As implicações ambientais e políticas do rápido degelo marinho
Jefferson Cardia Simões
Jefferson Cardia Simões
Em agosto, o tamanho de 4,1 milhões de quilômetros quadrados foi encarado não apenas como um novo recorde, mas também um alarme para as consequências das mudanças climáticas. Embora pareça isolado do resto do mundo, o oceano que rodeia o Polo Norte afeta todo o planeta. As mudanças climáticas que lá estão mais evidentes podem, já a curto prazo, acentuar eventos climáticos extremos, como secas e chuvas fortes. A seguir, reunimos as características do Oceano Ártico e explicamos suas principais mudanças.
O mar congelado e a Criosfera
Atualmente, 10% da superfície da Terra é coberta por neve e gelo, formando a Criosfera. Este termo é usado para se referir coletivamente a todo gelo e neve existentes na superfície terrestre. Forma-se basicamente por duas maneiras: pela precipitação e acumulação de neve sobre continentes ou ilhas, constituindo as geleiras e os dois grandes mantos de gelo (massa de neve e gelo com grande espessura e área maior do que 50 mil quilômetros quadrados) da Antártica e da Groenlândia. E pelo congelamento da água do mar, formando uma fina capa de gelo marinho sobre o Oceano Ártico e o Oceano Austral, aquele que rodeia o continente antártico.
Os oceanos polares são cobertos por uma fina capa de mar congelado, mas com características diferentes que refletem, antes de tudo, a distribuição da massa continental. No Ártico, o oceano é circundado por continentes, permitindo a estabilidade do pacote de gelo marinho no seu interior. Na Antártica, o Oceano Austral é aberto e a extensão desse pacote tem grande variação entre o verão e o inverno.
Quando o inverno se aproxima e a temperatura cai abaixo do ponto de congelamento do mar, –1,83°C graças à salinidade, o pacote de gelo marinho (a banquisa) expande-se. Esse gelo, que no primeiro ano terá entre 15 e 60 centímetros de espessura, poderá ultrapassar 2 metros de espessura, se sobreviver ao derretimento de verão. No Hemisfério Norte, esse gelo pode expandir-se para mais de 15 milhões de quilômetros quadrados no inverno, avançando muitas vezes até 55°N, na região da Terra Nova (Canadá) e no Mar de Okhotsk (extremo leste da Rússia).
Por outro lado, seu derretimento também é rápido, e no fim de setembro a extensão de gelo é reduzida para 7 milhões de quilômetros quadrados, medida mínima média até a década de 1990. Já a variação do mar congelado ao redor da Antártica é o fenômeno natural com maior variação de área ao longo de um ano – salta de 1,8 milhão de quilômetros quadrados para até 20 milhões de quilômetros quadrados, entre o verão e o inverno. Portanto, essa variação sazonal na extensão de gelo do mar é um ciclo normal.
A capa de gelo marinho do ártico
Nas últimas três décadas, no entanto, a extensão mínima do gelo ártico decresceu rapidamente. A figura da página ao lado mostra a área mínima da cobertura do gelo marinho no Oceano Ártico no mês de agosto desde 1979 até 2012. A extensão de agosto de 2012 é 2,9 milhões de quilômetros quadrados menor do que a média entre 1979 e 2000. Ainda: no dia 17 de setembro de 2012, o mar congelado atingiu a menor extensão já constatada, somente 3,4 milhões de quadrados quilômetros.
Essa rápida redução do gelo marinho ártico surpreendeu a comunidade científica, pois as previsões indicavam que tal redução ocorreria somente em algumas décadas. Também é observada a redução da espessura desse gelo marinho, conforme indicam os dados de sonares de submarinos nucleares obtidos durante as décadas de 1960 e 1970. A causa é o aquecimento da atmosfera regional, um dos maiores do mundo. A manter-se a tendência das últimas duas décadas, prevê-se um verão ártico sem mar congelado já na década de 2020.
Tal modificação tem sérias implicações climáticas, para os habitats de várias espécies polares e até geopolíticas. O desaparecimento desse mar congelado tende a deixar mais quente o Ártico, pois a superfície do oceano absorve mais energia que chega do Sol do que aquela superfície de neve e gelo. Isso ocorre porque o oceano é mais escuro do que a superfície de neve e gelo. Além disso, o próprio oceano transfere mais energia para a atmosfera, o que aquece mais ainda o ar da superfície do Ártico. Seria como removêssemos um cobertor do oceano, que então começa a perder energia mais rapidamente para a atmosfera. Em suma, dá–se o início a um retroprocessamento, em que o derretimento do gelo aquece ainda mais o Ártico, que derrete mais gelo, que aquece mais o Ártico, e assim por diante.
A circulação geral da atmosfera e dos oceanos, que origina o clima planetário, basicamente é o transporte de energia dos trópicos (que recebe mais energia do Sol) que perde para o espaço exterior para as regiões polares (que perde mais energia para o espaço exterior que recebe do Sol). Assim, o aquecimento e a remoção do gelo do Oceano Ártico certamente causarão mudanças do clima afetando todo o planeta.
Tanto as espécies que se movem sobre o gelo marinho para caça e migração, urso e raposas polares, por exemplo, quanto o plâncton que prolifera logo abaixo do gelo terão de passar por rápidas adaptações. O caso dos mamíferos que caçam parte do ano sobre o gelo marinho já recebe muita atenção da imprensa, mas é o fitoplâncton ártico, base da teia alimentar, que é muito mais sensível ao aumento da radiação solar, decorrente da remoção da capa de gelo, que deveremos observar.
Sobre o ponto de vista histórico, abre definitivamente uma passagem entre a Europa e a Ásia via norte da Sibéria. Essa é a passagem do Nordeste, sonhada desde a época dos Grandes Descobrimentos, reduzindo a rota marítima em milhares de quilômetros e facilitando a exploração de recursos minerais na Sibéria. Em particular, facilita a exploração de recursos de óleo e gás na costa e plataforma continental norte-americana e siberiana.
Esse é o motivo básico das diferentes ações russas ao longo dos últimos anos para reforçar sua soberania no alto ártico, inclusive para estender sua plataforma continental conforme permite a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Ainda, não devemos esquecer o impacto dessas rápidas modificações nas comunidades autóctones, como os inuits (esquimós) que têm seu modo de vida baseado na caça e pesca ártica.
Jefferson Cardia Simões é diretor do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Nenhum comentário:
Postar um comentário