Memória do Movimento Estudantil Cachoeirense:
A Casa do Estudante (década de 1950-1960)i
Depoimento de Ronald Mansur1
Paulo Fabris2: Como foi o contato do Senhor com o movimento estudantil de
Cachoeiro, em especial com a Casa do Estudante?
Ronald Mansur: Quando eu saí de Castelo em 1968, eu fui fazer vestibular de
geografia na Ufes, mas não vim imediatamente para Vitória, fiquei em Cachoeiro por
um ano. Fui neste momento que tive contato com a Casa do Estudante e acabei me
tornando tesoureiro da CECI no final da gestão do Roberto Valadão, que tinha o Chico
Borges como vice-presidente. Nessa época o secretário era o Glauco Oliveira, e morava
na Casa do Estudante o José Carlos Carvalho, que hoje é Secretário de Meio Ambiente
do governo de Minas Gerais, e José Arlete Francisqueto, ambos cursavam o segundo
grau. Era uma época que o regime militar estava endurecendo, e a gente já sabia o que
estava acontecendo na vida política do país. Lembro que em agosto de 1969 nós
recebemos uma intimação para comparecer à Polícia Federal em Vitória, sob alegação
de prestar esclarecimento sobre um documento que havia sido distribuído pela CECI, só
que depois descobrimos ser apenas uma provocação da polícia, não havia o tal
documento. O fato é que diante essa intimação, nós fomos à prefeitura conversar Nelo
Vola Borelli, que era o prefeito na época, pedir um carro emprestado para virmos à
Vitória, e fomos também conversar com o Juiz Pedro Borges Resende, comunicar à ele
essa intimação da Polícia Federal. Pedro Borges Resende falou então que iria mandar
1 Ronald Mansur é jornalista, atuou no jornal O Momento da PMCI, no O Diário, A Tribuna e na rede
Gazeta.
2 Sociólogo e historiador social, Editor da revista Sinais (ISSN–19813988), membro do Conselho
Deliberativo e coordenador da linha de pesquisa de História e Memória do NEI (Núcleo de Estudos e
Pesquisas Indiciárias), órgão vinculado ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do
Espírito Santo.
um oficial de menores junto com os convocados, pois achava que poderia acontecer
alguma coisa mais grave. Valadão então falou que não precisava, que não ia acontecer
nada, mas ele virou para Valadão e disse: “você não sabe o que está acontecendo pelo
Brasil afora”. Na verdade a gente sabia, porque a essa altura o Chico Borges já estava
clandestino e o Arildo Valadão também já estava começando a sair do cenário, e logo
depois foi terminar no Araguaia. A convocação era para dois dias, chegamos na Polícia
Federal iniciamos os depoimentos, e no transcorrer deles me perguntaram se eu tinha
algum parente subversivo, respondi que não, apesar ter um primo, o Renato Soares, que
estava envolvido na luta política. Então ele me apresentou um documento e pediu que
eu assinasse, se concordasse com o que estava escrito, e se não concordasse eu teria que
esperar. No dia seguinte apareceu um rapaz que havia morado na CECI, e então
descobrimos que foi ele quem havia roubado os documentos dos nossos arquivos e
entregue à polícia. No decorrer dos depoimentos no segundo dia, quando Glauco estava
sendo interrogado, ele levantou para ver qual era o documento que o policial tinha em
mãos e viu que era relacionado à fábrica de cimento, contra o João Santos. Então o
policial falou: “poxa, é erro, esse documento é antigo, é de antes da década de 1960”.
