O evento climático mais temido pela cafeicultura, a geada, está na origem do direcionamento morro acima das lavouras de café nas regiões de mais antigo cultivo. Noutra abordagem, de matiz sociológica, percebiam na disposição espacial: lavoura no morro e casa grande no vale; como uma configuração capaz de permitir imediato controle sobre a mão-de-obra alocada no manejo/colheita do cafezal. Provavelmente, ambos os fatores forjaram o vetor morro acima na histórica itinerância desse cultivo. Ao contrário da percepção geral, a ocupação da “montanha”1 pela cafeicultura não constitui uma vocação natural, mas uma decorrência das condições edafoclimáticas e sócio-econômicas que pautaram o desenvolvimento dessa lavoura.
A digressão histórica auxilia-nos na compreensão da atual simbiose entre cafeicultura e “montanha”. Todavia, no que consiste exatamente relevo dito montanhoso. Análise de imagens de satélite do Estado de Minas Gerais, por exemplo, revela que 75% de sua cafeicultura está implantada em declividade que varia de 1% a 20%, ou seja, de topografia que permite a plena mecanização tanto do manejo como da colheita das lavouras. No cinturão da Zona da Mata, região com predomínio da cafeicultura chamada de “montanha”, 70,96% dela está implantada em terrenos com pendentes acima de 20%. Em contrapartida, no cinturão Sul-Sudoeste, 85% dos talhões estão alocados em áreas com menos de 20% de declividade (BERNARDES, et al 2012).
O destaque para o potencial mecanizável das áreas situadas em “montanha” decorre da constatação que sistemas produtivos com emprego generalizado de procedimentos mecanizados (manejo e colheita), são menos custosos do que aqueles que dependem grandemente do trabalho manual (VEGRO; MARTIN & MORICOCHI, 2000). Estudo que avaliou a competitividade de sistemas de produção manual e mecânico, especificamente, no sul de Minas Gerais, concluiu que o emprego de máquinas influenciou diretamente no desempenho econômico-financeiro das unidades produtivas (LANNA & REIS, 2012)2.
Excetuando-se o cinturão da Zona da Mata em que a mecanização é de fato acentuadamente restrita, nas demais regiões poderiam ser largamente empregadas. Entretanto, características prevalecentes da estrutura fundiária da cafeicultura impedem a adoção de processos mecanizados em razão das pequenas dimensões da maior parte das lavouras. Francisco et al (2010), compilando microdados do IBGE, constatou que mais de um terço da cafeicultura mineira e quase dois terços da capixaba possuem menos de 20ha cultivados (Figura 1).
Nas duas últimas décadas, os processos desencadeadores de inovações e de desenvolvimentos tecnológicos aplicados à cafeicultura focalizaram com mais interesse as regiões de planalto (cerrados), orientando-os no sentido de poupar mão de obra e incrementar a produtividade daquela remanescente por meio da adoção generalizada de máquinas e equipamentos3 . A cafeicultura implantada em áreas de geografia mais acidentada foi, aparentemente, negligenciada desse esforço. Ademais, poucos e custosos são os equipamentos que permitem poupar mão de obra no manejo e colheita dos sistemas de cultivo em “montanha”. A maior dependência de trabalhadores rurais (temporários, permanentes e familiares) é um dos dilemas enfrentados pelos sistemas produtivos em “montanha”.
Não existem diagnósticos precisos sobre o perfil dos cafeicultores situados nos cinturões de “montanha”. Provavelmente, a idade média desses produtores situe-se acima dos 50 anos, tendo concluído apenas o ciclo básico da formação educacional. Estudos comprovaram que agricultores desse tipo oferecem grande resistência à introdução de inovações, sendo esse fato adicional para a perda de competitividade desses estabelecimentos.
