sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O luxo, os ricos e os piratas que me assaltaram


Nos próximos cinco anos, o número de milionários brasileiros vai crescer de 225 mil para 270 mil, segundo um relatório do Crédito Suisse. Dá menos de 0,2% da população. Faz parte do crescimento econômico, diriam alguns. Mas vamos aos piratas. Enquanto o comércio bate recorde, e o mundo não acabou, estou me preparando para encarar o Procon, na véspera do Natal.

Este texto era apenas mais um balanço do crescimento do consumo no Brasil e no mundo, uma velha consequência da época – a cristandade totalmente impregnada de mercadorias. Particularmente, coleciono notícias sobre o luxo, em suas várias categorias – joias, acessórios, cosméticos-, que geram um faturamento superior a 200 bilhões de euros. Se contarmos carros, hotéis, imóveis e móveis, a cifra atinge mais de 750 bilhões de euros, conforme os números da consultoria internacional Bain & Co, especializada no assunto. O Brasil só tem 1,3% do mercado. 

Como não poderia deixar de ser, um em quatro clientes de luxo está na China, onde marcas como Louis Vuitton têm 41 lojas, a Gucci 39 e a Hèmes 20, a nata da elite francesa. O ritmo de crescimento do setor continua acima de 10%. O Brasil já é o terceiro mercado em cosméticos do mundo, colado no Japão, com 10,1% do mercado. É o segundo em número de aeronaves executivas, com mais de 13 mil aparelhos, superado apenas pelos Estados Unidos. Aqui entre 150 e 200 aeronaves entram em operação anualmente. Nos últimos cinco anos, cerca de 1.774 empresários ou milionários adquiriram esses “brinquedos”, como diz uma colunista do luxo, de um grande veículo brasileiro.

Também nos próximos cinco anos, o número de milionários brasileiros vai crescer de 225 mil para 270 mil, segundo um relatório do Crédito Suisse. Fiz um cálculo dá menos de 0,2% da população. Faz parte do crescimento econômico, diriam alguns. Mas vamos aos piratas. No meio do caminho fui assaltado, roubaram meu sinal na internet (3G), um caso que já enjoei de relatar e protestar contra a operadora do sistema, por sinal, a maior do Brasil. Pensei nos piratas porque acho que eles incorporaram a velha saga antiga, em razão da dívida da empresa holding, que na Europa atingiu 58 bilhões de euros, para um valor de mercado calculado em 40 bilhões de euros. A diretoria da referida operadora, transferiu seu comando para a cidade de São Paulo, onde administrará seus negócios na América Latina.

No ano que vem dividirão a empresa e buscarão recursos nas Bolsas de Valores, talvez vendendo 15% das ações no mercado. Talvez aí consigam recursos suficientes para fazer a manutenção nas antenas, que distribuem o sinal. Para desgraça geral, depois de quase 10 dias sem internet no bairro, também sumiram com o sinal do telefone celular. Como diz um velho ditado popular “desgraça pouca é bobagem”. Entretanto, não morrerei apenas porque um pirata vivo e reincorporado decidiu me desmantelar.

Retomando o caso do luxo, que na raiz da palavra, significa excesso, era usada na zona rural, muito antigamente. Depois virou sinal de luxúria, luxuriante, exclusivo, coisa de rico e burguês. Vou citar um comentário do economista Márcio Pochmann, a respeito do livro de Thorstein Veblen – A Teoria da Classe Ociosa:

- O padrão de consumo ostentatório das camadas ricas da população não resulta da busca ao atendimento das necessidades materiais da existência humana, mas no interesse de se diferenciar dos demais. A rivalidade ostentatória revela o desejo dos ricos de serem reconhecidos como melhores do que os outros, e por conta disso, o consumo ostentatório se expressa insaciável, gerando necessidades materiais indefinidas e resultando em referência cultural a ser imitada pelo restante da população”.

