O governo vai em romaria aos grandes centros financeiros mundiais para atrair investidores interessados em construir ferrovias, estradas, portos e aeroportos no país.
Não é um passeio. Pode ser uma cartada decisiva.
A continuidade do desenvolvimento requer algo em torno de R$ 500 bilhões em investimentos para dilatar a fronteira logística de um sistema econômico originalmente projetado para servir a 30% da sociedade.
O Brasil corre contra o tempo, mas o momento é favorável.
O governo oferece projetos de concessão pré-esquadrejados pelo Estado.
O interesse público define as prioridades , prazos, qualidade do serviço e taxas de retorno – atraentes, diga-se, de até 15% ao ano.
Num mundo estagnado pela desordem neoliberal, com juro negativo e dinheiro embolorando no caixa das corporações, pode dar certo.
Mas a romaria que começa nesta sexta-feira não visa apenas o capital externo.
Na verdade, destina-se também a desfechar um safanão no rentismo local.
Em 2012 ele já fora abalroado por um corte de 5,5 pontos na taxa da Selic.
Dilma roçou baixo o pasto gordo da renda fixa, livre, leve e líquida propiciada pelos títulos públicos.
Ainda assim a manada hesita.
Resiste em migrar dos piquetes de engorda de curto prazo para canteiros de obras de longo curso.Mesmo com taxas de retorno maiores que a do juro real da dívida pública.
A relutância não é totalmente espontânea.
Anima-a a lira musical conservadora que sassarica dando voltas no salão, a embalar expectativas de que o Brasil de Dilma vai acabar na próxima curva.
A estratégia tem lógica.
Trata-se de engessar a economia em um imenso gargalo de infraestrutura, capaz de emprestar alguma relevância ao discurso do senhor Neves, em 2014.
O governo tenta contornar a arapuca trazendo a concorrência do investidor estrangeiro para atiçar o investimeto local.
Mas não é o único obstáculo que enfrenta.
O país que pretende construir 10 mil kms de ferrovias nos próximos anos não dispõe de uma única fábrica de trilhos para atender a demanda prevista.
O colapso dos trilhos, curiosamente, não integra os hits da lira musical conservadora.
De todos os colapsos alardeados pelas manchetes nos últimos meses, o dos trilhos é o mais palpável.
Não como ameaça.
É a realidade palpitante dos dias que correm.
Um trecho de 600 km da Ferrovia Norte-Sul, que ligará as cidades de Ouro Verde (GO) e Estrela D"Oeste, em São Paulo, em construção pela Valec, está com as obras prestes a parar.
Por falta de trilhos, informa o insuspeito jornal Valor Econômico.
Que a fuzilaria midiática não se debruce sobre esse férreo gargalo causa espécie.
O Brasil, ao lado da Austrália, é o maior exportador de minério de ferro do mundo.
Não qualquer minério.
A mina de Carajás, no Pará, concentra a maior reserva de ferro de alto teor do planeta. Bom para fazer o aço requerido por uma laminadora de trilho.
Trata-se de uma reserva nuclear rodeada por um imenso estoque de manganês, além de ouro, dez jazidas de cobre e quatro de níquel.
Carajás, que fica próximo a Serra Pelada, tem fôlego para cerca de quatro séculos de exploração.
O paradoxo não fica nisso.
A China compra 70% do minério de ferro embarcado pelo Brasil.
E o país importa da China cada centímetro de trilho de aço de que necessita.
Quando há problema com as importações, como agora no caso da Valec, o comboio descarrila.
Como entender que o senhor Neves, seus padrinhos de partido e os embarcados da mídia não explorem um desconcerto como esse que grita ao sol do meio dia?
Uma rápida recapitulação ajuda a entender o paradoxo dentro do paradoxo.
A Vale do Rio Doce, detentora da jazida de Carajás, foi privatizada por R$ 3,3 bilhões, em 1997 no governo FHC --com o empenho firme de Serra, gosta de contar o ex-presidente tucano.
Um trimestre padrão de lucro da empresa pagaria o valor atualizado da transação.
A Vale exporta, em média, uns US$ 25 bi ao ano em minério de ferro bruto.
Fundamentalmente para a China, no valor médio de US$ 130 a tonelada.
O Brasil importou, só em um edital de compras, em 2010, para citar um exemplo, 244,6 mil toneladas de trilhos.