A conotação genérica para a denominada cafeicultura de “montanha” não facilita diagnósticos precisos sobre a sustentabilidade (ambiental e sócio-econômica) desses sistemas produtivos. Dados sobre a evolução da área, produção e produtividade de cinturões de “montanha” podem ser apreciados. Os resultados finais de estimativa de safra entre 2008/09 a 2012/13, não revelam grandes mudanças nos indicadores selecionados, talvez, apenas, uma ligeira evolução positiva na produtividade. (Tabela 1).
A condição de cultivo perene confere à cafeicultura relativa tendência de estabilidade de seus indicadores produtivos, estando ou não as cotações em patamares remuneradores dos fatores produtivos empregados. Portanto, sem alterações significativas capazes de promover mudanças estruturais desses cinturões na “montanha”, o ciclo de preços típico no mercado da commodity tende a causar grandes transtornos sócio-econômicos nos territórios em que a atividade representa fonte importante na geração de emprego e renda.
A análise das áreas em formação nos cinturões montanhosos, também, não evidencia arrefecimento na renovação/expansão4 do parque cafeeiro (Tabela 2). Normalmente esses talhões em formação, possuem maior densidade de cultivo e variedades de elevado potencial genético (produtividade, qualidade, resistência/tolerância a agentes bióticos), permitindo paulatino revigoramento desses cinturões com provável incremento da produtividade dos fatores empregados.
Entre 2008/09 e 2012/13, a relação entre área em formação sob aquela em produção revela que entre de 10% (mínima de 2008) a 17% (máxima de 2012) das áreas com café passam por renovação, superando a habitual recomendação agronômica de 5% de renovação ao ano (em 20 anos se renova a lavoura). Esse maior dinamismo do ajuste indica que a cafeicultura na “montanha” não é um monólito estático, mas ao contrário, por diligência de seus cafeicultores, está em processo de revigoramento pautado pela introdução de tecnologia agronômica nas lavouras (cultivares produtivas, adensamento). Em médio prazo esse esforço contribuirá para robustecer a competitividade desses sistemas produtivos.
Estudos sobre o custo operacional efetivo em lavouras de café apontam entre 40% e 60% as despesas com a alocação de mão-de-obra. Na safra 2010/11, novo cálculo do COE para o município de Manhumirim/MG (zona da mata) contabilizou 61,63% de participação relativa decorrente do emprego da mão de obra (OLIVEIRA et al, 2012)5, confirmando o quão relevante é esse desembolso na condução das lavouras.
Dados do IEA confirmam o forte incremento dos custos com mão de obra rural no Estado de São Paulo. Ocupações de caráter mais estável (trabalhadores permanentes) tiveram elevação próxima dos 50% entre 2008 e 2012. No caso dos volantes (temporários) a elevação do montante recebido pelo trabalhador quase triplicou. Há, portanto, “descasamento” entre os mecanismos de formação de preço da commodity e o item que mais onera os custos de produção (força de trabalho) (Tabela 3).
A decisão política de estabelecer trajetória de recuperação do poder de compra do salário mínimo (SM) é irreversível e se reflete, sobretudo, nos gastos com a contratação de trabalhadores meio rural em que essa unidade de conta (SM) é usualmente empregada no cálculo dos proventos estipulados em contratos (formais e informais). Frente a essa realidade, os sistemas produtivos que absorvem maior conteúdo de trabalho vivo (pessoas) são penalizados em relação aqueles em que o maior componente das despesas concentra-se no trabalho morto (máquinas e equipamentos)6.
Cafeicultores em situação de “montanha” buscam inovações com potencial de poupar mão-de-obra. Embora careçam estudos mais aprofundados, dentre as mais promissoras inovações encontra-se a construção de patamares em lavouras já estabelecidas. A observação de campo, por seguidas safras, demonstra o êxito dessa drástica iniciativa que, poderia, ser maiormente difundida entre outros cafeicultores em igual situação topográfica.
