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Dois artigos: Dom Demétrio Valentini. À luz da Páscoa. Clodivis Boff. Páscoa, a vitória sobre a morte
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À luz da Páscoa
Por Dom Demétrio Valentini
Desde a tradição hebraica, passando pela tradição cristã, a páscoa é a festa central de cada ano. De tal modo que, celebrada a páscoa, o ano fica abençoado, bem encomendado, pela maneira como a páscoa foi celebrada.
Desta vez, tivemos uma páscoa bem incrementada, pelos surpreendentes episódios ligados ao processo da sucessão no Vaticano, que culminaram com a eleição do Papa Francisco.
Pois bem, se a páscoa foi muito marcada por estes episódios, o ano todo vai levar a marca deste início de pontificado, que começou suscitando tantas esperanças. Depois das demonstrações iniciais, sinalizando as intenções do novo papa, as expectativas começam a se voltar para as primeiras medidas concretas, que indiquem a efetivação da retomada da renovação eclesial, que continua tendo como referência ampla as propostas apresentadas no Concílio Vaticano II.
Não há dúvida, que o pontificado do Papa Francisco inaugurou um novo período na vida da Igreja. Um novo clima foi instaurado. Está bem fundada a confiança que o novo papa inspirou, de presidir na caridade a comunhão eclesial, a partir da Diocese de Roma. São intenções generosas, que poderão encontrar facilmente formas de se realizar, e assim ir consolidando avanços significativos na empreitada de colocar novamente a Igreja em renovação e em estado de missão.
Neste contexto, a própria Assembléia Geral da CNBB, que começa nesta semana, será certamente influenciada pelo clima de início de pontificado. Já o fato dos bispos partilharem suas impressões sobre o novo Papa oferecerá assunto para muitas conversas pessoais, que certamente marcarão também as intervenções públicas sobre os diversos temas da Assembleia.
Por isto, sem acrescentar nenhum assunto novo na agenda da Assembléia, todos os assuntos serão situados no contexto do novo momento vivido pela Igreja.
Acresce outro detalhe importante. Está confirmada a vinda do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, no próximo mês de julho. Se antes este "encontro mundial do Papa com os jovens” já contava com uma expectativa de grande presença, e de ampla repercussão mundial, mais ainda agora com a prometida presença do Papa que se tornou centro de atenção da mídia. Está garantida a ampla repercussão deste evento, que contará com as últimas providências de sua organização nesta Assembléia da CNBB.
Ao garantir que vinha para o Rio de Janeiro em julho, o Papa Francisco avisou que pretende ir a Aparecida. Será mais um gesto, que se acrescentará a tantos outros, de apreço pela devoção a Maria.
Mas a ida dele a Aparecida possuiu outro ingrediente muito significativo. Foi em Aparecida que se realizou recentemente a Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino Americano. Nesta Conferência, ele foi o coordenador da equipe de redação do documento oficial.
Para o Papa Francisco, ir para Aparecida é assumir a identidade da Igreja Latino Americana. E´ valorizar sua caminha pastoral, marcada pela generosa recepção do Concílio, como ficou demonstrado pela Conferência de Medellín em 1968, cujo espírito foi retomado na Conferência de Aparecida.
Portanto, esta viagem do Papa ao Brasil ainda se insere dentro da apresentação da "plataforma” do seu pontificado, olhado com muito interesse pelas Igrejas de outros continentes, que agora aguardam a contribuição da Igreja que deu o novo Papa.
Por tudo isto, a Páscoa deste ano injetou novos ingredientes, que precisam de tempo para serem assimilados.
Este ano ainda promete.
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Páscoa: a vitória sobre a morte
Por Clodovis Boff
A "festa magna da cristandade” não é o Natal, como se propala, mas a Páscoa. Trata-se de uma festa que não tem paralelo em nenhuma outra religião. O que se celebra com a ressurreição de Cristo é a glória do corpo humano, enfim vitorioso sobre a morte. De fato, entre os fundadores de religião, só Cristo ressuscitou e continua vivo, em corpo e alma. Buda morreu, assim como Maomé, Confúcio, Lao Tse e todos os demais. O que ficou deles foi sua doutrina e seu exemplo. Quanto a seus corpos, ficaram apenas, como se diz, os "restos mortais”. Com Cristo não aconteceu o mesmo. Ele morreu, mas, como proclama o Credo apostólico, "ressuscitou ao terceiro dia”.
Que significa isso? Que com a páscoa de Jesus, a morte, até então invencível, foi finalmente vencida. E ela será vencida também por aqueles que se associam a Cristo pela fé. Assim confessa o credo cristão: "Creio na ressurreição da carne”. Quer dizer, com a ressurreição, é o próprio corpo humano que volta à vida, mas não à vida anterior. Isso, mais que ressurreição, seria uma reviviscência, como aconteceu com Lázaro. Não; o que aconteceu com Cristo e vai acontecer conosco é, antes, passagem para uma vida superior e plena.