Na verdade tudo era uma cilada que eles estavam armando para nós, ou seja, o cerco
estava começando a se fechar, era o princípio da intimidação. Tanto é que quem veio
depois para a Casa do Estudante, como Deusdetinho (Deusdet Azevedo Dias), sofreu
muito mais do que o nosso grupo. Mesmo depois da minha vinda para Vitória, eu
sempre freqüentava a CECI quando ia a Cachoeiro, e em 1972, quando se estava
comemorando cinqüenta anos da Semana de Arte Moderna, apareceu um jornal de São
Paulo lá na Casa de Estudante, e quando a Polícia Federal bateu lá e viu aquela pilha de
jornal, eles falaram: “daqui uns dias isso vai estar lá em Vitória”, ou seja, a Casa de
Estudante era tida como um foco. Segundo relatos, houve um período que o delegado de
Cachoeiro, era o Willy Junquilho, um capitão da polícia, e ele viu um determinado
documento na Casa do Estudante que poderia comprometer o pessoal, então ele
escondeu esse documento da Polícia Federal. Essas coisas precisam ser registradas,
como a posição do juiz Pedro Borges Resende, que foi também muito relevante, porque
um outro poderia simplesmente dar as costas e dizer, “se vira pra lá, vocês são
subversivos, não tenho nada com isso”. Essa posição do Dr. Pedro, você olhando com
retrocesso, quarenta anos depois, é algo emocionante. Eu lembro também que a Casa
do Estudante tinha uma cozinheira, chamada Dona Jacinta, que gostava muito de uma
macumba, de fazer uns despachos, e ninguém lá acreditava nisso, mas no dia que nós
viemos para a Polícia Federal, ela pegou um punhado de sal e jogou para trás e falou:
“não vai acontecer nada com vocês”, e todo mundo acompanhou ela nesse rito. Ela era
uma pessoa de idade, como uma mãe para a gente, e por esses gestos você percebe o
grau de desespero das pessoas nessas situações. Eu lembro que mais à frente, numa
madrugada, a gente estava na sede da CECI fazendo carteirinhas, esse rapaz que pegou
o documento na CECI e entregou à Polícia Federal, apareceu por lá e a gente ouviu um
barulho e vimos que era ele, ele então saiu correndo e nós fomos atrás e fomos pega-lo
em frente à sede antiga da prefeitura. Ele era uma pessoa instrumentada por alguém de
Cachoeiro para fazer espionagem.
Paulo Fabris: O Senhor tem lembrança de alguma outra ação da Polícia Federal
contra a Diretoria ou contra eventos promovidos pela CECI?
Ronald Mansur: Nessa época que eu participei não, mesmo porque, naquele momento,
não se tinha muitas promoções sendo realizadas e todos já trabalhavam com um pé
atrás, mais na surdina. Uma boa ilustração desses cuidados que passaram a ser adotados,
foi uma conversa que Valadão teve com uma pessoa clandestina que passou na Casa do
Estudante, esse encontro foi feito no porão, longe da curiosidade alheia. Foi uma época
difícil, o cerco estava se fechando. Certa vez viajamos para o Rio de Janeiro e fomos à
casa de Batistinha (Demistóclides Batista) 3, que estava vindo do exílio no Uruguai, e
virou para Valadão e disse: “hoje, eu quero sair onde tem gente, até um grupo de
escoteiro se me aceitar eu quero estar junto. Por isso eu vou para o Maracanã, torcer
pelo Flamengo, eu quero estar onde tem gente, eu quero participar”.
Paulo Fabris: Com relação ao caráter ideológico do movimento estudantil, havia
uma consciência clara do que estava acontecendo no país e um direcionamento
ideológico das ações das lideranças estudantis?
Ronald Mansur: Todos sabiam o que estavam acontecendo, e todos tinham uma
posição ideológica firmada, mas não me lembro se alguém, naquele momento, pertencia
a algum agrupamento político. Na verdade, vivia-se com muito medo. Do grupo, eu
lembro que José Arlete foi preso, acho que em 1971, junto com o pessoal do PC do B,
3 Batistinha foi um dos cem primeiros cassados pelo governo militar com base no AI-1(Ato Institucional
nº 1) em 9 de abril de 1964, conforme a Fundação Perseu Abrano.
assim como a Miriam Leitão, Marcelo e outras pessoas, era um grupo grande. Todos
eram conscientes, não tinha gente inocente, todos tinham uma ideologia, mas não era
uma coisa de massa porque o cerco estava fechando. A Casa do Estudante promovia os
bailes, tocava o restaurante, emitia as carteirinhas estudantis, era uma espécie de última
sentinela, mas a gente sabia claramente o que estava acontecendo no país. Tanto é que
uma vez fomos à Campos Sales, no Rio de Janeiro, encontrar com Chico Borges, que
estava clandestino e a gente foi a um barzinho chamado Jiló Frito. A gente tinha um pé
atrás com umas lideranças políticas de Cachoeiro, o pessoal da Arena, como o Nelo
Boreli, Ferraço, e outros. A gente fazia uma ponte era com o João Madureira, reuníamos
para conversar na casa dele, que era um ponto de encontro interessante, assim como a
casa de Dona Nair Coelho Santos, irmã de Salomé, que tinha uma boa biblioteca, esses
locais de encontros eram as nossas trincheiras.
Paulo Fabris: Houve um momento em que se colocou na Casa do Estudante a
proposta para as lideranças estudantis aderirem ao MDB, partido criado pelo
Regime Militar, mas que era tido como de oposição. Fale um pouco sobre isso.