A adoção dos derriçadores portáteis incrementou sensivelmente a produtividade do trabalho de colheita. Equipe composta por dois funcionários (operador da derriçadora e abanador) substitui com folga outros cinco alocados para a mesma função, porém sem o apoio do equipamento. Esse ganho em produtividade reduz os custos da operação de colheita, mesmo considerando as despesas com combustível, depreciação e maior remuneração paga a desses trabalhadores.
Recentemente, lideranças da produção delinearam ações com intuito de oferecer soluções para os dilemas da cafeicultura de montanha7. Sinteticamente, dentre as diretrizes estão: a) regionalização dos preços mínimos; b) contratos de financiamentos com validade de cinco anos; c) incentivo para a renovação/erradicação de cafezais de baixa produtividade; d) desenvolvimento de maquinário de colheita apropriado para a situação de “montanha” e, e) simplificação e redução de custo para a formalização da mão-de-obra. Prevê ainda contrapartidas do segmento como: a) adoção de programa governamental de certificação sócio-ambiental e econômica das propriedades; b) forte investimento em capacitação para a gestão do negócio agrícola; c) incentivo às redes sociais de informação direcionadas ao cafeicultor e d) apoio as organizações sociais de prestação de serviços econômicos (cooperativas/associações/unidades de preparo comunitárias). Trata-se, portanto, de estudo abrangente com sugestões capazes de introduzir nova dinâmica para a estrutura produtiva das lavouras em situação de “montanha”.
A recriação da parceria na produção de café, pode se constituir numa alternativa aos cafeicultores com lavouras em que a mecanização das etapas produtivas não seja viável. O parcelamento da propriedade com os próprios trabalhadores dentro de estatuto legal, que confira segurança jurídica ao empreendimento, deveria compor o rol das ações. Tal iniciativa implica em um reordenamento produtivo com reconfiguração da relação capital-trabalho em que a autonomia decisória dos trabalhadores se fortalece. Diversas formas de colaboração podem ser imaginadas, desde aquela em que a compra de insumos e a responsabilidade sobre o preparo continuam sob coordenação do cafeicultor antigo dono, até aquelas em que apenas uma parte da safra colhida seja destinada ao pagamento da renda da terra e da exploração da lavoura.
José Saramago, único escritor de língua portuguesa laureado com prêmio Nobel de Literatura, exibe a seguinte epígrafe na abertura do livro Levantado do Chão – “Nessa vida se admite tudo menos a resignação”. Diante dos dilemas atuais, nenhuma das cafeiculturas brasileiras pode admitir a resignação. A de “montanha”8, tampouco! Embora não existam soluções fáceis para os problemas aqui apenas alinhavados, é vital que além da mobilização dos cafeicultores, novas rotinas de gestão da produção sejam adotadas, preparando as explorações para novos tempos que podem até não ser tão duros como os de agora.
1 O autor agradece o apoio recebido de Eduardo Heron Campos (Gerente de TI do CECAFE) e da pesquisadora IEA Vera Lúcia Ferraz dos Santos Francisco (Estatística).
2 Os autores constataram ainda que o investimento no cultivo de café com emprego exclusivo da colheita manual, o valor presente líquido do projeto (de 15 anos) seria negativo em R$6.065,82, considerando preço recebido de R$362,81 e produtividade média de 30sc/ha.
3 Ver RUFINO (2001).
4 O fenômeno tende mais para a renovação do que para a expansão na medida em que a área em produção exibe ligeira baixa.
5 No caso de Guaxupé/MG simulou-se propriedade com 80ha e produtividade de 23sc/ha, enquanto em Manhumirim/MG esses parâmetros foram de 10ha com 27sc/ha.
6 Percepção essa compartilhada com RUFINO (2011).
7 Ver documento preparado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
8 Alguns leitores podem não compreender as aspas colocadas sempre junto ao termo montanha. Quis o autor subentender que a terminologia talvez mais esconda do que revele aspectos cruciais da produção cafeeira nessa situação geográfica.
