Um desejo de considerar as conseqüências geopolíticas da existência sob o modo capitalista de produção. É dessa forma que David Harvey sintetiza o conjunto de objetivos que ambiciona concretizar no quinto capítulo da sua obra intitulada ‘A produção capitalista do espaço'. Para tanto, ele inicia discorrendo sobre as principais características do modo capitalista de produção, no qual elenca a relação social principal do desenvolvimento capitalista, representada pelo excedente de capital e força de trabalho; passa a focar a atenção na questão do investimento, organização espacial, e em seguida nas alianças regionais de classe; e culmina na conclusão acerca da geopolítica do capitalismo, propriamente dita.
David Harvey
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Tal é a problemática que Harvey sustenta ser própria do fluxo de circulação de capital que caracteriza o sistema em questão. Ele mesmo passa a questionar, então, se entre expansão ou reestruturação geográfica, qual seria a alternativa mais viável para contradizer as constatações feitas anteriormente, que pressupõem apenas a globalização das crises, e o surgimento e permanência de conflitos geopolíticos de formação e solução das mesmas. Harvey vai de encontro à Karl Marx - para quem a transição socialista reservava resultados distintos de lugar para lugar - quando assegura que a manutenção do capitalismo se deve à transformação das relações espaciais e à ascensão de estruturas geográficas específicas. E contesta a internacionalização de interesses que Lenin propõe: na sua opinião, a expressão geográfica que Lenin dá ao capitalismo, por meio da teoria do Estado, apenas serve de comprovação do curso de desenvolvimento do capitalismo como sistema, e generaliza a expressão social e política particular da geografia histórica em cada localidade.
Para Harvey, é fato que Marx se concentrou na análise do tempo, e não do espaço, o que pode justificar algumas das lacunas que restaram na sua teoria em relação à própria geopolítica do capital, mas por outro lado é aceitável quando se dimensiona a importância do tempo na produção capitalista. O autor se dispõe a fazer, em seguida, o aprofundamento do debate em questão, e suscita o que chama de coerência estruturada, que seria a união do capital e da força de trabalho em uma unidade territorial distinta, criando, pelas mãos de capitalistas individuais, condições locacionais particulares. Esta coerência estruturada se caracteriza pela livre rotação do capital, e podendo ser formalmente aceita pelo Estado, além da sua disseminação informal - por meio do fomento de culturas regionais - passa a ser ponto de impulso para a definição de espaços regionais.
Há que se relevar, entretanto, que uma série de fatores pode questionar e desequilibrar estes espaços, como a livre mobilidade de capital, a mobilidade geográfica da força produtiva e a existência de infra-estruturas sociais que viabilizem tais fluxos geográficas. A produção capitalista perde a espécie de estabilidade regional gozada anteriormente. Mais do que isso, se chega a um ponto dicotômico no qual as forças de acumulação e superacumulação representam a alternativa de que se servem capitalistas e trabalhadores para se moverem, mas também a forma pela qual são constrangidos e estimulados a permanecer em localidades distintas. Enfim, Harvey conclui, de forma excepcionalmente coerente, que as novas contradições do capitalismo se revelam mediante a formação e reformação das paisagens geográficas.
Ainda que seja um autor de opiniões concretamente revolucionárias - mais especificamente no que diz respeito à constatação da necessidade da substituição integral e imediata do modo capitalista de produção, sua estrutura expansível e sua natureza tecnologicamente dinâmica de circulação - o arcabouço teórico pelo qual Harvey sustenta seus argumentos é sim, de certa forma, inquestionável. É na forma lúcida e magistral pela qual o autor discorre sobre a estrutura geopolítica relativamente estável, da própria estrutura que condiciona, viabiliza e condena a dinâmica capitalista, que reside a maior validade da leitura do excerto que nos foi apresentado.
*Acadêmica de Relações Internacionais
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