DEBATE ABERTO
Polêmica a respeito do crescimento: investimento ou consumo?
As alternativas de correção de rumo para 2013 devem incorporar a ampliação da parcela de investimentos no PIB. Isso significa que o Estado deve retomar seu papel de vanguarda e de exemplo para que as decisões de ampliar a capacidade instalada sejam efetivas em nosso País.
Paulo Kliass
As páginas dos cadernos de economia dos grandes jornais e as publicações especializadas começam a centrar o debate a respeito das diferentes interpretações quanto aos números do crescimento do PIB brasileiro em 2012. Depois de apresentar taxas relativamente baixas no ano passado, as desculpas oficiais apresentadas referiam-se aos efeitos da crise econômica internacional e suas conseqüências sobre a economia dos países desenvolvidos. Em razão das dificuldades enfrentadas por Estados Unidos e Europa, a economia brasileira estaria sendo menos solicitada. Ao longo de 2011, nosso Produto cresceu apenas 2,7% em comparação com 2010. As esquivas da área econômica atribuíam tal fato às incertezas dos principais investidores mundo afora e suas decisões insuficientes de iniciar novos empreendimentos em nosso País.
Enquanto isso, a equipe econômica e a própria Presidenta se contentavam em apresentar dados a respeito do significativo crescimento do consumo.
Na busca desesperada por obter, e apresentar ao grande público, informações positivas quanto ao crescimento da nossa economia, o estímulo ao consumismo foi a tônica das decisões de política econômica. As metas de gerar crescimento, porém, previam a manutenção do modelo macroenômico essencial, com controle de inflação por meio de metas, a liberdade cambial e a geração de superávit primário. Mas com uma mudança significativa: a orientação para redução da taxa oficial de juros, a SELIC.
Resposta para uma economia que patina: estímulo ao consumo
À medida que os indicadores insistiam em apresentar baixa perspectiva de crescimento do PIB, as novidades anunciadas pelas autoridades foram sendo transformadas em uma espécie de “mesmice”: estímulo ao consumo, e mais consumo e ainda mais consumo. Para viabilizar tal alternativa, o governo tomou decisões pelo lado de estimular a capacidade de demanda e também pelo lado do aumento da oferta de bens e serviços de uma forma generalizada. As informações disponíveis revelam que a queda da taxa de juros do BACEN não foi acompanhada por uma redução da mesma magnitude na outra ponta. Bancos e instituições financeiras continuavam cobrando taxas elevadas dos tomadores de empréstimo, sejam empresas ou consumidores. Com isso, a demanda encontra algumas limitações para aumentar o consumo: a chamada “capacidade de endividamento” das famílias. Tal fenômeno se explica pelo excessivo impacto ainda causado pelas dívidas assumidas, apesar do efetivo crescimento dos rendimentos da população de baixa renda, tal como verificado ao longo da última década.
Pelo lado da oferta, o governo não cansou de apresentar medidas de redução de tributos de diversos tipos. Em primeiro lugar, estímulos para aumentar a produção de bens baseados na isenção de tributos federais, em especial o Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Veículos profissionais e automóveis de uso particular, produtos da linha branca (geladeiras, fogões e máquinas de lavar), atividades vinculadas à construção civil, entre outros, foram o carro chefe da tentativa de evitar a queda da atividade econômica nacional.
Isenção tributária: apenas estímulo às empresas e ao consumismo
Além disso, o governo cedeu a pressões antigas e pesadas do empresariado, retirando a contribuição devida sobre salários - uma das bases de sustentação das receitas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). A chamada “desoneração da folha de pagamentos” teve início como uma experiência localizada em alguns poucos setores, mas rapidamente se alastrou para mais de 40 setores de atividade. Esse seria também um mecanismo para aliviar os custos das empresas e estimular o aumento das operações da economia. Além de colocar em risco o equilíbrio do modelo previdenciário no longo prazo, a medida não tem implicado em redução de preços na ponta para os consumidores, Na verdade, em termos agregados, vai apenas propiciar a elevação da taxa de retorno das empresas, aumentando sua lucratividade privada às custas do rateio social. O impacto de menor receita orçamentária será coberto com recursos do Tesouro Nacional.
