A insustentabilidade da cadeia produtiva do leite do Nordeste – concentrada na sua região semiárida – evidenciada na atual crise climática e exacerbada pela estratosférica elevação dos preços do farelo de soja e do milho, poderá evoluir para uma situação de colapso, se confirmada a repetição da seca com a intensidade ocorrida em 2011/12.
Desnecessário e fastidioso lembrar os impactos já fartamente repercutidos na mídia, bem como discorrer sobre o fenômeno antigo e recorrente das secas nordestinas, sempre tratadas com medidas governamentais intempestivas e paliativas, com eventuais efeitos mitigadores, porém pouco estruturantes. Até porque estruturar, para o longo prazo, gera menos dividendos políticos e também porque, uma vez estruturados, os produtores sertanejos perdem direitos de reinvindicação das “esmolas governamentais”, contidas nas múltiplas bolsas disponibilizadas sem qualquer condicionalidade minimamente virtuosa. Afinal, por conta dessas benesses o sertanejo euclidiano, já não é mais o mesmo, pois “ dar esmola a um homem são, ou mata de vergonha ou vicia o cidadão”1
Tomando por base de referência o Alto Sertão Sergipano – território semiárido dos mais povoados do planeta, com alto risco de desertificação segundo o MMA, onde são (ou eram) produzidos 52% do leite em Sergipe, 5º lugar no ranking da região nordeste que, por sua vez, cresceu 83% no período 2000-2011 – observam-se, já há algum tempo, alguns sinais indicadores da insustentabilidade desse crescimento.
Nessa microrregião, a atividade leiteira está presente em 87% dos estabelecimentos rurais, 90% dos quais minifúndios produzindo, de forma pulverizada, pequenos volumes de leite de baixa qualidade, obtidos a custos elevados, por conta da demasiada dependência de compras externas para a alimentação dos rebanhos. Muito mais que uma atividade economicamente rentável, a pequena produção de leite cumpre papel basicamente social, constituindo-se em uma das poucas possibilidades de inserção no mercado e de geração de renda para centenas de milhares de pequenos produtores familiares.
A despeito da existência de estoque de tecnologias sustentáveis (Sistema Glória), desenvolvido pela Embrapa Semiárido, ao longo de décadas de pesquisa, para produtores familiares de leite, verifica-se, no semiárido sergipano, a destruição de pastagens perenes e a derrubada do remanescente arbóreo nos subsistemas cultivados – estorvo para a operacionalidade da mecanização pesada do monocultivo do milho, recentemente intensificado na região - , além do pouco que resta da vegetação nativa (caatinga).
Nesse contexto, a recente expansão do milho nessa região, tem sido considerada um salto de modernidade, sobretudo pelos altos ganhos de produtividade alcançados, comparáveis aos de regiões climaticamente mais favorecidas, que o transformaram na principal cultura anual do Estado. Essa “modernização tecnológica” vem ocorrendo em acelerado processo de simplificação dos sistemas produtivos, abandonando-se a diversidade dos cultivos consorciados e o uso da tração animal, que restringia a área cultivada a cada ano e que impunha certa rotação de terras, pela gradagem ladeira abaixo, aumentando excessivamente a movimentação do/e sobre o solo, com exacerbação dos processos erosivos. Incorporou-se o uso massivo e descontrolado de herbicidas que, ao final da safra, expõe o solo nu, sem estoque de carbono e biologicamente empobrecido, à insolação intensa nos longos períodos de estiagem que caracterizam a região.
Nesse processo de indução institucional de desertificação, os novos produtores de milho, inclusos os familiares, tornam-se meros contratantes de um pacote tecnológico terceirizado, com uso intensivo de agroquímicos e serviços mecanizados subsidiados; financiado e segurado por instituições oficiais de crédito, por sua vez chanceladas por um zoneamento agroclimático equivocado e politicamente pressionado.