Ronald Mansur: Eu pessoalmente era contra a entrada de Valadão no MDB para sair
como candidato a vice-prefeito de Hélcio Carlos Manhães. Naquele momento eu achava
que não deveria, mas o tempo mostrou que não, eu tinha dezenove anos, não tinha muita
clareza no que aquilo ia dar, O pessoal da Cassa do Estudante naquele momento
formava grupo muito pequeno, e não houve nenhuma contestação, ninguém bateu de
frente em relação a isso. Nós éramos uma espécie de ilha, havia poucas pessoas que
circulavam na esfera da CECI. Lembro que a gente sempre reclamava que as pessoas
que tinham passado pela CECI e depois tinham saído para o Rio não voltavam para dar
um apoio para quem ficou. Anos depois eu cometi o mesmo pecado, pois saí de
Cachoeiro e também não voltei. Na época a gente não entendia isso, hoje agente
compreende que as pessoas vão construir outra história, tem uma outra vida para tocar.
Paulo Fabris: O Senhor participou da luta pela instituição do passe escolar?
Ronald Mansur: Não, isso foi em 1968, quando chequei o passe escolar já existia e era
vendido pela Casa do Estudante.
Paulo Fabris: Qual era o grau de mobilização da CECI sobre o conjunto dos
estudantes, sejam nos eventos políticos, culturais ou esportivos?
Ronald Mansur: No tempo que passei lá, em 1968 e 1969, o movimento que havia era
em torno dos bailes, que também já estava minguando, não havia mais um movimento
cultural expressivo, já havia passado esse tempo. O papel da Casa do Estudante se
resumia à emissão de carteirinhas, a venda de passes escolares, e tinha também o
restaurante. Houve também o festival de música, mas não havia grandes movimentos, a
Casa do Estudante, naquele momento, tinha se tornado numa ilha.
Paulo Fabris: Um evento que se tornou importante na gestão do Roberto Valadão
foi a comemoração da Semana do Estudante, fale um pouco sobre esta atividade.
Ronald Mansur: Era uma tentativa de resgatar alguma coisa do passado, onde você
reencontrava as pessoas, mas não era um movimento de massa. O Brasil estava vivendo
um apagão, e a gente vivia isolado. A gente, na juventude, achava que sabia tudo, mas
na verdade a gente estava vivendo o que vivia o Brasil. Costumo dizer que na Argentina
se matou muito mais do que no Brasil, só que aqui se matou o que havia na mente das
pessoas, ou seja, um apagão de informação, o que gerou conseqüências ruins até para os
dias de hoje. Hoje você encontra pessoas com as quais não conversa causa de
desavenças passadas. Quando a maturidade vai chegando, você vai vendo como que nós
erramos, como fomos sectários ao achar que éramos os donos da verdade, e acabamos
agindo igual ao sistema, de cima para baixo. Existem marcas que permanecem até hoje
entre pessoas que circularam na CECI, coisas que você não quer lembrar, pessoas que
você não quer encontrar.
Paulo Fabris: Havia um grupo situado mais de direita em Cachoeiro que disputou
com pessoal que se posicionava de uma forma mais progressista. Qual é a
lembrança que o Senhor tem das disputas que se deram no campo ideológico?
Ronald Mansur: Quando cheguei à CECI esse pessoal já não fazia mais frente, acho
que nas eleições que aconteceram mais à frente, como a de Deusdetinho, esse pessoal
nem concorreu. Eles não participavam mais, não tinham mais a força que tinham no
passado, cada um ficou do tamanhozinho dele mesmo. Não me lembro das eleições, a
presença do pessoal de direita já era menor, embora se soubesse quem era dessa turma.
Mas se você olhar havia também uma coisa infantil do outro lado, como o Tenente
Farid, com o culto à bandeira brasileira, mas que não tinha uma posição ideológica
formada de oposição à CECI, nem fora dela.
Paulo Fabris: Havia algumas pessoas que tiveram uma influência grande sobre as
lideranças estudantis. Qual a lembrança que você tem dessas lideranças, que eram
professores, advogados, progressistas e intelectuais da cidade?
Ronald Mansur: Como eu não estudei em Cachoeiro, eu cheguei em 1968 e saí em
1969, é só tenho informações sobre essas influências, como a dos Herkenhoff, que
fundaram a Casa do Estudante. Mas esse pessoal não tinha mais essa influência, isso era
coisa do passado. A CECI emitia as carteirinhas de estudantes, vendia os passes
escolares, montaram um cursinho que durou por um tempo, havia o restaurante,
abrigavam-se lá algumas pessoas, mas já estávamos caminhando para o precipício, para
o vazio.