A coordenadora acadêmica da área de marketing da ESPM, Daniela Khanaja, é mais direta no assunto: 

“- Todos buscam a personalização, porque aeronaves e embarcações são símbolos de status, a gente mede quanto uma pessoa tem de dinheiro pelo tamanho do barco ou avião”.

Caso típico brasileiro: o jato de Eike Batista e de Roberto Irineu Marinho, cada um com um, é da marca G550 da Gulfstream e custa US$60 milhões, têm dois motores Rolls Royce, autonomia de voo para 12.500 km e capacidade para 18 passageiros. O iate de Eike é um Ferreti, italiano, custa US$30 milhões. Gosto pessoal. Já um dos sócios do BTG Pactual, André Esteves, prefere um jato da Dessaut, francesa, o Falcon 7X, equipado com três motores, capaz de fazer o voo direto SP-Paris, custa US$50 milhões.

A dermatologista e empresária, Lígia Kogos, vende uma linha exclusiva de cosméticos, tem uma outra definição interessante: 

“- Luxo para a classe AAA é aquilo que apenas um pequeno grupo conhece e possui. Quando o produto se torna acessível à classe média, não será considerado mais luxo. Eles querem o raro, o altamente exclusivo, o tradicional, o improvável, e é claro, o caríssimo. Já para a classe média luxo é adquirir um creme usado por uma artista de cinema”.

Como poderia explicar estas diferenças para as minhas vizinhas aqui no bairro Cascata, em Porto Alegre, uma das poucas áreas verdes da cidade, que compram bolsas piratas com um grande logotipo dourado com as letras LV. Uma vendedora fez o seguinte comentário, num bairro de classe média gaúcha, na esquina, vendendo bolsas piratas de grife a preço de R$130:

“- É caro, porque a cópia é original, é perfeita”.

E lá vão elas desfilando suas bolsas, num “ buzun” lotado, de manhã cedo.

Mas este é um aspecto, vamos dizer, do capitalismo esclerosado dos nossos tempos. O outro é a tal da sustentabilidade. Como ter luxo para as grandes massas? Por que precisamos de marcas de luxo? É evidente que a maioria nunca chegará ao estágio do luxo. No meio do caminho temos a grande maioria da população mundial, local, que no máximo, compra uma cópia, ou se endivida nas casas do varejo. Ainda é baixo o endividamento no Brasil, não chega a 50% do PIB, se compararmos com os americanos de quase 100% e mais de 13 trilhões de dólares em dívidas de hipoteca e cartão de crédito.

O problema é o chamariz, o atrativo, a história de um puxa o outro. O “eu mereço” se popularizar a qualquer custo. E aí entramos no X da questão. Na metade do ano, anotei algumas informações de um relato da Bloom Berg. Uma série de entrevistas que eles fizeram com operadores e ex-operadores de Wall Street. Trata-se de um setor que hoje está escancarado na boca do povo, onde executivos e administradores ganham fortunas rapidamente.

“- Não há sensualidade, não há diversão, não há inquietação intelectual”, diz Ethan Garber, que administrou carteiras de arbitragem de crédito para o Credit Suisse.

- O risco que me atraiu para Wall Street era o ritmo febril das transações, conseguia faturar milhões em um único mês. Cheguei a atirar um telefone contra a parede para fechar um negócio, diz George, operador do Deutsche Bank.

“- Você podia ser um operador de vinte e poucos anos, três anos depois de formado, e conseguir ir a qualquer restaurante, clube ou jogo na noite que quisesse, com todas as despesas pagas. Era uma tremenda sensação de poder”, diz Sam Polk, de 32 anos, negociava derivativos de crédito para o Bank of. America, até 2010.

“- Você não vai conseguir atrair o mesmo tipo de pessoa criativa, que tenta desenvolver novas estratégias num ambiente em que a inovação é desencorajadora”, comenta Robert Jones, ex-funcionário do Goldman Sachs.