Literatura Citada
BERNARDES, T; MOREIRA, M.A; ADAMI, M. & RUDORFF, B. F. T. Diagnóstico Físico-Ambiental da Cafeicultura no Estado de Minas Gerais – Brasil. Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 139-151, maio/ago. 2012.
CONFEDERAÇÃO Nacional da Agricultura. Proposta para viabilização da cafeicultura de montanha. Grupo de Trabalho da Cafeicultura de Montanha, Brasília, fev.2013. 6p. (mimeo).
COMPANHIA Nacional de Abastecimento (CONAB). Previsão e estimativas de safra de café. Disponível em: http://www.conab.gov.br
FRANCISCO, V.L.F.dos; FECHINE, V.N.R., VEGRO, C.L.R. & ALMEIDA, M.B.A. Modelo estatístico e econômico para estimativa de safra brasileira de café. Informações Econômicas, v.40,n.12, dez.2010. 26-36p.
FREIRE, A.H.; REIS, R.P.; FONTES, R.E. & VEIGA, R.D. Eficiência econômica da cafeicultura no sul de Minas Gerais: uma aplicação da fronteira de produção. Coffee Science, Lavras, v. 6, n. 2, p. 172-183, maio/ago. 2011.
INSTITUTO de Economia Agrícola (IEA). Banco de Dados IEA. Disponível em: http:\\www.iea.sp.gov.br
LANNA, G.B.M. & REIS, R.P. Influência da mecanização da colheita na viabilidade econômico-financeira da cafeicultura no sul de Minas Gerais. Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 110-121, maio/ago. 2012.
OLIVEIRA, D.H; FREIRE de, J. M.; ALVARENGA, G.L.; ANDRADE, F.T; CASTRO JUNIOR, L.G. Evolução dos custos de produção da cafeicultura brasileira entre as safras 2007/2008 e 2010/2011. In: Anais do 50o Congresso da SOBER. Vitória, 22 a 25 de julho de 2012.17p.
RUFINO, J.L.dos S. Sim! A cafeicultura de montanha é viável. Disponível em: www.redepeabirus.com.br/redes/form/post?pub_id=101406
VEGRO, C.L.R.; MARTIN, N.B; & MORICOCHI, L. Sistemas de produção e competitividade da cafeicultura paulista. Informações Econômicas, v.30, n.6, p.7-44, jun.2000.
A digressão histórica auxilia-nos na compreensão da atual simbiose entre cafeicultura e “montanha”. Todavia, no que consiste exatamente relevo dito montanhoso. Análise de imagens de satélite do Estado de Minas Gerais, por exemplo, revela que 75% de sua cafeicultura está implantada em declividade que varia de 1% a 20%, ou seja, de topografia que permite a plena mecanização tanto do manejo como da colheita das lavouras. No cinturão da Zona da Mata, região com predomínio da cafeicultura chamada de “montanha”, 70,96% dela está implantada em terrenos com pendentes acima de 20%. Em contrapartida, no cinturão Sul-Sudoeste, 85% dos talhões estão alocados em áreas com menos de 20% de declividade (BERNARDES, et al 2012).
O destaque para o potencial mecanizável das áreas situadas em “montanha” decorre da constatação que sistemas produtivos com emprego generalizado de procedimentos mecanizados (manejo e colheita), são menos custosos do que aqueles que dependem grandemente do trabalho manual (VEGRO; MARTIN & MORICOCHI, 2000). Estudo que avaliou a competitividade de sistemas de produção manual e mecânico, especificamente, no sul de Minas Gerais, concluiu que o emprego de máquinas influenciou diretamente no desempenho econômico-financeiro das unidades produtivas (LANNA & REIS, 2012)2.
Excetuando-se o cinturão da Zona da Mata em que a mecanização é de fato acentuadamente restrita, nas demais regiões poderiam ser largamente empregadas. Entretanto, características prevalecentes da estrutura fundiária da cafeicultura impedem a adoção de processos mecanizados em razão das pequenas dimensões da maior parte das lavouras. Francisco et al (2010), compilando microdados do IBGE, constatou que mais de um terço da cafeicultura mineira e quase dois terços da capixaba possuem menos de 20ha cultivados (Figura 1).