Além de não se levar em conta a fragilidade dos solos predominantes na região – em geral rasos, pedregosos e pobres em matéria orgânica – esqueceu-se que o próprio clima semiárido, tido pelo climatologista Thornthwaite como dos mais difíceis do planeta, não porque chova pouco, mas sobretudo por sua irregularidade pluviométrica no tempo e no espaço, ora comportando-se como clima subúmido, como nos últimos anos, ora comportando-se como clima árido e até desértico – como no caso presente – inconsistência que dificulta o planejamento das atividades agropecuárias, em que o componente errático não permite a elaboração de padrões e cronogramas confiáveis.
De outro lado, o cultivo da palma forrageira, que garante a segurança alimentar e a redução do dessedentamento dos rebanhos nos períodos secos, porém é mão-de-obra intensivo, não terceirizável e de retornos não imediatos – teve sua área marcantemente reduzida nos últimos anos, processo acelerado por problemas fitossanitários causados pela desastrada introdução da cochonilha do carmim, o que agravou particularmente a situação dos produtores pernambucanos.
Evidente, portanto, que a expansão da fronteira do leite no Nordeste semiárido, com seu alto risco climático, excessivamente baseada na cultura do milho para alimentação dos rebanhos e na total dependência de compras externas de concentrados proteicos, sem a segurança alimentar assegurada pela palma forrageira e, obviamente, sem infraestrutura hídrica permanente, não se configura como minimamente sustentável.
É duro admitir a possibilidade de que o notável crescimento de mais de duas décadas do complexo agroindustrial do leite estabelecido nessa região – que chegou a ser considerada a nova fronteira do leite no Brasil –, com instalação crescente de grandes plantas de laticínios, gerando centenas de milhares de postos de trabalho, em uma região historicamente carente e de baixa capacidade de reconversão econômica, possa colapsar, não por falta de soluções tecnológicas, mas por falta de vontade política de seus governantes, cujos horizontes não ultrapassam os quatro anos de seus mandatos eletivos.
Diante desse quadro, só resta aos pequenos produtores de leite do sertão nordestino rezar, rogando a Deus que se apiede de seus pobres animais, estes sim, indefesas vítimas da imprevidência, da irresponsabilidade e da incompetência humanas.
1: Parte da letra da música Vozes da Seca de Zé Dantas, cantada por Luiz Gonzaga
Desnecessário e fastidioso lembrar os impactos já fartamente repercutidos na mídia, bem como discorrer sobre o fenômeno antigo e recorrente das secas nordestinas, sempre tratadas com medidas governamentais intempestivas e paliativas, com eventuais efeitos mitigadores, porém pouco estruturantes. Até porque estruturar, para o longo prazo, gera menos dividendos políticos e também porque, uma vez estruturados, os produtores sertanejos perdem direitos de reinvindicação das “esmolas governamentais”, contidas nas múltiplas bolsas disponibilizadas sem qualquer condicionalidade minimamente virtuosa. Afinal, por conta dessas benesses o sertanejo euclidiano, já não é mais o mesmo, pois “ dar esmola a um homem são, ou mata de vergonha ou vicia o cidadão”1
Tomando por base de referência o Alto Sertão Sergipano – território semiárido dos mais povoados do planeta, com alto risco de desertificação segundo o MMA, onde são (ou eram) produzidos 52% do leite em Sergipe, 5º lugar no ranking da região nordeste que, por sua vez, cresceu 83% no período 2000-2011 – observam-se, já há algum tempo, alguns sinais indicadores da insustentabilidade desse crescimento.
Nessa microrregião, a atividade leiteira está presente em 87% dos estabelecimentos rurais, 90% dos quais minifúndios produzindo, de forma pulverizada, pequenos volumes de leite de baixa qualidade, obtidos a custos elevados, por conta da demasiada dependência de compras externas para a alimentação dos rebanhos. Muito mais que uma atividade economicamente rentável, a pequena produção de leite cumpre papel basicamente social, constituindo-se em uma das poucas possibilidades de inserção no mercado e de geração de renda para centenas de milhares de pequenos produtores familiares.