Fundamentalmente da China e secundariamente do leste europeu.
Preço médio: US$ 864 a tonelada.
Quase sete vezes o valor do minério bruto embarcado.
Durante seus dois governos, Lula insistiu inúmeras vezes, em público e em encontros privados, para que a Vale investisse em siderurgia e beneficiasse o minério brasileiro.
Transformando-o em trilhos.
Seus apelos foram recebidos com estupefação pela mídia sempre ciosa dos interesses superiores dos acionistas, em relação às necessidades secundárias do país.
E tratados com senhorial indiferença pelo presidente executivo da Vale, o tucano Roger Agnelli, que dirigiu a empresa de 2001 a 2011, por indicação dos acionistas privados, conforme reza o esperto escopo da privatização.
Uma laminadora de trilhos adquire escala econômica a partir de 500 mil toneladas ano de produção.
A demanda do país chegou a 496 mil toneladas em 2010 .
Ou seja, antes de deflagrar os planos que agora projetam o maior investimento ferroviário dos últimos 40 anos.
O Brasil nem sempre foi assim tão paradoxal.
Foi preciso empenho para chegar onde chegamos.
Em 1996, um ano antes de privatizar a Vale do Rio Doce , o governo Fernando Henrique Cardoso desativou também o laminador de produção de trilhos da Companhia Siderúrgica Nacional.
A CSN criada por Vargas.
O tucano que prometeu enterrar o ciclo Vargas fez barba e bigode.
Entregou o minério bruto.
E inviabilizou a agregação de valor local.
Não foi um plano demoníaco.
Foi a pacífica convicção anti-desenvolvimetista na complementariedade dos livres mercados.
Movida por uma fé esférica nas vantagens comparativas 'naturais' --que a história não tem direito de contrariar, como Vargas o fez.
Ao mandar Vargas e o desenvovimentismo às favas, o ciclo tucano definiu que cabe ao Brasil fazer o que sabe melhor: raspar Carajás até o fundo do tacho.
Abastecer o mundo.
E importar o que for preciso.
Acionistas da Vale nunca reclamaram dessa lógica.
Nem a mídia que agora fuzila a Petrobrás, pelos índices de nacionalização impostos às encomendas de equipamentos.
Nem o colunismo que ecoa a 'pátria dos acionistas', inconformado com o desvio de dividendos da estatal para a 'irrealista' meta de construir quatro refinarias --e ainda por cima, uma delas com a Venezuela-- que agreguem valor ao pré-sal.
Enquanto comandou a Vale, com a cobertura dos acionistas privados, da mídia amiga e dos tucanos, Roger Agnelli jamais permitiu tamanho disparate.
Foi assim que seu nome foi alçado à galeria dos melhores CEOs do planeta.
O seleto grupo de ‘matadores’ de um capitalismo reflexo, rapinoso e imediatista, em que as coisas dão certo quando tudo dá certo.
Quando dá errado, como na crise de 2008, a Vale, de Agnelli, foi a primeira empresa brasileira a baixar o porrete grosso: demitiu 1.300 operários numa tacada.
A Petrobrás não demitiu ninguém. E engoliu um congelamento estratégico do preço da gasolina, martelado como escândalo pelo jornalismo especializado no direito dos acionistas graúdos.
O herói pró-cíclico consagrou-se assim.
Esburacando o país para saciar a fome das siderúrgicas internacionais.
Graças a sua resistência, a obra tucana de privatizar o subsolo e esfarelar a superfície industrial manteve-se intacta por uma década.
Um ciclo de fastígio da república dos dividendos.
Hoje o Brasil é um paradoxo mineral: exporta ferro e vive sob a ameaça de um colapso na oferta de trilhos.
O governo do PT teve tempo.
Poderia ter montado uma laminadora estatal de trilhos, por exemplo. Por que não o fez?
O governo errou.
Mas a mesma mídia que agora retrucará assim – não sem razão – seria a primeira a disparar alarmes e sinalizadores contra 'o estatismo ineficiente e empreguista' do PT.
Ou não é exatamente como agem hoje em relação à Petrobrás e ao pré-sal?
FHC reclama que Dilma cospe no prato fino que os seus oito anos de governo legaram ao país.
O colapso dos trilhos revela a ponta da gororoba, o imenso angu de caroço acumulado sob a película do caviar.