Paulo Fabris: O Senhor fala do “apagão” que se abateu sobre a Casa do
Estudante, o que provocou esse esvaziamento?
Ronald Mansur: As pessoas foram cuidar de suas vidas, e não havia um fluxo de
informação mais consistente que desse um quadro mais real do momento político do
país estava atravessando. Sabia-se o que estava acontecendo no Araguaia, de pessoas
que estavam clandestinas, mas não chegavam mais informação. Foi um abalo tão grande
que as pessoas ficaram perdidas, cada uma foi cuidar da sua própria vida, as lideranças
não se renovaram, quarenta anos depois não se tem mais movimento estudantil. Só que
naquela época era uma coisa pesada que estava chegando, e cada um se refugiou dentro
de si. E isso era uma coisa programada. O José Carlos Carvalho alguns anos depois se
tornou amigo do ministro de educação da França, e esse amigo comentou certa vez com
que enquanto o “ministro da educação” no Brasil fosse os meios de comunicação, nós
estaríamos perdidos. A educação brasileira era feita pelos meios de comunicação, que
além de omissos eram comprometidos com o sistema. A repressão política veio sabendo
exatamente o que ia fazer, a violência era mais escondida, a população não sabia e a
gente não conseguia passar essa informação também. Em determinado momento desse
período Arildo Valadão mandou uma carta para Dona Helena falando que iria para
clandestinidade. O grupo ali segmentou, o que estava acontecendo no entorno era muito
pesado, e hoje a gente vê que era maior do que a gente imaginava. As pessoas que
passaram pela Casa de Estudantes se tornando clandestinas, como o Arildo, que morreu
no Araguaia, a perseguição à Batistinha, e todo mundo ficou dentro de casa, se
encastelou, porque era realmente pesado.
Paulo Fabris: Nesse seu período na CECI havia alguma publicação, um jornal
estudantil?
Ronald Mansur: A Casa do Estudante tinha um jornalzinho, mas era uma grande
dificuldade de imprimir, pois tinha que ser impresso em Jerônimo Monteiro, e não tinha
mais peso junto a massa estudantil. É faltar com a verdade falar que tinha alguma
penetração entre os estudantes, não tinha, tinha peso na cabeça das pessoas que faziam o
jornal, mas na prática não.
Paulo Fabris: O Senhor acha que a Casa do Estudante em algum momento foi um
local de resistência à ditadura militar?
Ronald Mansur: Era uma trincheira de pessoas inconformadas, um local de encontro
para analisar o que estavam acontecendo, como foi a casa do Dr. João Madureira por
muitos anos, aonde a gente ia para conversar sobre as coisas que não eram publicadas na
imprensa, onde fazíamos as nossas interpretações sobre a conjuntura do país. A casa do
Dr. João Madureira também foi uma grande trincheira onde a gente atravessava a
madrugada conversando. Sempre que chegavam a Cachoeiro pessoas do Rio ou de
Vitória que tinham visão política a casa do Dr. João era o ponto de encontro. Tem uma
passagem de quando vim trabalhar no jornal A Tribuna em Vitória, o Eustáquio
Palhares um dia foi na casa do João Madureira, e na volta ele falou: “Mansur, agora eu
sei de que fonte você bebe”. Era realmente uma fonte de sabedoria.
Paulo Fabris: Para o Senhor o que sobressai, o que se destaca ao longo se sua
passagem pela Casa do Estudante?
Ronald Mansur: O mais marcante foi a solidariedade e o convívio que nós tivemos,
coisa que permanece até hoje, e essa convivência abriu a cabeça das pessoas que
estavam envolvidas. Infelizmente foram poucos que freqüentaram a Casa do Estudante,
porque lá não tinha a massa estudantil.
Paulo Fabris: O Senhor credita essa fase da política estudantil de pouco atividade
à incapacidade das lideranças de aglutinarem o conjunto dos estudantes ou à forte
repressão instaurada no país pelo regime militar?
Ronald Mansur: Era um conjunto, por um lado a repressão que vinha apertando, como
já vinha acontecendo vários episódios no Rio de Janeiro, e também a uma inépcia nossa,
havia mais vontade que capacidade. Como eram todos jovens que buscavam definir o
centro ideológico, você não trabalha para juntar gente. Isso na verdade é uma coisa
muita mais complexa, pois envolve também uma mudança na economia que estava
passando de rural para a urbana, nos meios de comunicação, mas quando você está no
meio desse turbilhão não dá para perceber isso.
