordados, presos ou mortos pelo exército israelense sem direito a julgamento, apelação ou qualquer dos termos jurídicos a que estamos acostumados. Aos palestinos só é permitido acesso a Jerusalém sob condições estritas estipuladas por Israel (e deve-se lembrar de que há um muro dividindo Jerusalém do restante da Palestina) e qualquer violação, por mínimo que seja, dessas regras, pode levar a proibição permanente de qualquer visita a Jerusalém. Milhares de famílias foram separadas por essas leis e até hoje palestinos residentes em Jerusalém não podem casar-se com indivíduos residentes fora deste local – a não ser que abram mão de residência em Jerusalém.

Jovens israelenses, de 20 e poucos anos, andam de bermuda, chinelo de dedos e metralhadoras. Foi recentemente divulgada uma foto na internet de uma soldada israelense de biquini, na praia com seus amigos, armada com uma metralhadora. É muito comum andar-se nas ruas de Israel e ser “cutucado” nas costas ou nos braços pela ponta da metralhadora de um soldado israelense ao seu lado na fila do café. Muito simpáticos, costumam desculpar-se com os turistas pelo “incômodo” com uma expressão que parece dizer “mas sabe como é, temos que estar sempre prontos para matar algum palestino que saia da linha”.
Em suma, os palestinos lutam em 2012 pelo reconhecimento da comunidade internacional da Palestina como Estado e pelo direito de andar livres nas ruas de seu suposto Estado sem serem barrados, fichados, presos ou mortos pelo exército israelense. Em retrospecto, pode-se ver que os palestinos vêm lutando há décadas exatamente pela mesma coisa, mas de maneiras diferentes – lutam pelo direito de existir.

IHU On-Line – Quando o nacionalismo árabe começou a tomar forma? 

Silvia Ferabolli –
 O nacionalismo árabe começa a tomar forma mais ou menos na mesma época em que os nacionalismos judaico, italiano e alemão tomam forma, ou seja, no final do século XIX. Sati al-‘Husri é considerado o grande formulador da ideia de nação árabe, resumida na abertura do manifesto de criação do partido nacionalista Ba’ath – “só há uma nação árabe, com direito a viver em um único Estado”. Contudo, é importante ressaltar que o nacionalismo árabe vai diferenciar-se das outras formas de nacionalismo por ter sofrido diferentes interpretações ao longo do tempo e, hoje, considera-se o nacionalismo árabe mais um “vocabulário” do que exatamente um “movimento”; mais uma fonte de inspiração do que um conjunto de dogmas típico dos movimentos nacionalistas.

IHU On-Line – A seu ver, por que muitas pessoas que manifestaram sua indignação contra a política israelense não encontraram eco em suas ações por parte de seus chefes de Estado? 

Silvia Ferabolli –
 Essa é uma excelente questão e penso que é difícil para o governo brasileiro, por exemplo, romper relações com Israel. Permita-me explicar: quando você conhece Israel e os israelenses, percebe que eles não são aqueles contra os quais as manifestações de repúdio a Israel se dirigem. Simpáticos, religiosos e trabalhadores, os israelenses, em sua maioria, são tão vítimas das ações da cúpula política israelense quanto os pobres do Brasil são da corrupção e do descaso das lideranças políticas que governam o país.
Um israelense já nasce imerso em caldo sionista e muitos lutam contra isso, mas é difícil. Desde pequenos, são ensinados a temerem e odiarem árabes, palestinos e muçulmanos. Estudam sob um sistema de ensino construído de modo a legitimar as ações do Estado de Israel; homens e mulheres passam anos no serviço militar obrigatório, que reforça seu senso de “defender” o país contra a “ameaça” palestina; e, por fim, são capturados por uma mídia tendenciosa que silencia sobre as ações de Israel contra os palestinos e constrói um verdadeiro circo midiático em torno que qualquer lançamento de foguete por parte do Hammas em território israelense que, convenhamos, até hoje não matou diretamente ninguém.

Punição para quem?
O que estou tentando dizer é que os israelenses não devem ser punidos por outros povos por causa das ações de suas lideranças políticas. São eles que elegem esses líderes? Sim, assim como são os brasileiros que elegem Paulo Maluf e Tiririca e nem por isso devemos ser considerados culpados pelas mazelas do país. Essa é uma discussão muito complexa e relaciona-se diretamente com os insights de Foucault  sobre o poder não estar concentrado em um indivíduo, em um grupo, mas em atravessar todo o corpo social – a política, a economia, a cultura, a religião. Enfim, tudo são relações de poder e exigir, por exemplo, que o Brasil puna Israel de algum modo é desconhecer o tipo de relações de poder que se estabelecem, dentro do Estado de Israel, entre o governo, os grupos religiosos, os sionistas norte-americanos (os grandes “vilões” de acordo com Edward Said ) e os cidadãos israelenses.

IHU On-Line – O que motiva o apoio dos Estados Unidos da América a Israel? Em que se fundamenta o suporte irrestrito dado, ao longo da história, pelos governos americanos ao Estado de Israel?