Não é um passeio. Pode ser uma cartada decisiva.
A continuidade do desenvolvimento requer algo em torno de R$ 500 bilhões em investimentos para dilatar a fronteira logística de um sistema econômico originalmente projetado para servir a 30% da sociedade.
O Brasil corre contra o tempo, mas o momento é favorável.
O governo oferece projetos de concessão pré-esquadrejados pelo Estado.
O interesse público define as prioridades , prazos, qualidade do serviço e taxas de retorno – atraentes, diga-se, de até 15% ao ano.
Num mundo estagnado pela desordem neoliberal, com juro negativo e dinheiro embolorando no caixa das corporações, pode dar certo.
Mas a romaria que começa nesta sexta-feira não visa apenas o capital externo.
Na verdade, destina-se também a desfechar um safanão no rentismo local.
Em 2012 ele já fora abalroado por um corte de 5,5 pontos na taxa da Selic.
Dilma roçou baixo o pasto gordo da renda fixa, livre, leve e líquida propiciada pelos títulos públicos.
Ainda assim a manada hesita.
Resiste em migrar dos piquetes de engorda de curto prazo para canteiros de obras de longo curso.Mesmo com taxas de retorno maiores que a do juro real da dívida pública.
A relutância não é totalmente espontânea.
Anima-a a lira musical conservadora que sassarica dando voltas no salão, a embalar expectativas de que o Brasil de Dilma vai acabar na próxima curva.
A estratégia tem lógica.
Trata-se de engessar a economia em um imenso gargalo de infraestrutura, capaz de emprestar alguma relevância ao discurso do senhor Neves, em 2014.
O governo tenta contornar a arapuca trazendo a concorrência do investidor estrangeiro para atiçar o investimeto local.
Mas não é o único obstáculo que enfrenta.
O país que pretende construir 10 mil kms de ferrovias nos próximos anos não dispõe de uma única fábrica de trilhos para atender a demanda prevista.
O colapso dos trilhos, curiosamente, não integra os hits da lira musical conservadora.
De todos os colapsos alardeados pelas manchetes nos últimos meses, o dos trilhos é o mais palpável.
Não como ameaça.
É a realidade palpitante dos dias que correm.
Um trecho de 600 km da Ferrovia Norte-Sul, que ligará as cidades de Ouro Verde (GO) e Estrela D"Oeste, em São Paulo, em construção pela Valec, está com as obras prestes a parar.
Por falta de trilhos, informa o insuspeito jornal Valor Econômico.
Que a fuzilaria midiática não se debruce sobre esse férreo gargalo causa espécie.
O Brasil, ao lado da Austrália, é o maior exportador de minério de ferro do mundo.
Não qualquer minério.
A mina de Carajás, no Pará, concentra a maior reserva de ferro de alto teor do planeta. Bom para fazer o aço requerido por uma laminadora de trilho.
Trata-se de uma reserva nuclear rodeada por um imenso estoque de manganês, além de ouro, dez jazidas de cobre e quatro de níquel.
Carajás, que fica próximo a Serra Pelada, tem fôlego para cerca de quatro séculos de exploração.
O paradoxo não fica nisso.
A China compra 70% do minério de ferro embarcado pelo Brasil.
E o país importa da China cada centímetro de trilho de aço de que necessita.
Quando há problema com as importações, como agora no caso da Valec, o comboio descarrila.
Como entender que o senhor Neves, seus padrinhos de partido e os embarcados da mídia não explorem um desconcerto como esse que grita ao sol do meio dia?
Uma rápida recapitulação ajuda a entender o paradoxo dentro do paradoxo.
A Vale do Rio Doce, detentora da jazida de Carajás, foi privatizada por R$ 3,3 bilhões, em 1997 no governo FHC --com o empenho firme de Serra, gosta de contar o ex-presidente tucano.
Um trimestre padrão de lucro da empresa pagaria o valor atualizado da transação.
A Vale exporta, em média, uns US$ 25 bi ao ano em minério de ferro bruto.
Fundamentalmente para a China, no valor médio de US$ 130 a tonelada.
O Brasil importou, só em um edital de compras, em 2010, para citar um exemplo, 244,6 mil toneladas de trilhos.
Fundamentalmente da China e secundariamente do leste europeu.
Preço médio: US$ 864 a tonelada.