Portanto, com a ressurreição, é o homem inteiro, corpo e alma, que é refeito, salvo e glorificado. Não existe nenhuma religião que atribua ao corpo um destino tão alto e, por isso, uma dignidade maior. O Oriente tende a exaltar o espírito, em detrimento do corpo. O Ocidente tende a exaltar o corpo, com desprezo do espírito. O Cristianismo, fazendo uma síntese dos dois, exalta o homem por inteiro, em corpo e alma. Para ele, o homem é um corpo espiritualizado ou um espírito encarnado. E é como conjunto de corpo e alma que o homem se realiza e se salva.
Mas como é que fica o corpo ressuscitado? Continuará sendo um corpo verdadeiro, concreto, real, mas numa condição nova e livre, e não mais na condição atual, limitada ao espaço e ao tempo. Mas como será concretamente o corpo ressuscitado? Partindo de um texto de S. Paulo (1Cor 15,35-50), a teologia atribui ao corpo ressuscitado quatro qualidades. É, em primeiro lugar, um corpo "impassível”, isto é, um corpo que não sofre, não envelhece nem morre. Depois, é um corpo "glorioso”, belíssimo, brilhando como Jesus, transfigurado no Tabor. Em seguida, é um corpo "ágil”, mais veloz que a luz, podendo estar lá onde estiver sua mente e seu desejo. Por fim, é um corpo "sutil”, totalmente espiritualizado, isto é, todo penetrado pelas forças do espírito e sob seu comando. É, em resumo, o corpo que gostaríamos de ter, obediente aos nossos desejos mais altos.
A Ressurreição, mais que uma doutrina, é um evento. É o evento mais decisivo da história do mundo. Vencendo a morte, em todos os seus sentidos, o Ressuscitado funda e garante o sentido da vida e do mundo. Esse sentido se chama: vida eterna e bem-aventurada. Existe mensagem mais maravilhosa?
[*Frei Clodovis Maria Boff é frade da Ordem dos Servos de Maria e professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Tem graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mogi das Cruzes e doutorado em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. O texto foi publicado em Gazeta do Povo em 31/03/2013].
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À luz da Páscoa
Por Dom Demétrio Valentini
Desde a tradição hebraica, passando pela tradição cristã, a páscoa é a festa central de cada ano. De tal modo que, celebrada a páscoa, o ano fica abençoado, bem encomendado, pela maneira como a páscoa foi celebrada.
Desta vez, tivemos uma páscoa bem incrementada, pelos surpreendentes episódios ligados ao processo da sucessão no Vaticano, que culminaram com a eleição do Papa Francisco.
Pois bem, se a páscoa foi muito marcada por estes episódios, o ano todo vai levar a marca deste início de pontificado, que começou suscitando tantas esperanças. Depois das demonstrações iniciais, sinalizando as intenções do novo papa, as expectativas começam a se voltar para as primeiras medidas concretas, que indiquem a efetivação da retomada da renovação eclesial, que continua tendo como referência ampla as propostas apresentadas no Concílio Vaticano II.
Não há dúvida, que o pontificado do Papa Francisco inaugurou um novo período na vida da Igreja. Um novo clima foi instaurado. Está bem fundada a confiança que o novo papa inspirou, de presidir na caridade a comunhão eclesial, a partir da Diocese de Roma. São intenções generosas, que poderão encontrar facilmente formas de se realizar, e assim ir consolidando avanços significativos na empreitada de colocar novamente a Igreja em renovação e em estado de missão.
Neste contexto, a própria Assembléia Geral da CNBB, que começa nesta semana, será certamente influenciada pelo clima de início de pontificado. Já o fato dos bispos partilharem suas impressões sobre o novo Papa oferecerá assunto para muitas conversas pessoais, que certamente marcarão também as intervenções públicas sobre os diversos temas da Assembleia.
Por isto, sem acrescentar nenhum assunto novo na agenda da Assembléia, todos os assuntos serão situados no contexto do novo momento vivido pela Igreja.
Acresce outro detalhe importante. Está confirmada a vinda do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, no próximo mês de julho. Se antes este "encontro mundial do Papa com os jovens” já contava com uma expectativa de grande presença, e de ampla repercussão mundial, mais ainda agora com a prometida presença do Papa que se tornou centro de atenção da mídia. Está garantida a ampla repercussão deste evento, que contará com as últimas providências de sua organização nesta Assembléia da CNBB.