Nas duas últimas décadas, os processos desencadeadores de inovações e de desenvolvimentos tecnológicos aplicados à cafeicultura focalizaram com mais interesse as regiões de planalto (cerrados), orientando-os no sentido de poupar mão de obra e incrementar a produtividade daquela remanescente por meio da adoção generalizada de máquinas e equipamentos3 . A cafeicultura implantada em áreas de geografia mais acidentada foi, aparentemente, negligenciada desse esforço. Ademais, poucos e custosos são os equipamentos que permitem poupar mão de obra no manejo e colheita dos sistemas de cultivo em “montanha”. A maior dependência de trabalhadores rurais (temporários, permanentes e familiares) é um dos dilemas enfrentados pelos sistemas produtivos em “montanha”.
Não existem diagnósticos precisos sobre o perfil dos cafeicultores situados nos cinturões de “montanha”. Provavelmente, a idade média desses produtores situe-se acima dos 50 anos, tendo concluído apenas o ciclo básico da formação educacional. Estudos comprovaram que agricultores desse tipo oferecem grande resistência à introdução de inovações, sendo esse fato adicional para a perda de competitividade desses estabelecimentos.
A conotação genérica para a denominada cafeicultura de “montanha” não facilita diagnósticos precisos sobre a sustentabilidade (ambiental e sócio-econômica) desses sistemas produtivos. Dados sobre a evolução da área, produção e produtividade de cinturões de “montanha” podem ser apreciados. Os resultados finais de estimativa de safra entre 2008/09 a 2012/13, não revelam grandes mudanças nos indicadores selecionados, talvez, apenas, uma ligeira evolução positiva na produtividade. (Tabela 1).
A condição de cultivo perene confere à cafeicultura relativa tendência de estabilidade de seus indicadores produtivos, estando ou não as cotações em patamares remuneradores dos fatores produtivos empregados. Portanto, sem alterações significativas capazes de promover mudanças estruturais desses cinturões na “montanha”, o ciclo de preços típico no mercado da commodity tende a causar grandes transtornos sócio-econômicos nos territórios em que a atividade representa fonte importante na geração de emprego e renda.
A análise das áreas em formação nos cinturões montanhosos, também, não evidencia arrefecimento na renovação/expansão4 do parque cafeeiro (Tabela 2). Normalmente esses talhões em formação, possuem maior densidade de cultivo e variedades de elevado potencial genético (produtividade, qualidade, resistência/tolerância a agentes bióticos), permitindo paulatino revigoramento desses cinturões com provável incremento da produtividade dos fatores empregados.
Entre 2008/09 e 2012/13, a relação entre área em formação sob aquela em produção revela que entre de 10% (mínima de 2008) a 17% (máxima de 2012) das áreas com café passam por renovação, superando a habitual recomendação agronômica de 5% de renovação ao ano (em 20 anos se renova a lavoura). Esse maior dinamismo do ajuste indica que a cafeicultura na “montanha” não é um monólito estático, mas ao contrário, por diligência de seus cafeicultores, está em processo de revigoramento pautado pela introdução de tecnologia agronômica nas lavouras (cultivares produtivas, adensamento). Em médio prazo esse esforço contribuirá para robustecer a competitividade desses sistemas produtivos.
Estudos sobre o custo operacional efetivo em lavouras de café apontam entre 40% e 60% as despesas com a alocação de mão-de-obra. Na safra 2010/11, novo cálculo do COE para o município de Manhumirim/MG (zona da mata) contabilizou 61,63% de participação relativa decorrente do emprego da mão de obra (OLIVEIRA et al, 2012)5, confirmando o quão relevante é esse desembolso na condução das lavouras.