Silvia Ferabolli –
 Esse assunto foi discutido por John Mearsheimer e Stephen Walt em The Israel lobby and US foreign policy, causando uma enorme polêmica nos Estados Unidos. Nesse trabalho, os autores explicam em detalhes como o lobby israelense em Washington vem trabalhando há décadas na construção e manutenção de relações privilegiadas entre os Estados Unidos e Israel. Como pensadores das Relações Internacionais que são, Mearsheimer e Walt buscavam entender por que os Estados Unidos continuavam a manter esse tipo de relação com Israel quando sabe-se que, desde o fim da Guerra Fria (e já se vão mais de 20 anos!), Israel não era mais um “trunfo” norte-americano, mas um “fardo”. Em suas pesquisas, os autores descobriram o poder do lobby isralense em Washington e os efeitos nefastos que esse lobby tem sobre a política externa norte-americana para o Oriente Médio e para os povos árabes-muçulmanos (vide a pressão já quase insuportável que esse lobby exerce sobre os Estados Unidos para que esses ataquem o Irã, por exemplo).
Assim como Mearsheimer e Walt, eu também acredito que a única coisa que pode explicar a irracionalidade da política externa norte-americana para o Oriente Médio é o poderoso lobby israelense em Washington que levou inclusive o então candidato à presidência dos Estados Unidos, Barak Obama, a dizer na sede da AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) que Jerusalém ainda seria chamada de capital do Estado de Israel. Essa declaração foi feita ou por um Obama completamente ignorante da situação no Oriente Médio ou por um Obama já capturado pelo poder do lobby israelense em Washington. Note que sentado à mesa de negociações estão, de um lado, o Estado de Israel, apoiado incondicionalmente pela maior potência militar do planeta e, de outro, a Autoridade Nacional Palestina, dividida por tensões internas e sem o apoio explícito de nenhum membro da comunidade internacional. É por isso que insisto que seja abandonado de vez o clichê: “é preciso que israelenses e palestinos voltem à mesa de negociações”. Quando as relações de poder que se estabelecem entre duas partes são tão absurdamente desiquilibradas, não é possível haver negociações, porque um dos lados está ali apenas para ceder, e esse lado é o dos palestinos.

IHU On-Line – Que solução você daria para o conflito israelo-palestino? A criação de dois Estados seria o mais viável ou não? Por quê? 

Silvia Ferabolli –
 Sinceramente, não acredito na criação de dois Estados. Israel e Palestina estão tão profundamente interligados, devido à construção ininterrupta de assentamentos judaicos, que não é mais viável, hoje, a criação de um Estado palestino. Já existem diversos grupos israelenses e palestinos (sim, existe uma intensa, embora restrita, interação de israelenses e palestinos verdadeiramente comprometidos com uma solução justa para os dois lados) que pregam a criação de uma federação israelo-palestina. Essa seria a mais lógica das soluções para a situação que os palestinos enfrentam hoje: direitos iguais para israelenses e palestinos, dentro de uma federação que unisse os dois Estados.

Contudo, já se antecipando ao crescimento desse movimento pró-federação, o Estado de Israel aprovou uma lei que determina que o Estado de Israel é um Estado judaico (ou seja, a cidadania israelense será dada apenas a judeus) e todos os que vivem nesse Estado devem jurar defender Israel como um Estado judaico. Essa lei elimina qualquer possibilidade de uma federação entre os dois países, ou seja, não há solução para o conflito, pelo menos não dentro da lógica de “Estado” como conhecemos hoje. Talvez a solução para o problema dos palestinos (e dos curdos também, nesse sentido) só possa ser encontrada dentro de um arranjo de unidades políticas diferentes do Estado. O Estado existe há muito pouco tempo para que tenhamos que pensar na vida política única e exclusivamente dentro da lógica de sua existência.

IHU On-Line – Como avalia a postura, em geral, de Israel para com o povo palestino? 

Silvia Ferabolli – 
Os palestinos são vistos pelo Estado de Israel como um empecilho para a realização de seu “potencial estatal” – pedras que devem ser removidas do caminho da marcha israelense rumo à construção de um grande Estado judaico.

IHU On-Line – O que a ONU pode fazer para controlar o conflito israelo-palestino? Que intervenção ela pode realizar no sentido de minimizar ou resolver a crise estabelecida na região?

Silvia Ferabolli –
 A única coisa que poderia ser feita seria obrigar Israel a cumprir com as resoluções 242 (referente às linhas de 1967) e 338 (retorno da península de Golã à Síria). Mas, para isso, os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU devem estar de acordo, o que não irá acontecer, já que os Estados Unidos vetam qualquer resolução da ONU que contrarie os interesses israelenses.

IHU On-Line – Como interpretar o veto americano, de 2011, contra o reconhecimento da Palestina como Estado constituído?

Silvia Ferabolli –
 Se Israel não reconhece a Palestina como Estado, os Estados Unidos não reconhecerão também. Simples assim. De qualquer maneira, convenhamos, a Palestina não é um Estado, pelo menos não no sentido weberiano clássico do termo, haja vista que os palestinos não detêm o monopólio do uso legítimo da força dentro de seu território. Aliás, os palestinos não detêm controle sobre suas fronteiras, espaço aéreo e nem mesmo da ajuda que recebem de vários países e organismos internacionais: o dinheiro passa primeiro por Israel, que então o repassa a ANP. Se isso é um Estado, então devemos repensar o que entendemos por esse termo.

IHU On-Line – Direitos básicos como o de liberdade religiosa e liberdade de expressão têm sido respeitados, na prática, por parte de autoridades em Israel? As denúncias de violação de direitos humanos na região têm fundamento? Há quem diga haver um apartheid entre israelenses e palestinos promovido por Israel. Isso de fato acontece?

Silvia Ferabolli –
 Porque Israel se reconhece como um Estado judaico, ele naturalmente tratará não judeus como cidadãos de segunda classe. Ainda existem os árabes judeus, que também sofrem preconceitos, assim como os israelenses muçulmanos também são vistos com maus olhos. A sociedade israelense é altamente estratificada. No topo, estão os judeus de origem europeia e, na base, os palestinos muçulmanos. Quanto à questão de violações de direitos humanos, para que Israel reconheça que viola direitos humanos quando fuzila uma família palestina remotamente conectada com um suposto terrorista, ele teria que reconhecer os palestinos como humanos dignos de direitos, e isso infelizmente não é o que acontece.