Ocorre que esse tipo de opção baseada apenas no consumo encontra obstáculo na própria estrutura social e econômica de nosso País. Os famílias e os indivíduos não trocam de carro a cada 6 meses – ainda bem! Tampouco compram novos produtos de linha branca com tal assiduidade. Assim, o reflexo positivo do estímulo ao consumo por meio da redução tributária encontra rapidamente seu ponto de saturação.
Investimento: uma necessidade deixada ao esquecimento
E aqui entram em campo analistas com uma avaliação um tanto mais realista a respeito da incapacidade do modelo lastreado apenas no consumismo de curto prazo em dar sustentação de médio e de longo prazos ao crescimento e ao desenvolvimento econômicos. Ao analisar os diferentes elementos componentes do crescimento do PIB, percebe-se que a performance do investimento está muito aquém do necessário para a economia e a sociedade brasileiras.
Apoiar o modelo de crescimento do PIB apenas no estímulo ao consumo revela-se como opção equivocada no curto prazo e inviável no longo prazo.
Essa dinâmica perversa torna-se ainda mais problemática em um contexto em que o modelo se assenta prioritariamente sobre o setor primário exportador. O principal motor de nossa economia ainda são as exportações do agronegócio, da mineração e do petróleo. Isso significa que realizamos um grande esforço nacional para exportar produtos de baixo valor agregado (pouca incorporação de capital, de mão-de-obra qualificada, de conhecimento e de tecnologia). E, ao mesmo tempo, desperdiçamos um volume significativo de recursos orçamentários, financeiros e monetários na importação de produtos manufaturados, de alto valor agregado. Ou seja, fortalecemos economicamente países dos quais importamos produtos industrializados, como a China. O exemplo carregado de simbolismo mais evidente é representado pela empresa Vale, que exporta minério de ferro para a China e que importa trilhos manufaturados para construção de suas ferrovias. Um verdadeiro absurdo como política industrial para o Brasil.
Assim, de acordo com essa visão crítica do atual processo de crescimento do PIB, o que deveria ser realizado é um grande esforço nacional para aumentar a participação dos investimentos no total do Produto. Isso significa reduzir, no curto prazo, esse ímpeto gerado pelo consumismo desenfreado e passar a canalizar recursos e esforços nacionais para a elevação dos investimentos. Tal opção implica alocar maiores recursos para setores como educação, ciência, tecnologia e inovação. Foi essa a estratégia, aliás, adotada pelos países asiáticos que mais apresentam dados positivos de crescimento econômico atualmente.
O novo foco para o crescimento do PIB: recuperar o investimento
A dificuldade, do ponto de vista político imediato, é que a sensação de capacidade de consumo pode ser afetada. Isso porque tudo se passa como se a sociedade realizasse uma opção de adiar o consumo presente para um momento futuro, quando as condições de maturação dos investimentos estivessem dadas. E isso implica uma revisão do modelo baseado no consumismo irresponsável, do ponto de vista de um modelo sustentável.
A confirmação do crescimento pífio do PIB para 2012 apenas vem trazer mais elementos de confirmação de tal avaliação. Daqui a alguns meses os dados do IBGE só farão confirmar o que todos já sabemos: a economia brasileira vai ter crescido pouco mais de 1% ao longo de 2012. Ou seja, revelou-se que apenas o estímulo ao consumo por si só não bastou.
A contradição, por outro lado, é que as expectativas de retomada do investimento não se realizaram. Como o governo assentou toda a estratégia na ilusão de que o capital privado seria o capitaneador dessa nova etapa de acumulação, houve muito pouca preocupação com a importância do investimento público. A crença idealizada na suposta capacidade do setor privado resolver essa equação isoladamente apresenta agora sua fatura. E a realidade acabou demonstrando uma certa passividade do capital privado em ampliar seus horizontes de investimento. Nem mesmo nos generosos modelos de ampliação de concessão de infra-estrutura (privatização de rodovias, ferrovias, aeroporto, portos e outros) o capital aceitou entrar nos empreendimentos com o chamado “espírito animal” que lhe seria característico.