Dados do IEA confirmam o forte incremento dos custos com mão de obra rural no Estado de São Paulo. Ocupações de caráter mais estável (trabalhadores permanentes) tiveram elevação próxima dos 50% entre 2008 e 2012. No caso dos volantes (temporários) a elevação do montante recebido pelo trabalhador quase triplicou. Há, portanto, “descasamento” entre os mecanismos de formação de preço da commodity e o item que mais onera os custos de produção (força de trabalho) (Tabela 3).
A decisão política de estabelecer trajetória de recuperação do poder de compra do salário mínimo (SM) é irreversível e se reflete, sobretudo, nos gastos com a contratação de trabalhadores meio rural em que essa unidade de conta (SM) é usualmente empregada no cálculo dos proventos estipulados em contratos (formais e informais). Frente a essa realidade, os sistemas produtivos que absorvem maior conteúdo de trabalho vivo (pessoas) são penalizados em relação aqueles em que o maior componente das despesas concentra-se no trabalho morto (máquinas e equipamentos)6.
Cafeicultores em situação de “montanha” buscam inovações com potencial de poupar mão-de-obra. Embora careçam estudos mais aprofundados, dentre as mais promissoras inovações encontra-se a construção de patamares em lavouras já estabelecidas. A observação de campo, por seguidas safras, demonstra o êxito dessa drástica iniciativa que, poderia, ser maiormente difundida entre outros cafeicultores em igual situação topográfica.
A adoção dos derriçadores portáteis incrementou sensivelmente a produtividade do trabalho de colheita. Equipe composta por dois funcionários (operador da derriçadora e abanador) substitui com folga outros cinco alocados para a mesma função, porém sem o apoio do equipamento. Esse ganho em produtividade reduz os custos da operação de colheita, mesmo considerando as despesas com combustível, depreciação e maior remuneração paga a desses trabalhadores.
Recentemente, lideranças da produção delinearam ações com intuito de oferecer soluções para os dilemas da cafeicultura de montanha7. Sinteticamente, dentre as diretrizes estão: a) regionalização dos preços mínimos; b) contratos de financiamentos com validade de cinco anos; c) incentivo para a renovação/erradicação de cafezais de baixa produtividade; d) desenvolvimento de maquinário de colheita apropriado para a situação de “montanha” e, e) simplificação e redução de custo para a formalização da mão-de-obra. Prevê ainda contrapartidas do segmento como: a) adoção de programa governamental de certificação sócio-ambiental e econômica das propriedades; b) forte investimento em capacitação para a gestão do negócio agrícola; c) incentivo às redes sociais de informação direcionadas ao cafeicultor e d) apoio as organizações sociais de prestação de serviços econômicos (cooperativas/associações/unidades de preparo comunitárias). Trata-se, portanto, de estudo abrangente com sugestões capazes de introduzir nova dinâmica para a estrutura produtiva das lavouras em situação de “montanha”.
A recriação da parceria na produção de café, pode se constituir numa alternativa aos cafeicultores com lavouras em que a mecanização das etapas produtivas não seja viável. O parcelamento da propriedade com os próprios trabalhadores dentro de estatuto legal, que confira segurança jurídica ao empreendimento, deveria compor o rol das ações. Tal iniciativa implica em um reordenamento produtivo com reconfiguração da relação capital-trabalho em que a autonomia decisória dos trabalhadores se fortalece. Diversas formas de colaboração podem ser imaginadas, desde aquela em que a compra de insumos e a responsabilidade sobre o preparo continuam sob coordenação do cafeicultor antigo dono, até aquelas em que apenas uma parte da safra colhida seja destinada ao pagamento da renda da terra e da exploração da lavoura.