O economista francês, Daniel Cohen registrou a sua análise em um livro chamado “A prosperidade do vício”, onde cita dados do Financial Time, que nos três anos depois de 2008, os rendimentos dos dirigentes dos maiores estabelecimentos financeiros chegaram a quase US$100 bilhões e os prejuízos de US44 trilhões em vários países.

Um processo que iniciou na década de 1980, quando os dirigentes passaram a ganhar bônus e ações como pagamento e deixaram de ser assalariados. Sem contar a desregulamentação do setor financeiro, com a proliferação de bancos de investimento, fundos especulativos, fundos de investimento em participações, entre outras coisas.

“- As finanças de mercado concretizaram assim, a sua maneira, o novo sonho de Wall Street : criar empresas sem fábricas e sem trabalhadores...a mundialização do século XXI é aquela das tecnologias vindas do Vale do Silício, das regras de governança emanadas de Wall Street e dos filmes rodados em Hollywood”.

E que continua em vigor. Nos Estados Unidos os economistas Thomas Piketty e Emmanuel Saez, da Universidade de Berkeley, apresentaram dados atuais sobre a volta do crescimento da renda dos mais ricos do país, o chamado 1% da pirâmide. Entre 2007 e 2009, a renda dos 1,6 milhão de americanos ricos caiu de 23,5% para 18%. Mas em 2010 ela voltou a crescer para 19,8%. O motivo é simples. Eles pagam menos impostos, um processo acelerado na era Bush. Para corrigir as distorções eles sugerem que os ricos paguem alíquotas de 70 a 80%, e não a barbada de 35%.

Pelo mesmo motivo a receita italiana criou um programa para checar os dados dos contribuintes, conhecidos na Europa como grandes sonegadores – mais de 180 bilhões de euros. O programa vai comparar os imóveis e outros bens de contribuintes que declaram rendas de 50 mil euros por ano. O cara tem casa nos Alpes, uma Ferrari, um iate Ferreti e declara uma renda baixa. Já na França, o bilionário Bernard Arnaut, controlador das marcas de luxo, como a própria LV, vai adotar a cidadania belga, porque os franceses que ganham acima de um milhão de euros serão taxados com alíquotas de 75%.

Enquanto isso, brasileiros e latinos em geral, podem ficar descansados e continuar a maratona em Miami sem culpa. Em 2011, os latinos injetaram quase US$4 bilhões na economia da Flórida, US$2,6 bilhões apenas na economia de Miami. Foram mais de três milhões de visitantes. Os brasileiros continuam maioria: 635 mil, com gastos de US$1,3 bi. Em segundo lugar estão os argentinos, onde o governo briga por cada dólar mantido no país. Os 417.981 hermanos gastaram US$960 milhões. Depois seguem os colombianos e os venezuelanos.

Vejam o que diz ao The Wall Street o proprietário de uma grande construtora de Miami, Carlos Rosso :

“-Foram os moradores endinheirados da América Latina que abocanharam o estoque de imóveis abandonado pelos americanos após o estouro da bolha imobiliária. E, agora, estão financiando nossos novos projetos”.

Não podia acabar este texto, sem citar a nova tecnologia a disposição dos comerciantes de luxo e assemelhados. Trata-se do “Eyesee”, um manequim fabricado pela empresa italiana Almax e que custa US$4 mil. Ele tem uma câmera embutida em um dos olhos, com um software usado pela polícia, de reconhecimento facial, e registra o sexo, idade e a raça dos passantes. Diz o fabricante, que cinco grandes companhias da moda estão usando dúzias de manequim para registrar o comportamento de seus clientes. A Almax, por outro lado, segue desenvolvendo tecnologia para dar ouvidos aos manequins. Não é uma beleza, manequim espião.

É isso aí, enquanto o comércio bate recorde, e o mundo não acabou, estou me preparando para encarar o PROCON, na véspera do Natal. Gostaria de registrar que considero o sistema de atendimento dos piratas, algo equivalente ao excremento do cavalo do bandido em faroeste gringo de 15ª categoria.

(*) Najar Tubino é jornalista

Nenhum comentário:

Postar um comentário