As alternativas de correção de rumo para 2013 devem incorporar a ampliação da parcela de investimentos no PIB. Isso significa que o Estado deve retomar seu papel de vanguarda e de exemplo para que as decisões de ampliar a capacidade instalada sejam efetivas em nosso País. E para tanto, espera-se do governo federal uma postura mais pró-ativa na iniciativa de novos investimentos e não apenas no oferecimento de benesses e bondades ao capital privado, sem nenhuma exigência de contrapartida. A ampliação do investimento oferece, além disso, a vantagem de permitir a internalização da capacidade produtiva e de geração de serviços, reduzido nossa dependência crônica com relação aos demais países do mundo. Esse é o caminho para ampliar nosso grau de soberania, tornando o Brasil menos dependente das inovações científicas e tecnológicas do resto do mundo. Esse é sentido maior de um projeto estratégico para nosso País.
Enquanto isso, a equipe econômica e a própria Presidenta se contentavam em apresentar dados a respeito do significativo crescimento do consumo.
Na busca desesperada por obter, e apresentar ao grande público, informações positivas quanto ao crescimento da nossa economia, o estímulo ao consumismo foi a tônica das decisões de política econômica. As metas de gerar crescimento, porém, previam a manutenção do modelo macroenômico essencial, com controle de inflação por meio de metas, a liberdade cambial e a geração de superávit primário. Mas com uma mudança significativa: a orientação para redução da taxa oficial de juros, a SELIC.
Resposta para uma economia que patina: estímulo ao consumo
À medida que os indicadores insistiam em apresentar baixa perspectiva de crescimento do PIB, as novidades anunciadas pelas autoridades foram sendo transformadas em uma espécie de “mesmice”: estímulo ao consumo, e mais consumo e ainda mais consumo. Para viabilizar tal alternativa, o governo tomou decisões pelo lado de estimular a capacidade de demanda e também pelo lado do aumento da oferta de bens e serviços de uma forma generalizada. As informações disponíveis revelam que a queda da taxa de juros do BACEN não foi acompanhada por uma redução da mesma magnitude na outra ponta. Bancos e instituições financeiras continuavam cobrando taxas elevadas dos tomadores de empréstimo, sejam empresas ou consumidores. Com isso, a demanda encontra algumas limitações para aumentar o consumo: a chamada “capacidade de endividamento” das famílias. Tal fenômeno se explica pelo excessivo impacto ainda causado pelas dívidas assumidas, apesar do efetivo crescimento dos rendimentos da população de baixa renda, tal como verificado ao longo da última década.
Pelo lado da oferta, o governo não cansou de apresentar medidas de redução de tributos de diversos tipos. Em primeiro lugar, estímulos para aumentar a produção de bens baseados na isenção de tributos federais, em especial o Imposto de Produtos Industrializados (IPI). Veículos profissionais e automóveis de uso particular, produtos da linha branca (geladeiras, fogões e máquinas de lavar), atividades vinculadas à construção civil, entre outros, foram o carro chefe da tentativa de evitar a queda da atividade econômica nacional.
Isenção tributária: apenas estímulo às empresas e ao consumismo
Além disso, o governo cedeu a pressões antigas e pesadas do empresariado, retirando a contribuição devida sobre salários - uma das bases de sustentação das receitas do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). A chamada “desoneração da folha de pagamentos” teve início como uma experiência localizada em alguns poucos setores, mas rapidamente se alastrou para mais de 40 setores de atividade. Esse seria também um mecanismo para aliviar os custos das empresas e estimular o aumento das operações da economia. Além de colocar em risco o equilíbrio do modelo previdenciário no longo prazo, a medida não tem implicado em redução de preços na ponta para os consumidores, Na verdade, em termos agregados, vai apenas propiciar a elevação da taxa de retorno das empresas, aumentando sua lucratividade privada às custas do rateio social. O impacto de menor receita orçamentária será coberto com recursos do Tesouro Nacional.
Ocorre que esse tipo de opção baseada apenas no consumo encontra obstáculo na própria estrutura social e econômica de nosso País. Os famílias e os indivíduos não trocam de carro a cada 6 meses – ainda bem! Tampouco compram novos produtos de linha branca com tal assiduidade. Assim, o reflexo positivo do estímulo ao consumo por meio da redução tributária encontra rapidamente seu ponto de saturação.
Investimento: uma necessidade deixada ao esquecimento
E aqui entram em campo analistas com uma avaliação um tanto mais realista a respeito da incapacidade do modelo lastreado apenas no consumismo de curto prazo em dar sustentação de médio e de longo prazos ao crescimento e ao desenvolvimento econômicos. Ao analisar os diferentes elementos componentes do crescimento do PIB, percebe-se que a performance do investimento está muito aquém do necessário para a economia e a sociedade brasileiras.