José Saramago, único escritor de língua portuguesa laureado com prêmio Nobel de Literatura, exibe a seguinte epígrafe na abertura do livro Levantado do Chão – “Nessa vida se admite tudo menos a resignação”. Diante dos dilemas atuais, nenhuma das cafeiculturas brasileiras pode admitir a resignação. A de “montanha”8, tampouco! Embora não existam soluções fáceis para os problemas aqui apenas alinhavados, é vital que além da mobilização dos cafeicultores, novas rotinas de gestão da produção sejam adotadas, preparando as explorações para novos tempos que podem até não ser tão duros como os de agora.
1 O autor agradece o apoio recebido de Eduardo Heron Campos (Gerente de TI do CECAFE) e da pesquisadora IEA Vera Lúcia Ferraz dos Santos Francisco (Estatística).
2 Os autores constataram ainda que o investimento no cultivo de café com emprego exclusivo da colheita manual, o valor presente líquido do projeto (de 15 anos) seria negativo em R$6.065,82, considerando preço recebido de R$362,81 e produtividade média de 30sc/ha.
3 Ver RUFINO (2001).
4 O fenômeno tende mais para a renovação do que para a expansão na medida em que a área em produção exibe ligeira baixa.
5 No caso de Guaxupé/MG simulou-se propriedade com 80ha e produtividade de 23sc/ha, enquanto em Manhumirim/MG esses parâmetros foram de 10ha com 27sc/ha.
6 Percepção essa compartilhada com RUFINO (2011).
7 Ver documento preparado pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
8 Alguns leitores podem não compreender as aspas colocadas sempre junto ao termo montanha. Quis o autor subentender que a terminologia talvez mais esconda do que revele aspectos cruciais da produção cafeeira nessa situação geográfica.
Literatura Citada
BERNARDES, T; MOREIRA, M.A; ADAMI, M. & RUDORFF, B. F. T. Diagnóstico Físico-Ambiental da Cafeicultura no Estado de Minas Gerais – Brasil. Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 139-151, maio/ago. 2012.
CONFEDERAÇÃO Nacional da Agricultura. Proposta para viabilização da cafeicultura de montanha. Grupo de Trabalho da Cafeicultura de Montanha, Brasília, fev.2013. 6p. (mimeo).
COMPANHIA Nacional de Abastecimento (CONAB). Previsão e estimativas de safra de café. Disponível em: http://www.conab.gov.br
FRANCISCO, V.L.F.dos; FECHINE, V.N.R., VEGRO, C.L.R. & ALMEIDA, M.B.A. Modelo estatístico e econômico para estimativa de safra brasileira de café. Informações Econômicas, v.40,n.12, dez.2010. 26-36p.
FREIRE, A.H.; REIS, R.P.; FONTES, R.E. & VEIGA, R.D. Eficiência econômica da cafeicultura no sul de Minas Gerais: uma aplicação da fronteira de produção. Coffee Science, Lavras, v. 6, n. 2, p. 172-183, maio/ago. 2011.
INSTITUTO de Economia Agrícola (IEA). Banco de Dados IEA. Disponível em: http:\\www.iea.sp.gov.br
LANNA, G.B.M. & REIS, R.P. Influência da mecanização da colheita na viabilidade econômico-financeira da cafeicultura no sul de Minas Gerais. Coffee Science, Lavras, v. 7, n. 2, p. 110-121, maio/ago. 2012.
OLIVEIRA, D.H; FREIRE de, J. M.; ALVARENGA, G.L.; ANDRADE, F.T; CASTRO JUNIOR, L.G. Evolução dos custos de produção da cafeicultura brasileira entre as safras 2007/2008 e 2010/2011. In: Anais do 50o Congresso da SOBER. Vitória, 22 a 25 de julho de 2012.17p.
RUFINO, J.L.dos S. Sim! A cafeicultura de montanha é viável. Disponível em: www.redepeabirus.com.br/redes/form/post?pub_id=101406
VEGRO, C.L.R.; MARTIN, N.B; & MORICOCHI, L. Sistemas de produção e competitividade da cafeicultura paulista. Informações Econômicas, v.30, n.6, p.7-44, jun.2000.
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