Quase sete vezes o valor do minério bruto embarcado.
Durante seus dois governos, Lula insistiu inúmeras vezes, em público e em encontros privados, para que a Vale investisse em siderurgia e beneficiasse o minério brasileiro.
Transformando-o em trilhos.
Seus apelos foram recebidos com estupefação pela mídia sempre ciosa dos interesses superiores dos acionistas, em relação às necessidades secundárias do país.
E tratados com senhorial indiferença pelo presidente executivo da Vale, o tucano Roger Agnelli, que dirigiu a empresa de 2001 a 2011, por indicação dos acionistas privados, conforme reza o esperto escopo da privatização.
Uma laminadora de trilhos adquire escala econômica a partir de 500 mil toneladas ano de produção.
A demanda do país chegou a 496 mil toneladas em 2010 .
Ou seja, antes de deflagrar os planos que agora projetam o maior investimento ferroviário dos últimos 40 anos.
O Brasil nem sempre foi assim tão paradoxal.
Foi preciso empenho para chegar onde chegamos.
Em 1996, um ano antes de privatizar a Vale do Rio Doce , o governo Fernando Henrique Cardoso desativou também o laminador de produção de trilhos da Companhia Siderúrgica Nacional.
A CSN criada por Vargas.
O tucano que prometeu enterrar o ciclo Vargas fez barba e bigode.
Entregou o minério bruto.
E inviabilizou a agregação de valor local.
Não foi um plano demoníaco.
Foi a pacífica convicção anti-desenvolvimetista na complementariedade dos livres mercados.
Movida por uma fé esférica nas vantagens comparativas 'naturais' --que a história não tem direito de contrariar, como Vargas o fez.
Ao mandar Vargas e o desenvovimentismo às favas, o ciclo tucano definiu que cabe ao Brasil fazer o que sabe melhor: raspar Carajás até o fundo do tacho.
Abastecer o mundo.
E importar o que for preciso.
Acionistas da Vale nunca reclamaram dessa lógica.
Nem a mídia que agora fuzila a Petrobrás, pelos índices de nacionalização impostos às encomendas de equipamentos.
Nem o colunismo que ecoa a 'pátria dos acionistas', inconformado com o desvio de dividendos da estatal para a 'irrealista' meta de construir quatro refinarias --e ainda por cima, uma delas com a Venezuela-- que agreguem valor ao pré-sal.
Enquanto comandou a Vale, com a cobertura dos acionistas privados, da mídia amiga e dos tucanos, Roger Agnelli jamais permitiu tamanho disparate.
Foi assim que seu nome foi alçado à galeria dos melhores CEOs do planeta.
O seleto grupo de ‘matadores’ de um capitalismo reflexo, rapinoso e imediatista, em que as coisas dão certo quando tudo dá certo.
Quando dá errado, como na crise de 2008, a Vale, de Agnelli, foi a primeira empresa brasileira a baixar o porrete grosso: demitiu 1.300 operários numa tacada.
A Petrobrás não demitiu ninguém. E engoliu um congelamento estratégico do preço da gasolina, martelado como escândalo pelo jornalismo especializado no direito dos acionistas graúdos.
O herói pró-cíclico consagrou-se assim.
Esburacando o país para saciar a fome das siderúrgicas internacionais.
Graças a sua resistência, a obra tucana de privatizar o subsolo e esfarelar a superfície industrial manteve-se intacta por uma década.
Um ciclo de fastígio da república dos dividendos.
Hoje o Brasil é um paradoxo mineral: exporta ferro e vive sob a ameaça de um colapso na oferta de trilhos.
O governo do PT teve tempo.
Poderia ter montado uma laminadora estatal de trilhos, por exemplo. Por que não o fez?
O governo errou.
Mas a mesma mídia que agora retrucará assim – não sem razão – seria a primeira a disparar alarmes e sinalizadores contra 'o estatismo ineficiente e empreguista' do PT.
Ou não é exatamente como agem hoje em relação à Petrobrás e ao pré-sal?
FHC reclama que Dilma cospe no prato fino que os seus oito anos de governo legaram ao país.
O colapso dos trilhos revela a ponta da gororoba, o imenso angu de caroço acumulado sob a película do caviar.
Postado por Saul Leblon às 05:28
Nenhum comentário:
Postar um comentário