Apoiar o modelo de crescimento do PIB apenas no estímulo ao consumo revela-se como opção equivocada no curto prazo e inviável no longo prazo.
Essa dinâmica perversa torna-se ainda mais problemática em um contexto em que o modelo se assenta prioritariamente sobre o setor primário exportador. O principal motor de nossa economia ainda são as exportações do agronegócio, da mineração e do petróleo. Isso significa que realizamos um grande esforço nacional para exportar produtos de baixo valor agregado (pouca incorporação de capital, de mão-de-obra qualificada, de conhecimento e de tecnologia). E, ao mesmo tempo, desperdiçamos um volume significativo de recursos orçamentários, financeiros e monetários na importação de produtos manufaturados, de alto valor agregado. Ou seja, fortalecemos economicamente países dos quais importamos produtos industrializados, como a China. O exemplo carregado de simbolismo mais evidente é representado pela empresa Vale, que exporta minério de ferro para a China e que importa trilhos manufaturados para construção de suas ferrovias. Um verdadeiro absurdo como política industrial para o Brasil.
Assim, de acordo com essa visão crítica do atual processo de crescimento do PIB, o que deveria ser realizado é um grande esforço nacional para aumentar a participação dos investimentos no total do Produto. Isso significa reduzir, no curto prazo, esse ímpeto gerado pelo consumismo desenfreado e passar a canalizar recursos e esforços nacionais para a elevação dos investimentos. Tal opção implica alocar maiores recursos para setores como educação, ciência, tecnologia e inovação. Foi essa a estratégia, aliás, adotada pelos países asiáticos que mais apresentam dados positivos de crescimento econômico atualmente.
O novo foco para o crescimento do PIB: recuperar o investimento
A dificuldade, do ponto de vista político imediato, é que a sensação de capacidade de consumo pode ser afetada. Isso porque tudo se passa como se a sociedade realizasse uma opção de adiar o consumo presente para um momento futuro, quando as condições de maturação dos investimentos estivessem dadas. E isso implica uma revisão do modelo baseado no consumismo irresponsável, do ponto de vista de um modelo sustentável.
A confirmação do crescimento pífio do PIB para 2012 apenas vem trazer mais elementos de confirmação de tal avaliação. Daqui a alguns meses os dados do IBGE só farão confirmar o que todos já sabemos: a economia brasileira vai ter crescido pouco mais de 1% ao longo de 2012. Ou seja, revelou-se que apenas o estímulo ao consumo por si só não bastou.
A contradição, por outro lado, é que as expectativas de retomada do investimento não se realizaram. Como o governo assentou toda a estratégia na ilusão de que o capital privado seria o capitaneador dessa nova etapa de acumulação, houve muito pouca preocupação com a importância do investimento público. A crença idealizada na suposta capacidade do setor privado resolver essa equação isoladamente apresenta agora sua fatura. E a realidade acabou demonstrando uma certa passividade do capital privado em ampliar seus horizontes de investimento. Nem mesmo nos generosos modelos de ampliação de concessão de infra-estrutura (privatização de rodovias, ferrovias, aeroporto, portos e outros) o capital aceitou entrar nos empreendimentos com o chamado “espírito animal” que lhe seria característico.
As alternativas de correção de rumo para 2013 devem incorporar a ampliação da parcela de investimentos no PIB. Isso significa que o Estado deve retomar seu papel de vanguarda e de exemplo para que as decisões de ampliar a capacidade instalada sejam efetivas em nosso País. E para tanto, espera-se do governo federal uma postura mais pró-ativa na iniciativa de novos investimentos e não apenas no oferecimento de benesses e bondades ao capital privado, sem nenhuma exigência de contrapartida. A ampliação do investimento oferece, além disso, a vantagem de permitir a internalização da capacidade produtiva e de geração de serviços, reduzido nossa dependência crônica com relação aos demais países do mundo. Esse é o caminho para ampliar nosso grau de soberania, tornando o Brasil menos dependente das inovações científicas e tecnológicas do resto do mundo. Esse é sentido maior de um projeto estratégico para nosso País.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
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