Ao garantir que vinha para o Rio de Janeiro em julho, o Papa Francisco avisou que pretende ir a Aparecida. Será mais um gesto, que se acrescentará a tantos outros, de apreço pela devoção a Maria.
Mas a ida dele a Aparecida possuiu outro ingrediente muito significativo. Foi em Aparecida que se realizou recentemente a Quinta Conferência Geral do Episcopado Latino Americano. Nesta Conferência, ele foi o coordenador da equipe de redação do documento oficial.
Para o Papa Francisco, ir para Aparecida é assumir a identidade da Igreja Latino Americana. E´ valorizar sua caminha pastoral, marcada pela generosa recepção do Concílio, como ficou demonstrado pela Conferência de Medellín em 1968, cujo espírito foi retomado na Conferência de Aparecida.
Portanto, esta viagem do Papa ao Brasil ainda se insere dentro da apresentação da "plataforma” do seu pontificado, olhado com muito interesse pelas Igrejas de outros continentes, que agora aguardam a contribuição da Igreja que deu o novo Papa.
Por tudo isto, a Páscoa deste ano injetou novos ingredientes, que precisam de tempo para serem assimilados.
Este ano ainda promete.
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Páscoa: a vitória sobre a morte
Por Clodovis Boff
A "festa magna da cristandade” não é o Natal, como se propala, mas a Páscoa. Trata-se de uma festa que não tem paralelo em nenhuma outra religião. O que se celebra com a ressurreição de Cristo é a glória do corpo humano, enfim vitorioso sobre a morte. De fato, entre os fundadores de religião, só Cristo ressuscitou e continua vivo, em corpo e alma. Buda morreu, assim como Maomé, Confúcio, Lao Tse e todos os demais. O que ficou deles foi sua doutrina e seu exemplo. Quanto a seus corpos, ficaram apenas, como se diz, os "restos mortais”. Com Cristo não aconteceu o mesmo. Ele morreu, mas, como proclama o Credo apostólico, "ressuscitou ao terceiro dia”.
Que significa isso? Que com a páscoa de Jesus, a morte, até então invencível, foi finalmente vencida. E ela será vencida também por aqueles que se associam a Cristo pela fé. Assim confessa o credo cristão: "Creio na ressurreição da carne”. Quer dizer, com a ressurreição, é o próprio corpo humano que volta à vida, mas não à vida anterior. Isso, mais que ressurreição, seria uma reviviscência, como aconteceu com Lázaro. Não; o que aconteceu com Cristo e vai acontecer conosco é, antes, passagem para uma vida superior e plena.
Portanto, com a ressurreição, é o homem inteiro, corpo e alma, que é refeito, salvo e glorificado. Não existe nenhuma religião que atribua ao corpo um destino tão alto e, por isso, uma dignidade maior. O Oriente tende a exaltar o espírito, em detrimento do corpo. O Ocidente tende a exaltar o corpo, com desprezo do espírito. O Cristianismo, fazendo uma síntese dos dois, exalta o homem por inteiro, em corpo e alma. Para ele, o homem é um corpo espiritualizado ou um espírito encarnado. E é como conjunto de corpo e alma que o homem se realiza e se salva.
Mas como é que fica o corpo ressuscitado? Continuará sendo um corpo verdadeiro, concreto, real, mas numa condição nova e livre, e não mais na condição atual, limitada ao espaço e ao tempo. Mas como será concretamente o corpo ressuscitado? Partindo de um texto de S. Paulo (1Cor 15,35-50), a teologia atribui ao corpo ressuscitado quatro qualidades. É, em primeiro lugar, um corpo "impassível”, isto é, um corpo que não sofre, não envelhece nem morre. Depois, é um corpo "glorioso”, belíssimo, brilhando como Jesus, transfigurado no Tabor. Em seguida, é um corpo "ágil”, mais veloz que a luz, podendo estar lá onde estiver sua mente e seu desejo. Por fim, é um corpo "sutil”, totalmente espiritualizado, isto é, todo penetrado pelas forças do espírito e sob seu comando. É, em resumo, o corpo que gostaríamos de ter, obediente aos nossos desejos mais altos.
A Ressurreição, mais que uma doutrina, é um evento. É o evento mais decisivo da história do mundo. Vencendo a morte, em todos os seus sentidos, o Ressuscitado funda e garante o sentido da vida e do mundo. Esse sentido se chama: vida eterna e bem-aventurada. Existe mensagem mais maravilhosa?
[*Frei Clodovis Maria Boff é frade da Ordem dos Servos de Maria e professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Tem graduação em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Mogi das Cruzes e doutorado em Teologia pela Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica. O texto foi publicado em Gazeta do Povo em 31/03/2013].
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