Samuel L. Jackson: "A escravatura era a coluna vertebral do nosso país"
Em “Django”, Samuel L. Jackson encarna um dos mais belos patifes da história do cinema e rouba a maior parte das cenas aos seus camaradas de cena
Bakchich
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Primeira indiscrição, o ator mais rentável de todos os tempos é simpático, afável e não hesita em sair do discurso promocional que nos é servido habitualmente neste tipo de encontros. Segunda indiscrição: Sam The Man fuma cigarros eletrônicos. Terceira indiscrição, tem o ritmo de um rapper e a voz “suínga”.
Bom dia, estou verdadeiramente encantado de entrevistá-lo.
Samuel L. Jackson : Encantado.
Fuma?
S. L. J. : Oh, é um cigarro eletrônico. Estou tentando largar este hábito sujo há anos. Mas, enfim…
Você entra na maior parte dos filmes de Tarantino, faz mesmo a voz off de “Bastardos Inglórios”. É porque faz cantar os seus diálogos como se fosse um rap?
S. L. J. : Creio que ele acha isso, gostaria que achasse. Em todo o caso, gosto da forma como ele escreve, e ele gosta da forma como eu digo as réplicas.
Deve mesmo entrar em “Reservoir Dogs”.
S. L. J. : Sim, passei na audição. Lembra-se de Tim Roth que repete a sua história de cães com um negro, pois bem, acho que vou ter o papel desse tipo. Está combinado ente mim e Quentin.
“Sou um filho da segregação”
Nasceu no Tennessee.
S. L. J. : Nasci em Washington e fui criado no Tennessee.
Sofreu com o racismo e conheceu a segregação. Que foi que sentiu ao atuar em “Django”?
S. L. J. :Conheço muito bem o Sul e gosto dele. Tenho um bom conhecimento da escravatura. Os americanos esqueceram-se que quando os cowboys exterminavam os índios, a escravatura era a coluna vertebral daeconomia do país, com as plantações de algodão e tabaco, os campos de cana de açúcar. Era trabalho forçado com uma maioria de negros mantidos prisioneiros por uma minoria de brancos. É o que mostra o nosso filme. Pergunta-se muitas vezes como os brancos puderam manter sob o seu jugo os seus escravos, que estavam em maioria numérica. Simplesmente pelo terror e pela intimidação! Certas cenas de “Django” são terríveis: o chicote, os combates de morte, os cães, mas a realidade era muito pior. Cortavam-se pés, mãos, dedos. Alinhavam as mulheres grávidas, escolhiam uma, esventravam-na e matavam o bebê. O suficiente para provocar a vontade de revolta. E este horror perdurou. Sabe, eu cresci na época da segregação, sou um filho da segregação. Havia sítios onde se podia ir e outros que eram interditados, com placas a dizer “Só para Brancos”.
No carro, na escola…
S. L. J. : … em todo o lado, era em todo o lado, mesmo na rua. Se olhávamos alguém de lado na rua, podias desaparecer, ser morto. Era a vida na América tal como a conheci.
Como explica que Hollywood fale tão pouco da escravatura?
S. L. J. : (em tom de enfado) A América pediu desculpa por ter massacrado os índios, mas nunca reabilitou a memória dos meus antepassados. Os americanos não gostam de falar nisso. Houve o Lincoln de Steven Spielberg que fala da política da escravatura e sei que o realizador Steve McQueen acaba de filmar “12 years a slave” (com Michael Fassbender e Brad Pitt), penso que será muito diferente de “Django”. Será interessante comparar os dois filmes.
Foi o senhor que teve a ideia do aspeto do seu personagem
S. L. J. : Trabalhei nisso durante um ano. Refleti sobre o penteado, sobre a cor da pele… Fizemos testes filmados e houve horas de maquiagem. Finalmente, chegamos a um compromisso e tinha uma hora e meia de maquiagem de manhã, uma prótese macia, não muito difícil de suportar durante o dia.
Foi um papel engraçado de interpretar?
S. L. J. : Sim, realmente, Stephen é um excelente personagem.
“O meu personagem é um desgraçado de um colaborador”
Olhando-o ao lado de Leonardo di Caprio, tive a impressão de ver a serpente Kaa no desenho animado “O Livro da Selva”, ou o conselheiro do rei em Robin dos Bosques versão Disney, uma outra serpente.
S. L. J. : (brinca). Stephen é o homem atrás do trono. É ele que gere a plantação porque Calvin está demasiado ocupado com os seus combates de mandingos e o seu bordel. Quando o filme começa, a escravatura existe desde há 150 anos. O avô de Stephen e o seu pai ocuparam-se da fazenda Candie, o seu destino era continuar. Ele é o produto do meio e ocupa-se de Calvin como de um filho. Quer gozar dos seus privilégios enquanto os seus semelhantes nos campos morrem de pancada. Stephen é um desgraçado de um colaborador, que utiliza a situação a seu favor e que queria que a escravatura perdurasse mais 150 anos. De fato, é ele o senhor, ele tem o poder. E vê Django este antigo escravo que chega a cavalo, armado de pistola, como uma ameaça. Sobretudo, não quer que os outros escravos aspirem a esta liberdade.
No ecrã, rouba todas as cenas.
S. L. J. : Não era a minha intenção! Tentei ser fiel ao meu personagem, talvez o negro mais ignóbil da Sétima Arte, tentei servi-lo o melhor possível. Quando Stephen e Calvin estão juntos, tinha a impressão de que eram um monstro de duas cabeças. Era agradável representar esse papel com Leo.
“Durante a escravatura, era a palavra negro que era usada”
“Django” é um filme político?
S. L. J. : Este filme não é de forma alguma um documentário sobre a escravatura, é divertimento. Mas há aspetos políticos. A política da escravatura é uma coisa de que os americanos não querem falar, que escondem debaixo do tapete, e querem dar a entender que talvez não fosse assim tão grave…
Houve uma controvérsia nos Estados Unidos a propósito do uso da palavra “negro” em “Django”. Os jornalistas e os conservadores não se revoltaram pelo horror da escravatura, mas sim por esta palavra. Confesso que não entendi.
S. L. J. : Eu também não e, no entanto, vivo no país! Durante o período da escravatura, era a palavra usada, qual é então o problema?
Um assessor de imprensa entreabre a porta: “Last question, please”.
Em breve um filme com Nick Fury como vedeta?
S. L. J. : Não sei, adoraria. Em todo o caso, verão em breve Fury em “Capitão América 2”.
Já entrou em 150 filmes. Qual é o seu motor?
S. L. J. : Gosto disso, é só (explode em riso). É um bom emprego. Você é jornalista. Todas as manhãs, levanta-se e escreve. Faço uma coisa parecida. Se posso representar todos os dias, fico feliz. É o que faço, é o que gosto mais. E, sabe, é um desgraçado de um bom emprego!
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
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