quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

O partido de Marina Silva em oito (curtos) parágrafos


Não é fácil compreender a essência das propostas do recém-anunciado Rede de Sustentabilidade. O “partido que não é partido”, da ex-senadora Marina Silva e dona de quase 20 milhões de votos nas últimas eleições para a presidência da República, é atravessado por flacidez argumentativa.

Moriti Neto

Durante o último Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira, dia 18, em que este colunista do NR esteve presente na bancada de tuiteiros, a nova querida da mídia tradicional mostrou que, além da busca por uma agremiação, tenta encaixar um discurso de pura espuma.

Discurso, aliás, que ficou ainda mais na superfície com a ausência do debate sobre a visão de Marina a respeito dos direitos civis e a hipócrita ideia de plebiscitar – caso seja eleita presidente – questões como descriminalização do aborto, da maconha, e reconhecimento do casamento gay, sabendo antecipadamente que elas sairiam derrotadas pelo conservadorismo da maioria. Isso, sem mencionar a postura a favor do ensino religioso na escola pública.

Alguns conceitos encerrados em frases como “nossa Rede vem para trazer protagonismo aos diversos setores da sociedade, algo que as siglas atuais não atendem” e “não somos nem de esquerda nem de direita, estamos a frente, somos pela sustentabilidade”, soam rasos vindo de alguém com a bagagem intelectual e política de Marina.

Sobre protagonismo e sustentabilidade, são muito mais slogans de campanha do que propriamente propostas. Como falar em formação de protagonismo político sem clareza de quem é a base social do tal Rede? Aliás, a líder do projeto chega, de forma generalizante, a afirmar que o formato da sigla permitiria que empresários e trabalhadores, entre outras categorias de atores pouco claras, lutem por uma causa. Daí entra em cena a ideia simplista de sustentabilidade. Seria ela a linha condutora, a causa comum entre classes distintas. De novo, o palavrório aponta para um conceito de rede capaz de envolver diversos grupos em torno da defesa do desenvolvimento sustentável. Porém, o que é sustentabilidade para o pobre? E para o rico? Como encara a ideia um megaempresário do agronegócio? E um índio?

Nesse raciocínio, se apresenta a parte que julgo mais preocupante por trás de seu discurso e dos “sonháticos da nova política”: é que jogar na vala comum as definições de esquerda e direita, como se a responsabilidade sobre alianças que buscam a governabilidade fossem apenas opções partidárias, enfraquece o debate necessário quanto a validade do nosso sistema de democracia representativa, construído pela e para a elite, gerador de grandes desequilíbrios na representatividade proporcional da sociedade.

O argumento de nem esquerda nem direita esvazia o debate, desideologiza, e deveria causar arrepios em quem se diz progressista. Nos anos 1990, a estratégia de radicalização da receita neoliberal passava justamente por colocar a ideologia a escanteio e reduzir as disputas políticas a critérios de avaliação dos “melhores gerentes”. Foi um momento de pobreza intelectual que paralisou movimentos sociais e diminuiu espaços para conquistas populares.

Com um emaranhado de frases de efeito, como “quero democratizar a democracia” (???), Marina Silva, até agora, diz mais do mesmo conteúdo em nova embalagem. E o pior: o tom de que nenhum partido existente serve à construção de seus projetos e que o Rede de Sustentabilidade é o paraíso dos puros de coração, a arremessa ao salvacionismo, que serve, historicamente, aos interesses de grupos reacionários.

Moriti Neto, jornalista, mantém a coluna mensal Escarafunchar.

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