Realidade silenciada: negligência e corrupção agravam drama dos sequestros no México
Parentes encontram obstáculos entre as autoridades do país para investigar os casos, que podem passar de 20 mil
Federico Mastrogiovanni
Federico Mastrogiovanni
Yahaira Guadalupe Baena López foi tirada de casa em 13 de abril de 2011 por homens armados em Oaxaca. Mais de um ano depois, com a ajuda de investigadores e advogados particulares, a mãe, Margarita, conseguiu descobrir o paradeiro da filha. Após dez dias de torturas e estupros, Yahaira foi encontrada sem cabeça em uma cova anônima. Destino parecido teve Alan Israel Cerón Moreno, que sumiu em uma noite de Natal para ser morto longe dos pais, que o procuraram sem descanso por semanas. “Pode parecer uma loucura, mas saber que o mataram me faz dormir”, contou a mãe, Rosa María, em seu enterro.
Na Cidade do México, mães de desaparecidos realizam marcha em protesto contra falta de investigação dos crimes
No México, atualmente, há um fenômeno de desaparecimentos. Todos os anos, milhares de denúncias de familiares são feitas, porém, não existem cifras exatas e nenhuma instituição faz a conta, devido à falta de coordenação e também à ausência de vontade política em reconhecer o problema. A quantidade de casos reportados não corresponde ao número real de pessoas sequestradas, que parecem já não estar em canto algum, pois frequentemente o delito é negado ou maquiado.
É como uma imagem que toma uma forma diferente a cada vez que se tenta observá-la de perto. Um simulacro evanescente no discurso oficial, quase uma invenção, mas que ganha forma e consistência nas histórias individuais, transformando-se em um problema real. No entanto, os poucos números importam e são fundamentais para poder falar de um problema massivo.
No México, atualmente, há um fenômeno de desaparecimentos. Todos os anos, milhares de denúncias de familiares são feitas, porém, não existem cifras exatas e nenhuma instituição faz a conta, devido à falta de coordenação e também à ausência de vontade política em reconhecer o problema. A quantidade de casos reportados não corresponde ao número real de pessoas sequestradas, que parecem já não estar em canto algum, pois frequentemente o delito é negado ou maquiado.
É como uma imagem que toma uma forma diferente a cada vez que se tenta observá-la de perto. Um simulacro evanescente no discurso oficial, quase uma invenção, mas que ganha forma e consistência nas histórias individuais, transformando-se em um problema real. No entanto, os poucos números importam e são fundamentais para poder falar de um problema massivo.
O tema não é novo no México. Durante a “guerra suja” – ações do governo do PRI (Partido Revolucionário Institucional) contra grupos guerrilheiros estudantis de esquerda –, de 1969 até a metade dos anos 1990, chegou-se a calcular um número de desaparecidos próximo a 1.200 pessoas. Uma herança maldita do país, em que o desaparecimento forçado de pessoas era uma ferramenta sistemática para aterrorizar a população.
No sexênio do presidente Felipe Calderón – recentemente concluído –, instituições oficiais como a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), reconheceram a existência de mais de seis mil desaparecidos no México. De acordo o Sistema Nacional de Segurança Pública (SNSP), houve um aumento de 137% durante o último governo.
Segundo associações de familiares de vítimas de desaparecimento, os dados proporcionados pelo Estado não representam minimamente o número real de desaparecidos.
De acordo com a ONH Propuesta Cívica, 20.851 pessoas entre 2 de agosto de 2006 e 29 de fevereiro de 2012 desapareceram no país.
A verdade é que não existe um registro único federal. Os estados não se coordenam nem são confiáveis na contagem dos desaparecimentos. É impossível confrontar as denúncias de desaparecimento com os milhares de corpos sem nome identificados em todo o território nacional e o processo parece muito longe de chegar a algum resultado.
Como afirma Blanca Martínez, porta-voz da ONG Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos de Coahuila (FUUNDEC), há uma diferença entre os tempos atuais e os da “guerra suja”: “Enquanto no passado, sobretudo nas décadas de 70 e 80, o desaparecimento forçado estava relacionado principalmente à oposição política ou armada do regime hegemônico priísta, operada por agentes do Estado, hoje não, está pulverizado. É mais complicado entender este fenômeno de maneira uniforme”.
A verdade é que não existe um registro único federal. Os estados não se coordenam nem são confiáveis na contagem dos desaparecimentos. É impossível confrontar as denúncias de desaparecimento com os milhares de corpos sem nome identificados em todo o território nacional e o processo parece muito longe de chegar a algum resultado.
Como afirma Blanca Martínez, porta-voz da ONG Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos de Coahuila (FUUNDEC), há uma diferença entre os tempos atuais e os da “guerra suja”: “Enquanto no passado, sobretudo nas décadas de 70 e 80, o desaparecimento forçado estava relacionado principalmente à oposição política ou armada do regime hegemônico priísta, operada por agentes do Estado, hoje não, está pulverizado. É mais complicado entender este fenômeno de maneira uniforme”.