A despeito da existência de estoque de tecnologias sustentáveis (Sistema Glória), desenvolvido pela Embrapa Semiárido, ao longo de décadas de pesquisa, para produtores familiares de leite, verifica-se, no semiárido sergipano, a destruição de pastagens perenes e a derrubada do remanescente arbóreo nos subsistemas cultivados – estorvo para a operacionalidade da mecanização pesada do monocultivo do milho, recentemente intensificado na região - , além do pouco que resta da vegetação nativa (caatinga).
Nesse contexto, a recente expansão do milho nessa região, tem sido considerada um salto de modernidade, sobretudo pelos altos ganhos de produtividade alcançados, comparáveis aos de regiões climaticamente mais favorecidas, que o transformaram na principal cultura anual do Estado. Essa “modernização tecnológica” vem ocorrendo em acelerado processo de simplificação dos sistemas produtivos, abandonando-se a diversidade dos cultivos consorciados e o uso da tração animal, que restringia a área cultivada a cada ano e que impunha certa rotação de terras, pela gradagem ladeira abaixo, aumentando excessivamente a movimentação do/e sobre o solo, com exacerbação dos processos erosivos. Incorporou-se o uso massivo e descontrolado de herbicidas que, ao final da safra, expõe o solo nu, sem estoque de carbono e biologicamente empobrecido, à insolação intensa nos longos períodos de estiagem que caracterizam a região.
Nesse processo de indução institucional de desertificação, os novos produtores de milho, inclusos os familiares, tornam-se meros contratantes de um pacote tecnológico terceirizado, com uso intensivo de agroquímicos e serviços mecanizados subsidiados; financiado e segurado por instituições oficiais de crédito, por sua vez chanceladas por um zoneamento agroclimático equivocado e politicamente pressionado.
Além de não se levar em conta a fragilidade dos solos predominantes na região – em geral rasos, pedregosos e pobres em matéria orgânica – esqueceu-se que o próprio clima semiárido, tido pelo climatologista Thornthwaite como dos mais difíceis do planeta, não porque chova pouco, mas sobretudo por sua irregularidade pluviométrica no tempo e no espaço, ora comportando-se como clima subúmido, como nos últimos anos, ora comportando-se como clima árido e até desértico – como no caso presente – inconsistência que dificulta o planejamento das atividades agropecuárias, em que o componente errático não permite a elaboração de padrões e cronogramas confiáveis.
De outro lado, o cultivo da palma forrageira, que garante a segurança alimentar e a redução do dessedentamento dos rebanhos nos períodos secos, porém é mão-de-obra intensivo, não terceirizável e de retornos não imediatos – teve sua área marcantemente reduzida nos últimos anos, processo acelerado por problemas fitossanitários causados pela desastrada introdução da cochonilha do carmim, o que agravou particularmente a situação dos produtores pernambucanos.
Evidente, portanto, que a expansão da fronteira do leite no Nordeste semiárido, com seu alto risco climático, excessivamente baseada na cultura do milho para alimentação dos rebanhos e na total dependência de compras externas de concentrados proteicos, sem a segurança alimentar assegurada pela palma forrageira e, obviamente, sem infraestrutura hídrica permanente, não se configura como minimamente sustentável.
É duro admitir a possibilidade de que o notável crescimento de mais de duas décadas do complexo agroindustrial do leite estabelecido nessa região – que chegou a ser considerada a nova fronteira do leite no Brasil –, com instalação crescente de grandes plantas de laticínios, gerando centenas de milhares de postos de trabalho, em uma região historicamente carente e de baixa capacidade de reconversão econômica, possa colapsar, não por falta de soluções tecnológicas, mas por falta de vontade política de seus governantes, cujos horizontes não ultrapassam os quatro anos de seus mandatos eletivos.
Diante desse quadro, só resta aos pequenos produtores de leite do sertão nordestino rezar, rogando a Deus que se apiede de seus pobres animais, estes sim, indefesas vítimas da imprevidência, da irresponsabilidade e da incompetência humanas.
1: Parte da letra da música Vozes da Seca de Zé Dantas, cantada por Luiz Gonzaga
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