Paulo Fabris: Para o Senhor a Casa do Estudante contribuiu efetivamente na
formação de alguns intelectuais cachoeirenses, visto que por lá passaram vários
jornalistas, juristas, professores?
Ronald Mansur: Lógico, ela teve um papel importante, mas durante minha passagem
por lá o grupo era pequeno em relação as necessidades. Acho que nesse período, quando
Valadão foi presidente, quando o regime afunilou mesmo, houve um gargalo, menos
pessoas participaram. Mais à frente, quando Deusdetinho foi presidente, a participação
foi maior, mas depois voltou a minguar.
Paulo Fabris: Ao longo de sua atuação na CECI, quais lideranças estudantis o
Senhor destaca como as mais atuantes?
Ronald Mansur: A grande liderança era Valadão, um grande companheiro, solidário,
ele foi sem dúvida a maior liderança desse período, e se você olhar a história da Casa do
Estudante foi ele quem chegou mais longe no panorama político.
Paulo Fabris: Como o Senhor acha que é o sentimento da população de Cachoeiro
em relação à Casa do Estudante?
Ronald Mansur: Eu não tenho uma opinião formada sobre isso, mas a CECI emitia a
carteirinha de estudante que era usada para pagar meia entrada no cinema, lutou pelo
passe escolar, então aí ela tem um peso. Eu não sei qualificar ou quantificar que
tamanho é esse sentimento da população em relação à CECI, mas essas iniciativas
representaram um alivio no bolso de muitas famílias. Lógico que antes de nosso período
houve muita movimentação e uma grande efervescência, tanto é que o tal documento
que gerou nossa intimação para depor na Polícia Federal era de coisas anteriores a 1964,
época em que havia uma participação política na sociedade. Com o golpe de 1964 a
situação começou a mudar. Em 1968 e 1969, quando passei pela Casa do Estudante já
estava no processo de fechar a torneira, e o foco deixou de ser o movimento estudantil e
passou para outras questões, e isso aconteceu no Brasil todo.
Paulo Fabris: Há algum outro registro que o Senhor gostaria de fazer a respeito do
movimento estudantil em Cachoeiro?
Ronald Mansur: Eu acho que o que nós estamos fazendo hoje, falando para você, a
gente poderia ter feito isso lá atrás. Mas certas coisas só vem com o tempo, com a
maturidade, quando você passa a valorizar a história, quando você deixa o sectarismo de
lado, e isso deveria ter acontecido lá atrás. Quem deve contar a história é quem viveu a
história e quem tem uma afinidade com ela, porque senão outras pessoas é que vão
contar a história para gente. A gente vê Cachoeiro perdendo importância econômica e
política, passando para Vitória, mas foi um centro importante que foi diminuindo seu
peso. O período que passei em Cachoeiro foi muito importante em termos de
convivência com os companheiros que estavam lá. Poderiam acontecer coisas bem
piores naquela época, mas violentas, pois algumas vezes chegamos a ser desafiadores.
Muitas das lideranças políticas daquela época são as mesmas de hoje, só que elas
possuem o poder, não houve renovação e a cidade continuou a mesma. O que nós
fizemos naquela época poderia ter feito com mais abrangência. Acontece que a
repressão era uma coisa nova na nossa realidade política. Era aquilo que o ministro da
educação da França comentou com José Carlos, de que enquanto no Brasil os meios de
comunicação passam a ser o “ministro da educação” não há alternativa para o país, pois
não há efetivamente uma política educacional Nós não temos memória, o que você está
fazendo nós deveríamos ter feito lá atrás, porque não tínhamos informação, ou seja,
éramos uns aventureiros, nós estávamos falando para meia dúzia que eram definidos
ideologicamente. A CECI iniciou como um movimento de Igreja, depois é que se define
ideologicamente mais à esquerda.
Paulo Fabris: Obrigado.
i Este trabalho foi realizado dentro do programa da Lei Rubem Braga da Prefeitura de Cachoeiro de
Itapemirim com o apoio da UNIMED.
Como citar esta entrevista:
MANSUR, Ronald. Memória do Movimento Estudantil Cachoeirense: a Casa do Estudante (década de
1950-1960). Entrevista concedida à Paulo Fabris, Vitória 16 Set. 2009
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