ONU tem planos para limpar matriz energética do planeta até 2030, reduzindo drasticamente emissões de CO². Que falta: dinheiro ou nova democracia?
Um estudo divulgado no último domingo, pelo caderno de Mudanças Climáticas da respeitada revista científica Nature, convida a explorar, criticamente, as supostas dificuldades para alterar a matriz energética do planeta, substituindo petróleo por fontes limpas. O trabalho sugere: são falsas as alegações segundo as quais esta mudança exigiria um esforço financeiro incomum das sociedades. A transição requer, de fato, investimentos. Mas eles são cerca de quinze vezes menores que os subsídios hoje concedidos, de modo quase invisível, aos combustíveis fósseis.
O artigo publicado por Nature foi produzido por Joeri Roveli, climatologista do Instituto para Ciências da Atmosfera e do Clima de Zurique. Seu objeto de estudo é o programa Energia Sustentável para Todos (SE4All, em inglês), lançado pela Assembleia Geral da ONU em 2009 — sem nenhum destaque na mídia mundial. Disponível na revista apenas sob pagamento, o texto foi resenhado pela Agência IPS – que também entrevistou o autor. Suas conclusões são notáveis. Roveli constata que, caso corretamente implementado, o SE4All será capaz de assegurar a execução, até 2030, de dois objetivos essenciais, para um futuro mais justo e sustentável.
Por meio do aproveitamento de fontes como o ventos, o sol, a geotermia e a água, será possível reduzir as emissões de CO² das atuais 52 gigatoneladas (bilhões de toneladas) atuais para 41 gigatoneladas, em dezoito anos. É, segundo a maior parte dos cálculos, a redução necessária para que a temperatura média do planeta eleve-se em, no máximo 2ºC, ao longo deste século. Mas há outra vantagem, igualmente crucial.
Ao contrário de muitos outros projetos, o SE4All busca, ao mesmo tempo, sustentabilidade ambiental e condições de vida dignas para todos os seres humanos. Por isso, reconhece a importância de ampliar a geração de energia. “Quase três bilhões de pessoas ainda usam fogo para cozinhar e se aquecer. Destas, 1,5 bilhões [um em cada cinco seres humanos] não têm nenhum acesso à eletricidade. E 1 bilhão tem acesso esporádico e inconfiável”. É difícil imaginar, para quem vive nas grandes metrópoles, mas cerca de um, em cada três habitantes do planeta, não sabe se poderá acender uma lâmpada esta noite.
A relevância do SE4All está em identificar alternativas para integrar 2,5 bilhões de pessoas assegurando, ao mesmo tempo, a redução das emissões de CO². Para tanto, não é preciso nenhuma obra faraônica. Em apenas 15% a 20% dos casos, afirma o climatologista Roveli, será preciso integrar os sem-eletricidade às redes de distribuição existentes. Em todas as outras situações basta, num primeiro momento, financiar aparatos locais de geração de eletricidade — solares, eólicos, em pequenas hidrelétricas. Além de assegurar condições mínimas de conforto, isso evitará 2 milhões(!) de mortes prematuras por ano, causadas pela poluição doméstica resultante da queima de lenha, carvão e esterco.
Tudo isso exige investimentos públicos relevantes? Certamente, diz o programa da ONU. O SE4All custaria globalmente, a cada ano, cerca 30 e 40 bilhões de dólares — aproximadamente 150% do que o Brasil investirá em todas as obras (estádios, aeroportos, mobilidade urbana) previstas para a Copa 2004. É, infelizmente, muito, num planeta que não globaliza a democracia, os direitos sociais ou os serviços públicos — e destina às Nações Unidas apenas 5,15 bilhões de dólares ao ano — algo como o Orçamento de uma cidade como Belo Horizonte…
Mas é uma ninharia, diante de gastos que se tornaram “naturais” e, portanto, invisíveis. O texto da IPS revela que, segundo a própria Agência Internacional de Energia, omundo subsidia a produção e consumo e de combustíveis fósseis em U$ 523 bilhões anuais. É o que as sociedades pagam, por exemplo, para tornar mais baratos a gasolina do seu automóvel e o óleo combustível das indústrias; ou para tratar as doenças provocadas por estes mesmos produtos.
Mudar a matriz energética, e garantir vida materialmente digna a 2,5 bilhões de pessoas, custaria, portanto, quinze vezes menos que envenenar o planeta. Vale ter este dado em mente, na próxima vez que você ouvir a velha ladaiinha segundo a qual as energias limpas são, ainda, “inviáveis.
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