Tipos de sequestro
Alguns são vítimas de sequestros, que acontecem em quase todo o país, também na forma conhecida como “sequestro relâmpago”, no qual a detenção dura poucas horas ou poucos dias, até o pagamento do resgate.
Também é muito comum o desaparecimento de imigrantes, principalmente os centro-americanos, que cruzam a fronteira do México para chegar aos Estados Unidos. Eles são sequestrados em grupos de até 50 ou 100 pessoas por diferentes atores criminosos, em muitos casos, apoiados por agentes da polícia municipal, estatal e/ou federal, elementos do exército ou funcionários do Instituto Nacional de Migração.
Alguns são vítimas de sequestros, que acontecem em quase todo o país, também na forma conhecida como “sequestro relâmpago”, no qual a detenção dura poucas horas ou poucos dias, até o pagamento do resgate.
Também é muito comum o desaparecimento de imigrantes, principalmente os centro-americanos, que cruzam a fronteira do México para chegar aos Estados Unidos. Eles são sequestrados em grupos de até 50 ou 100 pessoas por diferentes atores criminosos, em muitos casos, apoiados por agentes da polícia municipal, estatal e/ou federal, elementos do exército ou funcionários do Instituto Nacional de Migração.
Os grupos que sequestram imigrantes, na maioria dos casos, pedem um resgate aos familiares que vivem em solo norte-americano. Cada uma essas pessoas “vale” de dois a cinco mil dólares. Quem não paga, morre.
Também desaparecem pessoas que são obrigadas a se prostituir. Jovens mexicanas ou centro-americanas são sequestradas a cada ano para servirem de mercadoria no mercado de tráfico de pessoas e acabam no vasto mercado internacional da prostituição.
Há também desaparecimentos relacionados à atividade profissional. Os que correm mais em risco, segundo os dados tanto de organizações não-governamentais internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), são defensores de direitos humanos e jornalistas.
Esse grupo é o que concentra a maior parte dos casos, segundo as organizações de familiares de vítimas de desaparecimentos. Crimes cometidos sem razão econômica e, sobretudo, ao longo do governo Calderón. “O que se pode afirmar com certeza é que a maioria dos casos de desaparecimento têm responsabilidade direta ou indireta das instituições oficiais, principalmente das polícias ou do exército”, diz a irmã Consuelo, responsável pela organização Cidadãos em Apoio aos Direitos Humanos de Monterrey.
“Além da incompetência de funcionários ou ministérios públicos – que não cumprem com seu dever de investigar ou o fazem mal, desperdiçando horas preciosas para encontrar pessoas desaparecidas –, em muitos casos os desaparecimentos são realizados diretamente por agentes da polícia em atividade. Isso é feito à luz do dia, com uniforme, ou trabalhando para grupos criminosos, sem uniforme”, completa Martínez, da FUUNDEC.
Há também desaparecimentos relacionados à atividade profissional. Os que correm mais em risco, segundo os dados tanto de organizações não-governamentais internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), são defensores de direitos humanos e jornalistas.
Esse grupo é o que concentra a maior parte dos casos, segundo as organizações de familiares de vítimas de desaparecimentos. Crimes cometidos sem razão econômica e, sobretudo, ao longo do governo Calderón. “O que se pode afirmar com certeza é que a maioria dos casos de desaparecimento têm responsabilidade direta ou indireta das instituições oficiais, principalmente das polícias ou do exército”, diz a irmã Consuelo, responsável pela organização Cidadãos em Apoio aos Direitos Humanos de Monterrey.
“Além da incompetência de funcionários ou ministérios públicos – que não cumprem com seu dever de investigar ou o fazem mal, desperdiçando horas preciosas para encontrar pessoas desaparecidas –, em muitos casos os desaparecimentos são realizados diretamente por agentes da polícia em atividade. Isso é feito à luz do dia, com uniforme, ou trabalhando para grupos criminosos, sem uniforme”, completa Martínez, da FUUNDEC.
Propaganda da ONG mexicana FUUNDEC (Forças Unidas pelos Nossos Desaparecidos de Coahuila)
Quando os agentes da polícia não estão diretamente envolvidos no desaparecimento, é muito comum que as forças policiais ou militares “apoiem” outros atores criminosos, deixando-os atuar, facilitando suas operações e dando até apoio logístico.
Em ambos os casos, seja em uma ação direta, seja indireta, seja até em uma omissão, pode-se e se tem que falar de desaparecimento forçado de pessoas e de uma responsabilidade do Estado mexicano, como se observa nas recomendações do grupo de trabalho da ONU sobre o tema dos desaparecimentos forçados no México.
A gravidade deste crime continuado é tamanha, que ele é considerado no direito internacional, assim como a tortura, um crime contra a humanidade. “As mães agem como polícia no México. Visitamos lugares inimagináveis para identificar corpos desmembrados, em estado de decomposição, com um odor nauseabundo, em busca dos nossos filhos! Precisamos não só ter cuidado com o crime organizado, mas também com o governo que, sempre, de uma forma ou de outra, busca uma forma de nos calar”, desabafa Margarita, que, ao contrário de milhares de outras mães, conseguiu encontrar o corpo sem vida da filha, Yahaira.
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